sexta-feira, 14 de março de 2014

'Eu também apertaria a mão do diabo para salvar vidas', diz líder de atos na Ucrânia

Vitali Klitschko foi uma das principais figuras da luta na Ucrânia contra o ex-presidente Yanukovich. A "Spiegel" falou com o ex-boxeador sobre o conflito com a Rússia, o futuro da Ucrânia e sobre se uma guerra é realmente iminente.

Spiegel: Vitali Volodymyrovych, uma lei proposta acabou de ser apresentada ao Parlamento buscando o ingresso da Ucrânia na OTAN. Por que, quando o presidente russo, Vladimir Putin, está esperando justamente por esse tipo de provocação?

Klitschko: É certo que precisamos fazer todo o possível para evitarmos provocar uma separação do país. Mas ainda acho acertado realizarmos negociações para ingresso na OTAN. A Ucrânia está e continuará sendo ameaçada militarmente pela Rússia, de modo que o povo de nosso país deseja um parceiro que possa garantir sua segurança. Mas isso não significa que precisamos automaticamente entrar para a OTAN.

Spiegel: O que a nova liderança ucraniana pode oferecer aos habitantes da Crimeia?

Klitschko: A população da Crimeia, em Donetsk ou Kharkiv, está apenas superficialmente preocupada com a língua, história e identidade nacional. Ela quer emprego, uma renda adequada, uma vida melhor. O que precisamos tentar oferecer a ela é soluções melhores.

Spiegel: O senhor convocou uma mobilização geral em 1º de março, como se fosse agosto de 1914. Do que se trata?

Klitschko: O termo "mobilização geral" foi entendido de modo equivocado. Para mim, trata-se da união dos ucranianos neste momento difícil. Minha declaração não tem nenhuma implicação militar. Eu defendo uma solução pacífica para o conflito desde que a Rússia invadiu a Crimeia, porque não quero que soldados ucranianos e russos atirem uns nos outros.

Spiegel: Ao fazê-lo, o senhor intensificou o conflito.

Klitschko: Desde o início do conflito, eu tenho repetido, todo dia, que ambos os lados precisam negociar. Eu nunca pedi por violência.

Spiegel: Por que o senhor e seu partido Aliança Democrática Ucraniana para a Reforma (UDAR) não entraram no governo, visando moldar as políticas? Parece um pouco de covardia.

Klitschko: Nossa exigência era de um governo independente, com o máximo possível de políticos independentes, um chamado governo tecnocrata. Nossos ideais e nossa agenda não podem estar presentes no atual governo, e em muitas questões nós temos posições completamente diferentes. Nós temos um plano de reforma totalmente diferente e um para o futuro, que, para o bem do povo ucraniano, nós esperamos ter a oportunidade de aprovar após nosso sucesso na eleição presidencial.

Spiegel: Mas o Partido Pátria de Yulia Tymoshenko assumiu todos os cargos importantes.

Klitschko: Nós dissemos desde o início que, nesta situação, nós não consideramos inteligente um partido assumir todos os cargos. Mas sob as condições atuais citadas, nós não temos opção a não ser ficar de fora do governo.

Spiegel: Por quê? Vocês poderiam ter muito mais influência dentro do governo.

Klitschko: Eu não vou dizer aqui quem mediou o acordo. Eu não quero enfraquecer as forças democráticas. Porque assim nós repetiríamos o erro de 2004 –quando, após a Revolução Laranja, todo mundo começou a buscar seus próprios interesses.

Spiegel: Deve haver outro motivo para vocês não estarem participando deste governo –porque isso prejudicaria suas chances na eleição presidencial. Este gabinete terá que tomar algumas medidas impopulares.

Klitschko: Desde o início, não se trata de fazer ou não parte do governo. Se participássemos do governo, as pessoas que o integrariam seriam apenas outros membros do Gabinete.E não posso ser tanto membro do governo e um candidato à presidência.

Spiegel: O senhor acha que o retorno de Yulia Tymoshenko à política é prudente? Muitas pessoas na Praça da Independência (Maidan)  a rejeitam.

Klitschko: Eu não vou comentar a respeito disso.

Spiegel: Muitas pessoas na nova liderança serviram em governos anteriores. Mas as pessoas querem caras novas.

Klitschko: Também há membros da oposição. Caras novas foram empossadas nos governos provinciais. E muitos oligarcas se adaptaram ao novo equilíbrio de poder e estão apoiando o novo governo, porque para eles, a abertura para o Ocidente é inevitável por motivos econômicos. Além disso, eles estão criando empregos e são administradores eficazes.

