sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Para países da Primavera Árabe, é mais difícil sustentar a paz do que a revolução

Na Líbia, as milícias armadas têm preenchido a lacuna deixada por uma revolução que derrubou o ditador do país. Na Síria, uma revolta popular se transformou em uma guerra civil que deixou mais de cem mil mortos e proporcionou um refúgio para extremistas islâmicos. Na Tunísia, as divisões políticas cada vez mais acentuadas atrasaram a elaboração de uma nova constituição.

 E agora no Egito, muitas vezes considerado o lançador de tendências do mundo árabe, as forças do exército e de segurança, após terem derrubado o presidente islâmico eleito, mataram centenas dos partidários do antigo governante, declararam estado de emergência e agravaram a já profunda polarização existente no país.

É claro que o antigo status quo da região, dominada por governantes autoritários que costumavam fraudar as eleições, governavam por decreto e eliminavam os dissidentes, foi fundamentalmente danificado – se não totalmente derrubado – no período de três anos desde o início dos levantes que ganharam a otimista denominação de Primavera Árabe. Isso foi amplamente demonstrado na quarta-feira passada no Egito, onde o retorno às táticas repressivas do passado foi recebido com indignação profunda por manifestantes islâmicos que tinham provado o empoderamento da democracia.

O que não ficou claro, no entanto, é qual modelo substituirá o atual. A maioria das revoltas no mundo árabe se transformou em amargos conflitos, enquanto observamos uma mistura de diversos poderes políticos lutando para decidir as regras de participação no governo, o relacionamento entre os militares e o governo, o papel da religião na vida pública e o que significa ser um cidadão, e não um subordinado.

Os historiadores e analistas que estudam o Oriente Médio dizem que a estagnação política e econômica observada durante décadas de regimes autocráticos que levaram às revoltas também deixou os países árabes mal equipados para constituírem novos governos e uma sociedade civil. Apesar de alguns dos movimentos terem atingido seus objetivos iniciais e destituído os longevos líderes do governo de quatro países da região, seus objetivos mais amplos – a democracia, a dignidade, os direitos humanos, a igualdade social e a segurança econômica – agora parecem mais distantes do que nunca.

"A velha ordem regional se foi, a nova ordem regional está sendo desenhada a sangue, e isso vai levar muito tempo", disse Sarkis Naoum, analista político do jornal libanês An Nahar.

"Todas as pessoas desses países viviam sob uma repressão semelhante, apesar das diferenças entre seus regimes, de modo que os levantes foram contagiosos", disse Naoum. "Mas ninguém na Síria, na Líbia, no Egito e na Tunísia que desejava se livrar dos regimes antigos estava preparado para o que ocorreu em seguida".

De muitas maneiras, a Primavera Árabe revelou e agravou profundas divisões sociais – entre secularistas e islâmicos e entre as diferentes seitas religiosas.

"Pode-se dizer que essa é a polarização política sob o efeito de esteroides", disse Jeffrey Martini, especialista em Oriente Médio da RAND Corp. "Temos aqui os dois lados tentando banir o outro da política".

Na Tunísia, o berço das revoltas, o partido islâmico moderado, que atualmente está no poder, tem se mostrado incapaz de criar um consenso suficientemente amplo para redigir uma nova constituição, e os líderes da oposição foram assassinados. E no reino do Barein, no Golfo Pérsico, a força avassaladora da monarquia sunita que controla o governo não conseguiu silenciar a dissidência da maioria xiita do país.

A exclusão política também tem prejudicado a transição no Egito. Depois de vencer as eleições pós-revolução, Mohammed Mursi, o atual presidente deposto, e seus aliados da Irmandade Muçulmana enfrentaram uma feroz oposição daqueles que os acusavam de perverter a democracia e transformá-la em uma ferramenta para monopolizar o poder.

Em toda a região, os levantes até agora não conseguiram atender às demandas de milhões de cidadãos comuns que haviam reivindicado mudanças – mudanças relacionadas a postos de trabalho, à alimentação, à assistência médica e à dignidade humana básica. A única coisa que parece ter mudado é o fato de que as queixas da população se intensificaram.

