quarta-feira, 14 de maio de 2014

Lituânia investe em navio para escapar da dependência russa

Dalia Grybauskaite na Coréia do Sul
A presidente da Lituânia, Dalia Grybauskaite, cruzou o mundo em fevereiro passado para colocar um barco em um estaleiro da Coreia do Sul. Foi batizado de Independence. Em inglês, não em lituano, que seria Nepriklausomybe. Tratava-se de enviar uma mensagem à Rússia e ao mundo desse pequeno país que aderiu velozmente à Otan e à UE; imprescindível que ficasse clara.

O navio, enorme, tecnologicamente avançado, é a peça-chave na qual ele confia para romper - talvez já no próximo ano - a dependência total de suas indústrias e de seus 3 milhões de cidadãos do gás que vem da Rússia.

Os lituanos não perdoam a potência oriental que os ocupou no século 20 pela agressividade que exibe no XXI, e que lhes forneça gás pelo preço mais caro do mundo (37,7 euros o megawatt-hora, contra 32 da Itália e 26 da Espanha).

O país o paga porque a Gazprom - o monopólio russo - sabe que a Lituânia não tem opção. Até este país nas margens do mar Báltico chega um único gasoduto, que é russo. Por isso não pode comprar gás de outro fornecedor. Mas isso vai mudar drasticamente, confiam os lituanos.

O conflito da Ucrânia, que, com a rápida anexação da Crimeia, gerou um choque de pânico na Lituânia e uma preocupação que persiste, acrescentou uma boa dose de urgência aos muitos projetos que existem na região para aliviar a enorme dependência energética de Moscou.

O projeto lituano do Independence é um dos mais avançados. Gazprom e Rússia fizeram notar seu descontentamento com diversas pressões.

O ministro da energia, Jaroslav Neverovic, explica por telefone que "o objetivo é diversificar: poder trazer gás de outras fontes por um preço razoável". O plano é comprar gás em qualquer canto do planeta, liquefazê-lo - ao esfriá-lo a 165 graus abaixo de zero seu volume se reduz 600 vezes -, levá-lo até o litoral da Lituânia de barco, aquecê-lo para que volte ao estado gasoso e bombeá-lo para as indústrias e residências.

O navio Independence (de 294 metros de comprimento, igual a três campos de futebol), que chegará no outono ao porto de Klaipeda, onde ficará atracado, é um sofisticado terminal de gás natural liquefeito (GNL) que devolverá o gás a seu estado original.

Apostaram em uma usina em um barco, e não terrestre, porque "era significativamente mais rápido e menos caro", explica Tadas Matulionis, subdiretor da usina de GNL Klaipedos Nafta.

Gestores, políticos e analistas consideram que o calendário será cumprido, de modo que o primeiro gás que não vem da Gazprom estará disponível em dezembro.

Vytautas Landsbergis (nascido em Kaunas em 1932), um músico que foi o primeiro presidente da Lituânia independente quando a república abandonou a URSS em 1990, é um firme partidário do combate energético contra o gigante, custe o que custar. "Isto não é um assunto de negócios, representa uma grande diferença política", salienta em seu escritório esse conservador ex-parlamentar europeu.

"O barco é só um capítulo" no plano para conseguir "segurança energética". Isto é, para não ter que negociar com a Gazprom com as mãos amarradas nas costas como até agora.

Os entrevistados concordam em que os recursos energéticos são um instrumento essencial da política externa do Kremlin. "O preço do gás russo para a Lituânia aumentou 45% de 2010 a 2013 e 25% para a EU", explica o embaixador para Energia, Vytautas Nauduzas.

Também houve épocas de vantagem: "Antes de entrarmos na UE, era praticamente grátis".

Como o Independence basta para fornecer mais gás do que o país consome (25% a mais dos 3 bilhões de m3 de que a Lituânia precisa por ano), é ao mesmo tempo uma ferramenta de negociação com a gigante do gás russa, cujo contrato vence em 2015.