Spiegel: Seu partido UDAR e o de Tymoshenko estão trabalhando juntos com Setor Direito militante e com Partido Svoboda nacionalista de direita. Isso atende aos interesses de Putin. Agora ele pode falar sobre um "movimento fascista".

Klitschko: Nós não estamos trabalhando juntos. Nós unimos forças na nossa luta contra o regime, nada além disso. Nós temos agendas políticas diferentes, ideologias diferentes, eleitores diferentes.

Spiegel: Sanções rígidas do Ocidente contra a Rússia ajudariam a situação?

Klitschko: Nós precisamos usar todos os meios de pressão disponíveis para resolver este conflito na mesa de negociação. É inimaginável que ucranianos e russos matem uns aos outros. Minha mãe é russa, meu pai é ucraniano. Famílias mistas são muito comuns em ambos os países.

Spiegel: A ex-secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse que a forma como Putin está falando em proteger a Crimeia é semelhante à forma como Hitler falava sobre as pessoas de etnia alemã na Tchecoslováquia e na Romênia nos anos 30.

Klitschko: Putin já tentou isso na Abkhazia, sob a bandeira de proteger os cidadãos russos na Geórgia. Ao fazê-lo, ele dividiu aquele país. Eu acabei de receber um e-mail de um membro da minoria étnica alemã da Rússia. É uma carta fictícia para Putin: "Caro, sr. Putin, há 5 milhões de pessoas que falam russo na Alemanha. Nós estamos sofrendo bullying: as pessoas estão nos forçando a trabalhar. E o maior problema é que estamos sendo forçados a falar alemão –nas repartições públicas, nas empresas e até no trabalho. Além disso, as crianças têm que falar alemão nas escolas. Por favor, nos salve: envie seu exército para a Alemanha".

Spiegel: Putin considera o atual governo como sendo ilegítimo e também não aceitará os resultados da eleição presidencial. Ele pede por um retorno ao acordo que o senhor e outros líderes da oposição assinaram em 21 de fevereiro, depois das negociações com os ministros das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, da Polônia, Radoslav Sikorski, e da França, Laurent Fabius. Isso é possível?

Klitschko:Foi (o ex-presidente ucraniano) Yanukovich que quebrou sua palavra: ele desapareceu imediatamente após assinarmos o acordo. Porque foi tarde demais. Teria sido aceitável se tivesse ocorrido uma semana antes, antes de ocorrerem tantas mortes. Mas Yanukovich sempre negociou tarde demais.

Spiegel: Também ficou claro que esse acordo –para uma nova eleição presidencial em dezembro– não seria aceito pelos ativistas na Maidan.

Klitschko: Eu disse a Yanukovich que o único caminho que Maidan aceitaria após o derramamento de sangue seria a renúncia imediata dele. Mas para evitar uma escalada, nós trabalhamos visando um acordo. O cancelamento das negociações teria causado uma guerra nas ruas.

Spiegel: Não foi apenas Yanukovich –a oposição também chegou tarde demais. Quando as pessoas foram às ruas em Kiev em novembro, o senhor e outros membros da oposição não acreditavam que um movimento de protesto nasceria daquilo. Vocês também estavam correndo atrás dos eventos.

Klitschko: Você está certo. Eu esperei demais que pudéssemos aplicar uma pressão pacífica contra o governo. Mas repetidas vezes, diferentes forças políticas surgiam, com pedidos de renúncia do governo, renúncia do presidente, por uma mudança imediata do sistema. E o movimento em Maidan os apoiava nisso. Essas pessoas estavam com desejo de atacar.

Spiegel: E por que o senhor acabou apoiando a derrubada de Yanukovich, apesar de não ter sido constitucional e o senhor não contar com votos suficientes para isso.

Klitschko: Yanukovich desapareceu. Nós precisávamos agir. Uma maioria constitucional de mais de 300 votos aprovou a eleição de um novo líder do Parlamento –assim como o retorno da Constituição de 2004. Agora, em vez de uma república presidencialista, nós temos uma república parlamentar-presidencialista, com poderes iguais entre o Gabinete, o Parlamento e o presidente.

Spiegel: O que o senhor aprendeu com Maidan nestes últimos três meses?

Klitschko: Eu ainda não posso dizer, por vários motivos. Eu ainda estou processando tudo isso, aconteceu muita coisa nesse período. Em algum ponto eu vou escrever um livro a respeito.

Spiegel: O senhor se arrepende de ter apertado a mão de Yanukovych em 21 de fevereiro? Essa imagem perseguirá o senhor.

