Vamos discutir, à véspera da primeira negociação direta de paz entre israelenses e palestinos em quase três anos, a ideia de um só Estado. Ela paira ali --tanto como sonho quanto como pesadelo-- e é melhor ser sepultada.
Primeiro o sonho: o de que de alguma forma, após todas as guerras e acúmulo de ódio, israelenses e palestinos possam aprender da noite para o dia a conviverem como cidadãos iguais em um Estados Unidos da Terra Santa, um Estado secular democrático e binacional que resolva suas diferenças e assegure o futuro interligado deles.
Oh, que ilusão sedutora (pelo menos para alguns). Vamos deixar de lado por um momento que os exemplos regionais desses Estados multiétnicos --Líbano, Iraque e Síria vêm à mente-- não são encorajadores. Vamos deixar de lado que esse Estado teria dificuldade todo mês de maio em decidir pela comemoração do Dia da Independência para seus cidadãos judeus ou do Dia da Catástrofe para seus cidadãos árabes.
Vamos deixar de lado se as ruas Jabotinsky do país imaginário, tão caras para a brigada do Estado único, se tornariam ruas Arafat, ou vice-versa, e se deveria haver uma Avenida Begin ou um Bulevar Grão-Mufti Al Husseini. Vamos até mesmo deixar de lado o fato de que as duas comunidades principais estariam em constante batalha paralisante, fazendo com que os melhores e mais brilhantes partissem em busca de oportunidade e sanidade.
A questão central é esta: um só Estado, independentemente de como seja concebido, é igual ao fim de Israel como um Estado judeu, o âmago da ideia sionista. Os judeus não podem e nem devem permitir que isso aconteça. Eles aprenderam quão perigoso é viver sem um refúgio certo, como minorias, e não depositarão novamente sua fé na boa vontade dos outros, nem confiarão em uma esperança piegas em vez da experiência amarga.
Esse é o legado indelével da perseguição da diáspora e do Holocausto. Saindo no século 19 do gueto estático para o Sturm und Drang do mundo moderno, os judeus viram duas rotas principais para a emancipação: assimilação e sionismo.
A primeiro era sedutora. Inicialmente ele oferecia avanço rápido, antes de ficar claro o perigo presente nesse mesmo avanço. Foi a aposta na aceitação que os judeus da Europa perderam para Hitler: nenhum cidadão era mais patriota do que o judeu alemão pré-guerra.
O sionismo, por sua vez, não depositava fé na boa vontade dos outros. Em vez disso, ele buscava impelir os judeus à concretização plena de sua nação e assim, de certo modo, normalizá-los --fazê-los se tornarem patriotas de algo que era realmente deles.
O mundo, na forma da ONU, apoiou essa busca em 1947, votando pela divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe. Os exércitos árabes foram à guerra --e o resto é história, incluindo o quase meio século de ocupação da Cisjordânia e o domínio israelense sobre milhões de palestinos marginalizados.
E isso nos traz ao Estado único como um pesadelo, que é o que Israel, uma extraordinária história de sucesso em muitos aspectos, enfrente hoje. A única saída desse pesadelo são dois Estados, um israelense e um Estado palestino viável, contíguo, vivendo em paz e segurança ao seu lado.
Eu me sentei com Yair Lapid, o ministro das Finanças centrista de Israel, filho de um sobrevivente da Hungria ocupada pelos nazistas, neto de um judeu húngaro morto nos campos de concentração, e ele me falou sobre a lição repetida de seu pai: que ele veio e lutou por Israel para que os judeus "sempre tivessem um lugar para onde ir".
Ele disse: "Eu tenho muito respeito pelo ethos do Grande Israel. Eu cresci em um lar que usava essa linguagem. Mas nós entendemos que a longo prazo, se permanecermos aí, será o fim da ideia sionista. Nós não podemos viver em um só Estado. Seria a versão de um só Estado para duas nações, e isso seria o fim do sionismo. Futuramente os palestinos viriam até nós e diriam: Ok, você decidiram que não teremos um país, então nós queremos votar. Se vocês disserem não, vocês serão a África do Sul em seus piores tempos. Se disseram sim, será o fim do país judeu, e eu quero viver em um país judeu".
Lapid argumentou que os absolutistas de toda a terra --o ministro da Economia, Naftali Bennett, e o vice-ministro das Relações Exteriores, Zeev Elkin, entre eles-- estão, em sua rejeição à ideia dos dois Estados, minando a ideia de um Estado judeu a longo prazo e, desse modo, minando a essência do sionismo e a mensagem que moldou a vida de seu pai. Ele está certo.
Lapid emitiu posteriormente uma declaração criticando a decisão de Israel de publicar no domingo licitações para construção de mais de mil moradias na área contestada de Jerusalém Oriental e em vários assentamentos na Cisjordânia. "Espetar varas nas rodas das negociações de paz não é certo", ele disse, "e não ajuda o processo". Ele está certo de novo.
Um único Estado como fantasia delirante de um idílio no Oriente Médio e um único Estado como pesadelo, envolvendo a subjugação israelense por tempo indeterminado de outro povo, são igualmente inaceitáveis.
Como diz o Talmud, quem quer demais acaba ficando sem nada.
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