"O terminal nos serve para que o preço [da Gazprom] não supere um certo limite", explica o ministro. A Lituânia tem uma segurança peculiar de que a Gazprom não lhe cortará o gás como fez com a Ucrânia em 2009.

Como todo o fornecimento de gás para o enclave russo de Kaliningrado - na costa do mar Báltico e separado territorialmente da Rússia - deve passar pelo gasoduto que cruza a Lituânia, se fechar a torneira para a Lituânia tampouco chegará a Kaliningrado.

A dependência energética foi um dos temas principais de uma campanha imperceptível nas ruas da capital, na qual a presidente Grybauskaite, conhecida como a Dama de Ferro Báltica, tem praticamente garantida a reeleição no pleito de ontem, ou em um segundo turno com as europeias do dia 25.

"O presidente russo Vladimir Putin ajudou os lituanos a perceberem que a segurança energética é uma questão importante", afirma a ex-ministra da Defesa Rasa Jukneviciene em seu gabinete no Parlamento.

O projeto, iniciado em 2011 e financiado em boa parte por um empréstimo do Banco Europeu de Investimentos, teve desde o início grande apoio político e popular. Nem sequer os ecologistas levantaram a voz.

"O que os consumidores esperam é que baixem os preços da eletricidade e da calefação, porque este é um país muito frio", explica o professor de ciências políticas da Universidade de Vilnius, Tomas Janeliunas. A fatura da calefação costuma ser tão alta que é típico adiar os pagamentos no verão.

Crise na Ucrânia torna urgente conseguir outros fornecedores

O conflito que açoita a Ucrânia começou em certa medida nos últimos dias de novembro em Vilnius. A Lituânia presidia pela primeira vez a UE - ela entrou em 2004 - e quis comemorar com uma grande cúpula na qual dar a Kiev o abraço de boas vindas à órbita da UE.

Mas a Rússia ganhou a partida: o presidente ucraniano Victor Yanukovych recuou, não assinou o acordo de associação e desencadeou uma crise que adquiriu tons da Guerra Fria.

"Quando a Crimeia [foi anexada por Moscou], muitos aqui se perguntaram: quem é o próximo? A Moldávia? Os bálticos?", conta o professor Janeliunas. Os exercícios militares da Otan exerceram um efeito balsâmico. "Esses gestos foram política e emocionalmente muito importantes para a Lituânia".

Sentir o hálito russo na nuca - as referências às suas "ambições imperiais" são constantes aqui - também abriu um debate político sobre o magro orçamento de defesa deste país que se incorporou à aliança atlântica em 2004.

Vilnius dedica a esse capítulo 0,8% do PIB, superando apenas Luxemburgo, segundo o analista Janeliunas, coisa que vai mudar: os partidos concordaram em abril em aumentá-lo progressivamente para 2% até 2020.

Junto ao terminal do navio Independence, as autoridades lituanas trabalham em vários planos para diversificar suas fontes de energia: um gasoduto para a Polônia, uma interconexão com seus vizinhos bálticos, uma conexão submarina com a Suécia, etc.

Mas a aposta imediata são a renovação com a Gazprom por melhores preços e o gás liquefeito.

Tanto o ex-presidente Landsbergis como o embaixador de Energia salientam, separadamente, que a cidadania deve assumir que se afinal o consumidor tiver que pagar um pouco mais que agora, terá valido a pena para escapar do Kremlin.

Depois de quebrar uma garrafa de vinho espumante contra o casco do Independence, a presidente proclamou: "Nunca mais alguém vai chantagear nossa vida política ou econômica com os preços do gás". A partir de dezembro os lituanos olharão a conta do gás com mais atenção ainda.

2 comentários:

  1. Se ela quer mesmo fazer frente a Rússia como afirmou na campanha, terá de fazer um completo programa de reaparelhamento das Forças Armadas da Lituânia.

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  2. A Lituânia não teria condições de entrar em uma guerra com Rússia, nem a maioria dos países. O que a presidente tem feito é certo, é preciso acabar com a dependencia do gás para que o país possa se posicionar sem medo. VIVA A LITUANIA!

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