"A maioria das economias do Oriente Médio fustigadas pela Primavera Árabe já estava indo na direção errada", disse Joshua M. Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma. A aflição econômica causada pelo inchamento das populações jovens, pelo desemprego, pelo aumento dos preços e pela seca, disse ele, foram tão responsáveis pelos levantes quanto a opressão política.

De muitas maneiras, de acordo com ele, "a Primavera Árabe é o canário no túnel da mina alertando sobre um problema mais amplo – ou seja, países fragmentados, crescimento populacional muito acelerado, sistemas de ensino terríveis, muito pouca água – esses países são os perdedores".

A atual crise deixou muitos ativistas árabes desiludidos com os movimentos nos quais eles investiram um esforço tremendo e, muitas vezes, pelos quais arriscaram suas vidas.

Esse é cada vez mais o caso da Síria, onde uma revolta originalmente pacífica e pró-democracia evoluiu para uma guerra civil, com grupos de rebeldes extremistas que rejeitam a democracia desempenhando um papel cada vez maior nos campos de batalha.

"No começo, o que aconteceu foi uma revolução real – eu estava animado para trabalhar, eu comprei uma arma com o meu próprio dinheiro e vendi terras para comprar munição", disse Soheil Ali, que até recentemente liderava um pequeno grupo de rebeldes no norte da Síria. "Agora a situação está completamente diferente".

Ali abandonou os combates devido à frustração em relação ao que ele chama de corrupção entre os autoproclamados líderes dos rebeldes e à tendência de alguns grupos de estocar armas em vez de lutar para derrubar seu adversário comum, o presidente Bashar Assad.

Historiadores observam que uma mudança política fundamental em qualquer lugar pode levar décadas ou gerações para ocorrer. Por exemplo: a Primavera de Praga, em 1968, pode ter fracassado, mas ela serviu de catalisador para mudanças no Leste Europeu que levaram ao colapso da União Soviética na década de 1990.

As revoluções europeias de 1848, uma série de revoltas populares que constituíram a onda revolucionária mais difundida da história da Europa, afetaram mais de 50 países, mas logo entraram em colapso devido à repressão das forças militares leais às casas reais e às aristocracias. No entanto, essas revoltas plantaram as sementes das ideias políticas progressistas que ajudariam a moldar a história europeia durante os próximos cem anos.

Os historiadores disseram que, considerando-se as autocracias repressivas que governavam os países árabes, as revoltas no Egito e em outras nações da região foram dolorosas, mas inevitáveis.

"Eu não estou descartando essas transições – eu só acho que nós estamos caminhando para um período de extrema agitação", disse Mona Yacoubian, conselheira sênior para o Oriente Médio do Stimson Center, um grupo de pesquisa apartidário de Washington.

Outros observam que essas turbulências muitas vezes obscurecem mudanças sociais sutis, mas profundas. Por exemplo: Ziad al-Ali, especialista constitucional lotado no Cairo, disse que agora se tornou normal os cidadãos dos países que participaram da Primavera Árabe insultarem seus governantes – atitude que seria impensável alguns anos atrás.

"Essa dinâmica de livre expressão, de liberalização política, por meio da qual agora temos vários partidos políticos e pessoas se expressando livremente, isso vai nos conduzir em uma direção positiva no longo prazo", disse ele.

Mohammed al-Sabri, líder da oposição no Iêmen, onde no ano passado protestos destituíram Ali Abdullah Saleh, que estava no poder havia muito tempo, disse que essa sensação geral de empoderamento constituiu o feito mais significativo dos levantes até o momento.

"As elites e os líderes de qualquer sociedade, quer ela esteja passando por um processo revolucionário ou não, podem renunciar e dizer: 'Para mim, chega'", disse ele. "Mas o povo não pode renunciar".

Colaboraram Ben Hubbard, com a redação, e Hwaida Saad, com a reportagem, ambos de Beirute, além de Rick Gladstone, de Nova York.

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