Edward Snowden |
Para os interessados em saber o que o ministro de interior alemão Thomas de Maizière pensa sobre o internet, uma visita ao site pouco conhecido bevoelkerungsschutz-portal.de (proteção da população) pode ser instrutiva.
O site é cheio de informações em relação à resposta da Alemanha à possíveis catástrofes: epidemias em massa, ataques terroristas, enchentes e situações semelhantes. Na semana passada, o site publicou o vídeo de uma conferência na qual Maizière discutia segurança na internet com a elite digital do país.
No vídeo, o ministro de interior, membro da União Democrática Cristã da chanceler Angela Merkel, fala de uma "crise de confiança devastadora", mas evita denominar explicitamente o perigo. Em vez de falar sobre a agência de inteligência norte-americana NSA ou sobre o informante Edward Snowden, ele fala de "eventos recentes" e "daqueles que coletam dados". Ele diz que a tarefa agora é de reconstruir a confiança.
A internet é uma questão para as autoridades de proteção civil? Isso não é tão improvável na Alemanha no momento. As revelações tornadas públicas nos últimos meses por Snowden mostraram como é fácil espionar a Alemanha, como as autoridades do país estão mal preparadas e como a população não tem a mínima ideia.
Elas também levaram o governo a prometer uma grande ofensiva digital. Não importa que áreas da vida são afetadas pela internet, elas devem se tornar mais seguras, mais fáceis de usar e mais poderosas. O povo da Alemanha devem reconquistar sua soberania digital e poder navegar na internet com confiança. E o próprio país deve conquistar a independência digital estabelecendo uma infraestrutura independente que seja livre da dependência em relação aos EUA.
Esses são os objetivos da "política digital" que o governo espera elaborar no primeiro trimestre deste ano. E embora o ponto de partida seja ruim, o caso Snowden poderá, apesar disso, se tornar um ponto de virada.
Clientes desconfiados
As revelações com as quais ele chamou a atenção do mundo colocaram uma grande pressão sobre a internet norte-americana e as gigantes da TI. Companhias que até recentemente eram extremamente poderosas e imensamente arrogantes agora temem que seus usuários possam fugir para empresas estrangeiras. De acordo com o analista de mercado James Staten da Forrester Research, as companhias norte-americanas poderão perder até US$ 180 bilhões em negócios até 2016 como resultado da desconfiança dos clientes. Estimativas mais conservadoras colocam as perdas potenciais em US$ 35 bilhões.
Os primeiros sinais de problemas já podem ser encontrados nos balanços das grandes empresas. Tanto a IBM quanto a Cisco viram quedas drásticas nas vendas no exterior, particularmente na China. Enquanto isso, o Google e o Facebook estão defendendo que o governo em Washington exerça mais controle sobre as agências de inteligência por temer uma revolta dos usuários.
A Microsoft também gerou manchetes quando, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, anunciou que no futuro seus clientes estrangeiros poderão armazenar dados em data centers locais da Microsoft perto de onde moram. O uso de nuvens locais em data centers localizados na Holanda e na Irlanda já é possível hoje, mas a maioria dos clientes não sabe da existência do serviço.
Críticos começaram a alertar sobre a "balcanização da internet" e duvidam que simplesmente armazenar dados em servidores locais irá protegê-los da inteligência norte-americana. A Microsoft, por exemplo, com sua sede em Redmond, terá que continuar obedecendo a lei norte-americana e entregar dados confidenciais em alguns casos.
Como resultado, companhias como a Deutsche Telekom demandaram que os dados sejam processados o máximo possível dentro da Europa. Mas a ideia, conhecida como "Roteamento Schengen", foi recebida com ceticismo pela comissária europeia da Agenda Digital Neelie Kroes. "Não é realista conter os dados dentro da Europa. Não dá para colocar controles de fronteira. Isso destruiria a abertura da internet", disse ela à Spiegel.
Espalhando otimismo
Kroes, nativa da Holanda, está se concentrando em desenvolver um selo de qualidade para proteção de dados dentro da estrutura da Parceria da Nuvem Europeia, como é chamada a iniciativa da Europa para estabelecer um único mercado para computação em nuvem. Ela quer "obrigar todas as companhias ativas na Europa a reportar qualquer tipo de infiltração, seja de hackers ou agências de governos. Isso fará parte da nova Diretriz de Segurança em Rede. Cada país deverá criar uma plataforma confiável onde essas infiltrações devem ser relatadas pelas companhias."
É uma proposta que poderia ser vista como uma ameaça do outro lado do Atlântico, mas representa uma oportunidade para a Alemanha. "Nosso melhor funcionário de marketing é Edward Snowden", diz uma piada corrente dentro do setor de TI da Alemanha.
De fato, o otimismo está se espalhando. O novo governo de Merkel "tem uma oportunidade única para transformar a Alemanha num lugar de fazer negócios", diz Philipp Otto do portal de informação iRights Cloud.
"O efeito Snowden é real", concorda Ali Jelveh, co-fundador da firma Protonet. "Muitas companhias de médio porte que até agora gerenciavam suas comunicações usando serviços e nuvem estão interessadas em restabelecer sua soberania digital."
Jelveh, de Hamburgo, tem um produto para satisfazer esse desejo. É uma caixa de metal laranja e elegante: essencialmente uma nuvem personalizada com uma capacidade de armazenamento gigante. A companhia a chama de "servidor mais simples do mundo".
