O principal racha do momento no mundo árabe chegou até Paris no domingo (18). É a briga entre o Qatar, principal padrinho da Irmandade Muçulmana, e a Arábia Saudita, maior aliado dos militares egípcios desde que foi destituído o presidente Mohammed Mursi, no dia 3 de julho.
Enquanto Laurent Fabius recebia seu homólogo do Qatar, na sede do Ministério das Relações Exteriores, François Hollande conversou com o chefe da diplomacia saudita, o príncipe Saoud al-Fayçal. Mas tanto em Paris quanto no Oriente Médio a divergência permanece sem solução entre Doha e Riad. Enquanto o qatari Khaled Ben Mohammed al-Attiya insistia na "libertação dos prisioneiros políticos (Irmandade Muçulmana)", o saudita falou sobre "as violências" causadas pelos manifestantes islamitas.
O golpe de Estado do dia 3 de julho no Egito e, sobretudo, a sangrenta repressão às manifestações pró-Mursi levaram a uma ampla reconfiguração diplomática no Oriente Médio, cujo principal perdedor foi o Qatar, que abrigou, incentivou e financiou os diferentes braços da Irmandade Muçulmana, do Egito até a Tunísia, passando pela Líbia, pelo Hamas na Faixa de Gaza e na Síria, onde a confraria até recentemente dominou as instâncias de representação da oposição.
Criticado de todos os lados por sua agressividade e pela cobertura parcial de sua rede de televisão Al-Jazeera, o Qatar, que até um ano atrás se via como modelo do mundo árabe sunita, está em baixa em todos os lugares. Talvez pressentindo esses reveses, o emir Hamad Ben Khalifa al-Thani passou o bastão para seu filho Tamim, supostamente mais prudente, no dia 25 de junho. Desde então, o Qatar passou a dar seu apoio à confraria secretamente.
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, que se apresenta como um modelo de sucesso do islamismo político no poder, é o outro grande perdedor dos acontecimentos em andamento. Ele mesmo tem enfrentado protestos internos e continua desconfiado do exército, e foi o mais virulento em suas críticas à repressão no Egito, chegando a chamar de volta seu embaixador. O Hamas palestino, que perdeu um aliado de peso, está particularmente isolado hoje. O Sudão, dirigido por uma junta islamita, também deve se alinhar com a ala dos pró-Mursi.
Já a Arábia Saudita, que via na chegada da Irmandade Muçulmana ao poder um sério desafio à sua supremacia no mundo sunita, está comemorando abertamente. Depois de ter sido por muito tempo seu protetor, Riad rompeu com a confraria quando ela tomou partido de Saddam Hussein no momento da invasão do Kuait em 1990. O rei Abdullah levou, na sexta-feira, seu apoio ao povo egípcio em "sua corajosa luta contra o terrorismo". O reino saudita, assim como a Jordânia do rei Abdullah, nunca viu com bons olhos as revoluções árabes nem os processos democráticos em andamento.
O apoio de Damasco
Os dirigentes sauditas, apoiando em todos os lugares possíveis os militares e os salafistas, inimigos e concorrentes da Irmandade Muçulmana, prometeram US$ 5 bilhões ao governo egípcio (12 bilhões no total, com a contribuição dos Emirados Árabes Unidos e do Kuait). Paralelamente, Riad está se apropriando da Coalizão Nacional Síria, a principal plataforma da oposição, em detrimento do Qatar.
Inesperadamente, o regime sírio, inimigo da Arábia Saudita e do Qatar, está exultante em ver o governo egípcio se valendo da mesma retórica que a sua, "antiterrorista" em relação à Irmandade Muçulmana, desde o início da revolta em março de 2011. Acima de tudo, a ruptura tardia das relações diplomáticas com Damasco e o chamado para o jihad contra o regime de Assad lançado por Mohammed Mursi voltaram seus sucessores contra a rebelião síria. A reviravolta egípcia é simbolizada pela virulenta campanha contra os refugiados sírios e palestinos na mídia próxima do governo.
Pela lógica, o Irã, principal padrinho regional da Síria, deveria ficar satisfeito com tal mudança, mas ele reprovou o massacre da mesquita Rabiya al-Adawiya, em nome da solidariedade entre "regimes islâmicos". Mohammed Mursi de fato foi o primeiro dirigente egípcio a ir até Teerã desde 1979.
Por fim, no Magrebe, o partido islamita tunisiano Ennahda, no poder, foi tomado pelo medo de ver o cenário egípcio se repetindo enquanto a crise aberta pelo assassinato do deputado Mohammed Brahmi, no dia 25 de julho, continua. Os islamitas tunisianos aceitaram no domingo à noite um diálogo com seus opositores. Já a Argélia, que havia dado fim a um processo eleitoral vencido pelos islamitas do FIS em janeiro de 1992 às custas de uma década de guerra civil, está contente em ver o Egito dando um basta à Primavera Árabe, comparada com uma onda islamita.
A Líbia, que sofre distúrbios endêmicos, não se posicionou, mas houve um atentado não-reivindicado contra o consulado egípcio de Benghazi no sábado, sem vítimas. Quanto ao Marrocos, ele se encontra dividido entre o palácio, discretamente satisfeito em ver a Irmandade Muçulmana sendo amordaçada, e o governo dirigido pelo Partido Justiça e Desenvolvimento próximo da confraria. No domingo, 10 mil pessoas protestaram em Rabat "contra a repressão do exército" egípcio, por convocação dos islamitas.
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