Era pouco antes da meia-noite na segunda-feira da semana passada, quando três amigos viram um trator se aproximar da beira do parque.
"Nós ficamos na frente dele e chamamos outros, e três pessoas se transformaram nisto", disse Birkan Isin, um advogado de 40 anos, enquanto gesticulava, da janela de um café em um hotel de luxo, para as milhares de pessoas ocupando a Praça Taksim.
A liderança da Turquia está enfrentando sua mais grave crise política em anos e ela começou com alguns poucos amigos, determinados a salvar um parque em Taksim, que inesperadamente inflamaram a frustração da população com o poderoso primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan.
Mas os manifestantes, de muitas formas muito antes da convulsão que tomou o país, representavam um lado de uma linha divisória que cruza toda a sociedade e a política turca. Enquanto o primeiro-ministro e seus partidários são religiosos conservadores, os líderes deste movimento são seculares, esquerdistas, liberais e no caso de Isin, até mesmo um pouco Nova Era.
Na tarde de terça-feira, bebendo água mineral e comendo chocolate no hotel, Isin discorria sobre a natureza e liberdade, às vezes parecendo durante a entrevista falar uma língua diferente da de Erdogan, cuja reação aos manifestantes tem sido de intolerância e desprezo.
Por duas vezes Isin pegou um livro de meditações zen de sua bolsa de couro e leu por um momento para si mesmo. Ele mencionou um possível reinício da civilização com o fim do calendário maia no ano passado e enfatizou que, no início, realmente tratava-se de salvar árvores.
"Nós nascemos nus", disse Isin, filho de um médico, que cresceu em uma família secular de classe média, em uma cidadezinha nos arredores de Istambul. "Nós somos parte da natureza, como as árvores e os animais."
Isin foi um dos ativistas originais que se mobilizaram contra os planos do governo de converter o parque na Praça Taksim em um shopping center projetado como uma réplica de um quartel do exército da era otomana. Ele ajudou a fundar uma associação de nome desajeitado –a Associação de Embelezamento e Proteção do Parque Taksim Gezi– cuja meta é proteger a última parte no centro de Istambul.
Mas ele não contava com a resposta agressiva do governo, empregando batalhões de choque da polícia munidos com gás lacrimogêneo, canhões de água e licença para lutar com os manifestantes na rua.
"Eu sinto que Istambul é minha casa e a Praça Taksim é minha sala de estar", ele disse, lembrando seu ultraje com os planos de modificação da praça. "E minha sensação foi como se alguém tivesse invadido e demolido minha sala de estar."
Na terça-feira, um dia após Erdogan desprezar os manifestantes como sendo extremistas e então partir em uma viagem ao Norte da África, o vice-primeiro-ministro, Bulent Arinc, pediu desculpas pela "violência excessiva" usada pela polícia.
Mas agora o motivo para Isin e os demais ativistas terem se unido deu lugar a uma queixa maior dos cidadãos turcos alienados –a fúria contra a elite governante liderada por Erdogan e seu Partido Justiça e Desenvolvimento de raiz islâmica.
A queixa é de que essa nova elite está invadindo as vidas privadas de outros ao mudarem a paisagem de acordo com sua visão. Taksim não será apenas reformada, diz a queixa, mas sim purgada, deixando de ser uma encruzilhada igualitária.
Enquanto a ocupação da Praça Taksim entra em seu quinto dia, perguntas cruciais permanecem: como tudo acabará e será que os muitos grupos díspares –esquerdistas, ambientalistas, liberais seculares– que seguiram para a praça conseguirão transformar o movimento de protesto em uma força política viável? Até o momento há pouca evidência de que os grupos que ocuparam a Praça Taksim podem se unir em torno de uma visão compartilhada para o futuro ou um líder comum.
"Eu não sei", disse Isin, que acrescentou que os vários líderes do protesto e os líderes políticos da oposição realizaram reuniões nos últimos dias para estudar como prosseguir. "Veremos."