A necessidade de criptografia
Jelveh nasceu no Irã e sua família foi separada pela revolução no país e a guerra que a seguiu. Ele tem pouca fé nas promessas de segurança do estado. Como é difícil atrair capital de investimento na Alemanha, ele pediu apoio usando a plataforma de crowdfunding Seedmatch – e teve um grande sucesso. Ele levantou os 200 mil euros que precisava em apenas 48 minutos. Logo, ele planeja expandir para os EUA.
A pequena start-up Protonet é sob vários aspectos típica do setor de internet em Berlim, que muitas companhias desconhecidas. A lista inclui Secunet, G-Data, Boxcryptor, Secomba e outras. Uma recém-chegada nos últimos anos é a start-up com sede em Berlim Posteo. A companhia tem nove funcionários e oferece um serviço de e-mail criptografado que, diferentemente de muitos de seus concorrentes, é fácil de usar e tem recebido as melhores avaliações. Desde as revelações de Snowden, o número de contas de e-mail da companhia quadruplicou.
Embora essas companhias sejam pequenas e relativamente vulneráveis, elas podem ser alimentadas pelo estado para ter uma chance de lutar contra as grandes companhias. As práticas atuais na Alemanha, contudo, tornam isso especialmente difícil. Quando há licitações para infraestrutura de segurança em TI, por exemplo, as agências do governo alemão tendem muito mais a oferecer os contratos para grandes empresas, normalmente norte-americanas, em vez de para pequenas companhias alemãs.
O governo pode ajudar?
Os políticos dizem que querem mudar isso. Brigitte Zypries do Partido Social Democrata (SPD) de centro-esquerda – que há algumas semanas é funcionária sênior do Ministério da Economia responsável pela economia digital – está prometendo novos projetos criativos de internet em todos os ministérios do governo, inclusive o dela. "Além do crowdfunding, também queremos ver se um novo segmento de mercado pode ser criado nos mercados de ações para facilitar que as empresas de internet levantem capital de investimento", disse ela.
Levará um bom tempo até que isso aconteça. Por um lado, a distribuição de responsabilidades, que é comum em todo governo novo, não simplificou em nada o ambiente para a mudança. O ministério dos Transportes, por exemplo, recebeu amplas responsabilidades pela infraestrutura da internet. Seu chefe, Alexander Dobrindt, é membro da União Social Cristã (CSU), o partido da Bavária irmão do partido conservador de Merkel. Dobrindt tem muita consciência de sua força política e não tem medo de usá-la. Durante o último minuto de negociações para formar o novo governo, Dobrindt, que se autointitula "ministro da internet", garantiu para si responsabilidade de desenvolver a infraestrutura digital do país, pisando no pé daqueles que antes eram responsáveis por essa área.
Muitos são os funcionários do ministério da Economia. No início deste ano, Dobrindt enviou uma carta ao ministro declarando que queria transferir toda o departamento responsável por infraestrutura digital no ministério da Economia para o ministério dos Transportes.
Como se podia esperar, Dobrindt se desentendeu com o ministro da Economia Sigmar Gabriel do SPD, que também é vice-chanceler de Merkel no governo de poder compartilhado da coalizão. Gabriel rejeitou o pedido do ex-secretário geral do CSU, concordando apenas em permitir que dois funcionários passassem para o ministério dos Transportes – os funcionários responsáveis por expandir a rede de banda larga e a rede de telefonia celular. O alvoroço foi tão grande entre os funcionários do ministério da Economia que Gabriel teve que acalmá-los no início deste mês dizendo que nenhum funcionário seria perdido em "brigas por áreas de responsabilidade". Ele acrescentou: "há trabalho suficiente aqui para todos."
Salada de responsabilidades
Enquanto Gabriel e Dobrindt divergiam, um terceiro membro do gabinete realizou sua própria conferência de internet para anunciar os planos de seu ministério. O ministro de interior Maizière também tinha a internet em sua agenda durante sua rápida passagem como chefe do ministério durante o segundo mandato de Merkel como chanceler. Na época, entretanto, seu fogo era em grande parte controlar as ameaças terroristas e criminosas na internet.
Uma salada de responsabilidade digital também está emergindo no parlamento federal alemão. Antes, os comitês econômico e de proteção ao consumidor eram responsáveis pelos assuntos digitais, mas agora um comitê de "agenda digital" foi criado.
Os comitês existentes, é claro, não estão nem um pouco dispostos a ceder autoridade para assuntos relacionados à internet, particularmente no que diz respeito aos procedimentos legislativos. Como se isso já não fosse confuso o bastante, também há planos para estabelecer painéis de especialistas. Cada ministro do governo parece querer criar o seu próprio.
A comunidade ativista da internet na Alemanha teme que o resultado seja por fim instituições ineficazes. "Os políticos estão mais uma vez presos em ciúmes mesquinhos", disse Holger Mühlbauer da Associação Federal de Segurança em TI.
Mas Lars Klingbeil, porta-voz do SPD para o comitê da agenda digital no parlamento, busca acalmar esses temores. "Consideramo-nos como uma instituição coordenada", diz ele, chamando para perto aqueles que estão seguindo seu próprio caminho. "A política de internet precisa finalmente amadurecer, e isso só pode acontecer se nos unirmos."
Na semana passada, o novo governo alemão perdeu sem cerimônia sua primeira oportunidade para fortalecer sua posição como uma força da TI. Durante uma reunião dos ministros de interior e justiça da União Europeia em Atenas, o governo alemão bloqueou a nova Diretriz de Proteção de Dados planejada pela UE.
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