segunda-feira, 20 de maio de 2013
François Hollande completa um ano de solidão no Eliseu
Em um saudável exercício de transparência, François Hollande aceitou, três semanas antes de ganhar as eleições, há um ano, que uma equipe cinematográfica filmasse, sem outras barreiras além das impostas pela segurança nacional, os primeiros meses de sua presidência no Palácio do Eliseu.
O resultado é o documentário intitulado "Le Pouvoir" (O poder), que estreou na quarta-feira (15) em 15 cidades francesas. É considerado um retrato fiel, cinzento, monótono, às vezes engraçado e outras angustiante, dos bastidores de um poder de outro tempo, submetido a um cenário e ritos de estirpe napoleônica e exercido por um homem incapaz de levantar a voz, sempre discreto e sereno, a antítese de Nicolas Sarkozy ou de Napoleão.
Dirigido por Patrick Rotman, roteirista de "La Conquête" (A conquista), a ficção que contou a ascensão ao poder de Sarkozy, e pelo jornalista Pierre Favier, "Le Pouvoir" narra os primeiros nove meses de presidência "normal": começa em 15 de maio, com a transferência de poderes e a saída de Sarkozy e Carla Bruni do palácio, e acaba em janeiro deste ano, quando a crise econômica se agrava e a popularidade de Hollande despenca a níveis nunca vistos.
Hollande e o Palácio do Eliseu - onde ele trabalha, mas não mora - ocupam os 110 minutos do documentário. O "château" e o soberano laico parecem jogar uma partida de xadrez desigual. O líder socialista aparece no início relaxado, amável e brincalhão: um presidente que dialoga, nada autoritário, pedagógico e com capacidade de liderança, e muito mais amante dos papéis - que abarrotam sua mesa - e da caneta - revê pessoalmente todos os discursos que pronuncia - que dos computadores. Mas, conforme o documentário avança, temos a sensação de que o palácio impõe sua lei e transforma Hollande em uma espécie de prisioneiro, em um presidente de passagem, cada vez mais isolado do exterior e mais limitado a uma equipe reduzida de tecnocratas que não ousa responder a seus comentários.
A câmera de Romain Winding, prêmio César de melhor fotografia por "Adeus, Minha Rainha", está quase sempre dentro do gabinete de Hollande, o que aumenta a impressão de solidão. O presidente recebe o primeiro-ministro e os titulares de Relações Exteriores ou Economia, aperta dia após dia as mãos de camareiros, escoltas e auxiliares; esforça-se para exercer o poder em voz baixa e prefere propor a impor. Mas ninguém, nem sequer seus amigos mais próximos, se permite uma licença. Todos o chamam de "senhor presidente". O próprio Hollande, cuja voz em "off" é ouvida em alguns fragmentos, lembra que quando chegou ao Eliseu em 1981, para trabalhar como assessor de Jacques Attali, teve "a sensação de que o tempo havia parado".
A marcação dos autores do documentário é dura sem ser exaustiva: veem-se diversas reuniões e ouvem-se algumas conversas, mas quando se entra de verdade no assunto a câmera retrocede e os porteiros fecham as portas (que são duplas para que não se escute nada).
Embora Hollande anime seus colaboradores, quase todos diplomados pela Escola Nacional de Administração, a não se encerrar no palácio, as imagens são quase sempre um retrato de interior antigo, com arandelas, mármores, dourados, cortinas, tapetes e alguma televisão de plasma. Há também um par de viagens, a Nova York no avião presidencial e a Bruxelas no trem normal. Mas estas não atenuam, pelo contrário, a sensação de que o chefe de Estado vive em uma bolha.
Apesar do privilégio da proximidade, Rotman escolheu a frieza como método de trabalho: são muitos planos longos com a câmera fixa para mostrar o personagem central - a decoração -, e muitos primeiros planos nos rostos do presidente e dos secundários. "A encenação reflete a sensação estranha que se tem no Eliseu", explicou. "O contraste entre esse lugar que parece imutável, fora do tempo, com seus rituais antiquados, e a intensidade do que se decide: o eterno e o imediato, a história e a atualidade."
Hollande, seus 41 assessores e seus cônjuges viram o filme na terça-feira (14) no Eliseu. Segundo conta "Le Monde", o presidente estranhou que os diretores ficassem fascinados pela entrada e saída de carros no pátio de pedras do palácio. Seus ajudantes, por sua vez, estão incomodados: "Parecemos uns assessorzinhos totalmente inúteis", disse um deles.
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