Ele disse: "Nenhum partido na Turquia me representa. Talvez algum nasça disto".
Mas o fato dessa pergunta estar sendo feita e o de Erdogan –cuja popularidade e controle do poder não eram questionados– estar sendo contestado por um setor enfurecido da sociedade, ressalta o abalo dramático na vida política da Turquia na última semana.
Uma mulher sentada em uma cabine montada por um grupo socialista expressou sua meta, dizendo simplesmente: "Nós queremos nos livrar do capitalismo e estabelecer o socialismo".
A alguns passos de distância estavam os seguidores de Deniz Gezmis, um revolucionário marxista turco que foi executado em 1972 e é conhecido como "o Che Guevara turco". Um homem ali, vestindo um colete vermelho, estampado com o contorno do rosto de Gezmis, disse: "Nós queremos um Curdistão socialista. Esse é o motivo para estarmos aqui".
O fato de um agrupamento tão eclético de cidadãos enfurecidos ter usado essa questão para se mobilizarem na contestação ao governo nacional é bastante improvável considerando que o próprio parque, apenas uma área da Praça Taksim maior, nunca foi usado pelos moradores de Istambul como um local especial. Ele era considerado sujo e até perigoso à noite.
"Muita gente dizia que ele não estava sendo usado", disse Isin, que cursou o Galatasaray Lycée, um colégio francês de elite, a uma curta caminhada de Taksim, no centro de Istambul. "Então começamos a realizar eventos."
Nas semanas de ativismo para salvar o parque, antes dos confrontos com a polícia, Isin ajudou a organizar os eventos ali, como flash mobs, concertos de música, apresentações de teatro e exposições de fotos, para gerar interesse pelo espaço.
Uma petição reuniu 120 mil assinaturas em uma cidade de quase 14 milhões.
"Infelizmente, não são muitas assinaturas, mas muito mais pessoas compareceram, como você pode ver", disse Isin.
O primeiro confronto na semana passada, entre o trator e Isin e seus amigos, foi seguido pela ocupação do parque por centenas de ativistas de mentalidade semelhante, até que forças policiais investiram contra os manifestantes com gás lacrimogêneo no amanhecer de sexta-feira.
Naquele mesmo dia, os ativistas se reuniram em uma área diferente da Praça Taksim e, enquanto a maioria realizava um protesto sentado, eles foram atacados com canhões de água e gás lacrimogêneo, de modo que a repressão policial –mais do que a questão da destruição potencial do parque– é o que provocou dias de protestos de rua violentos em Istambul e por todo o país, que prosseguem até hoje.
Mas a própria Praça Taksim foi deixada em paz pela polícia e adquiriu uma atmosfera de carnaval, com multidões crescendo ao final do expediente de trabalho e das aulas.
Faixas coloridas –vermelhas e amarelas, azuis e brancas– dos grupos socialistas tremulam nas fachadas dos prédios. Ambulantes vendem pedaços de melancia e bolinhos de carne turcos grelhados. No gramado, alguns grupos de jovens cochilam, outros jogam cartas. A área das mesas ao ar livre do café Starbucks à beira da praça foi transformada em um posto de primeiros socorros, e pessoas ali distribuem pastéis recheados de espinafre.
E por toda parte há detritos do vandalismo, e quase todo mundo, ao que parece, para e tira fotos das carcaças das viaturas policiais destruídas, cobertas de grafite, como se fossem instalações de arte moderna.
Os manifestantes tomaram a praça há apenas poucos dias, mas Isin e seus companheiros ativistas já sentem a necessidade de relações públicas.
Enquanto um fotógrafo tirava fotos, um dos amigos ativistas de Isin, Mustafa Uysal, 32 anos, que trabalha em marketing digital, insistia para que nenhuma faixa de grupos políticos aparecesse ao fundo.
"Eles queriam salvar as árvores e lutaram três dias por isso, e então os partidos vieram", ele disse. "Isso não é certo."
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