Klitschko: Aquele foi o pior momento na Praça da Independência –quando após as negociações com o presidente, eu fiquei no palco e as pessoas não estavam mais me ouvindo. Depois daquilo, eu passei três horas na praça e todo mundo me perguntava: como você pôde apertar a mão ensanguentada dele? Eu lhes disse: eu também apertaria a mão do diabo para salvar vidas.

6 comentários:

  1. O que acha das palavras dele Michel Medeiros gostaria de ouvir a sua opinião assim que possível.

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  2. Eu aprecio a sua sinceridade hey poderia fazer um post sobre a promessa feita pelo ocidente a Gorbachev de que a OTAN não se expandiria para a Alemanha esse é uma tema muito interessante e quase totalmente ignorado.

    http://www.spiegel.de/international/world/nato-s-eastward-expansion-did-the-west-break-its-promise-to-moscow-a-663315.html

    E sobre os protestos pro-Rússia na Ucrânia também é um tema interessante que esta sendo ignorado.

    http://en.wikipedia.org/wiki/2014_pro-Russian_protests_in_Ukraine

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  3. O Der Spiegel pelo calibre da sabedoria política do entrevistado, deveria também vir ao BRASIL ter uma palavrinha com o Fernandinho Beira-Mar. Afinal o que acrescentou o Valentão ao noticiário da encrenca criada pelos EUA/UE na Ucrânia? Nada! Então se a Rússia se mantiver na Crimeia (não sai de lá nunca mais) a Ucrânia+USArmy+UE vão invadir a Rússia? Isto sim é que deveria ser perguntado a esse carcamano e/ou qual seria a reação dos nazista ucranianos locais. E mais, se eu estivesse no lugar do Putin ocuparia a faixa sul da Ucrânia TODA e gostaria de saber qual eram os Valentões que iriam me tirar dali. General Obama? Piada né! Este cérebro de mostarda é muito arresistente, não acham? Que jornaleco, hein!

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  4. O Vitali Klitschko é um bom ex: de hipocrisia. Eu acompanhei a carreira de Boxe dele, ele NUNCA defendeu seu cinturão dentro da Ucrânia, sempre lutou aonde pagavam mais. No início lutava nos EUA, até que se aposentou por um tempo em 2004 a principio por um contusão, depois voltou da aposentadoria em 2008 e durante 5 anos lutou na Alemanha, fez uma única defesa de título fora da Alemanha em 5 anos, foi na Rússia contra um lutador sírio naturalizado alemão o Charr. Nunca o Vitali para correr riscos de ter prejuízos lutou na Ucrânia (o irmão dele o Wladimir é campeão dos pesados há 8 anos, um dos maiores pesados de todos os tempos e nunca lutou dentro da Ucrânia também, em Abril agora lutará na Alemanha como faz quase sempre também) agora depois de multi-milionário, e com ambições presidenciais apesar de uma vez ter perdido a prefeitura de Kiev mais cresceu muito em popularidade nos últimos anos o Vitali, agora é fácil dar uma de defensor da pátria, é fácil dar uma de defensor dos oprimidos e blá blá blá. No entanto se ele gosta tanto assim do país dele como diz, porque ele nunca lutou em Kiev? Seria um grande espetáculo pro país dele, afinal de contas esse cara foi campeão mundial por seis anos sendo 5 deles seguidos (2008-2013) da maior categoria do Boxe que é os pesados. Sempre lutou aonde pagavam mais, e na política o papel dele é para quem paga mais ele trabalha.
    A verdade que o Vitali é um grande ex: de hipocrisia nacionalista, falar em pátria é mole, mais na hora dos negócios olha o bolso.

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  5. O Yanukovich era bem visto entre os russos, antes mesmo dessa crise, em uma pesquisa feita no ano passado, o Yanukovich foi apontado como o 3° líder mais confiável dos países da extinta URSS (sem contar o Putin que não fez parte da pesquisa, claramente não quiseram gerar comparações). O Lukashenko Presidente da Bielorrússia ficou em primeiro com folga, o Nazarbayev Presidente do Cazaquistão ficou em 2° e o Yanukovich em 3° o resto não falaram a ordem. Se dentro da Rússia ele já era bem visto, a tendência era ter realmente o apoio da maioria russa na Ucrânia. A reportagem sobre a pesquisa.
    http://en.ria.ru/world/20131211/185427248/Belarusian-Kazakh-Leaders-Most-Trusted-of-Post-Soviet-Leaders-.html

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