segunda-feira, 8 de abril de 2013

Aos 95 anos, mulher que provava comida de Hitler relata experiência

Margot Wolk

Cada refeição poderia ter sido sua última, mas a mulher que provava a comida de Hitler, Margot Wolk, viveu para contar sua história. Forçada a provar as refeições do líder nazista por mais de dois anos, a mulher de 95 anos de idade conta à Spiegel Online que vivia com um medo constante.

Podia ser algo tão simples quanto uma porção de aspargos brancos. Descascados, cozidos no vapor e servidos com um molho delicioso, como os alemães costumam preparar. E com manteiga de verdade, uma escassez em tempos de guerra. Enquanto o resto do país lutava para conseguir até mesmo café, ou tinha que passar margarina com farinha diluída no pão, Margot Wolk poderia desfrutado do caro prato de aspargos – se não fosse pelo medo de morrer. Wölk foi uma das 15 jovens obrigadas a provar a comida do líder nazista Adolf Hitler por cerca de dois anos e meio, durante a 2ª Guerra Mundial.

A secretária de 24 anos de idade tinha fugido do apartamento de seus pais na Berlim bombardeada no inverno de 1941, viajando para a casa de sua sogra no vilarejo de Gross-Partsch, na Prússia Oriental, hoje Parcz, na Polônia. Era uma paisagem verde e idílica e ela vivia em uma casa com um grande jardim. Mas a menos de três quilômetros ficava o local que Hitler havia escolhido para seu quartel-general da Frente Oriental – a Toca do Lobo.

"O prefeito da pequena vila era um antigo nazista", diz Wolk. "Eu mal havia chegado quando a SS apareceu na porta e ordenou: 'Venha conosco!'"

Sentada à mesa do mesmo apartamento, na região de Schmargendorf em Berlim, onde nasceu há 95 anos, ela come com cuidado pequenos pedaços de torta com um garfo de prata. "Deliciosa", diz ela. Wolk aprendeu a saborear a comida novamente, mas não foi fácil.

Os homens de Hitler levaram-na junto com outras jovens para o quartel em Krausendorf, nas proximidades, onde cozinheiros preparavam a comida para a Toca do Lobo num prédio de dois andares. Os empregados enchiam pratos com legumes, molhos, macarrão e frutas exóticas, colocando-os numa sala com uma grande mesa de madeira, onde a comida tinha de ser provada. "Não havia nenhuma carne porque Hitler era vegetariano", lembra-se Wolk. "A comida era boa – muito boa. Mas não conseguíamos desfrutar."

Presas na Toca do Lobo
Havia rumores de que os Aliados tinham planos para envenenar Hitler. Depois que as mulheres confirmavam que a comida estava segura, membros da SS levavam-na para o quartel-general em caixas. Todas as manhãs, às 8h, Wolk era tirada da cama pela SS, que gritava "Margot, acorde!" debaixo de sua janela. Ela só era necessária quando Hitler estava na Toca do Lobo, embora ela nunca o tenha visto.

Assim, um jovem que se recusou a entrar para a Liga das Meninas Alemãs (BDM), a versão feminina da Juventude de Hitler, e cujo pai havia partido por se recusar a se juntar ao partido nazista, tornou-se ajudante de Hitler. Todos os dias, sua vida estava em jogo por um homem que ela desprezava profundamente.

Fugir, no entanto, não era uma opção. Bombas dos aliados haviam danificado seu apartamento em Schmargendorf, que ficou com água na altura do joelho. Seu marido Karl estava na guerra, e como ela não havia recebido notícias dele havia dois anos, assumira que ele estava morto. "Para onde eu deveria ir?", pergunta ela. Pelo menos em Gross-Partsch ela tinha sua sogra e sua própria cama.

Então chegou o dia 20 de julho de 1944. Alguns soldados haviam convidado as mulheres do local para a exibição de um filme numa tenda perto do quartel, quando a bomba do coronel Claus von Stauffenberg explodiu. "A explosão nos arrancou dos bancos de madeira", conta Wölk. Então, alguém gritou: "Hitler está morto!" Mas o plano de assassinato falhou. "Ele saiu com alguns arranhões", disse Wolk secamente.

Depois disso, os nazistas reforçaram a segurança em torno da Toca do Lobo, e as provadoras não podiam mais morar em suas casas. Em vez disso, eles foram alojadas numa escola vazia nas proximidades. "Nós éramos presas como animais enjaulados", diz Wölk.

Fuga para Berlim
Então, uma noite, um oficial da SS usou uma escada para chegar até o quarto onde ela estava dormindo e a estuprou. Ela diz que permaneceu em silêncio durante o ataque. "Aquele velho porco", disse Wölk, que afirmou nunca ter se sentido tão impotente. "Na manhã seguinte, a escada ainda estava encostada na frente do prédio." Ela continua calma e pragmática, dizendo que é importante para ela que sua história seja vista com seriedade.

Quando o exército soviético estava a apenas alguns quilômetros de distância de chegar à Toca do Lobo, um tenente a puxou de lado e disse: "Vá, saia daqui!" Ele a colocou num trem para Berlim, e isso salvou sua vida. Após a guerra ela o encontrou novamente lá, e ele a contou que todas as outras provadoras de alimentos haviam sido mortas a tiros por soldados soviéticos.

Sua vida foi salva pela segunda vez por um médico de Berlim, que a acolheu depois que ela fugiu da Toca do Lobo. Quando os soldados da SS apareceram em seu consultório buscando pela fugitiva, ele mentiu e eles foram embora.

Quando ela voltou para Schmargendorf, no entanto, caiu nas mãos do exército soviético. Durante duas semanas, eles a estupraram repetidamente, causando ferimentos tão brutais que ela nunca foi capaz de ter filhos. Ela faz uma pausa diante da memória dolorosa. "Eu estava tão desesperada", sussurra a mulher de 95 anos de idade. "Eu não queria mais viver."

Um truque de sobrevivência
Só depois de se reencontrar com seu marido Karl em 1946 ela voltou a ter esperança, diz Wölk. Ele estava marcado pelos anos de guerra e prisão, mas ela cuidou dele até que recuperasse a saúde, e o casal passou mais 34 anos juntos e felizes.

Wölk sorri quando pensa em seu marido. Depois de todas as suas experiências, ela não é uma mulher amarga. Muito pelo contrário, na verdade. Ela está vestida com um suéter azul e um colar de contas de madeira. Ela também passou maquiagem, ou "pintou a si mesma", como ela diz. Apesar do passado, ela diz que sempre tentou ser feliz. "Eu não perdi meu humor", diz ela. "Embora ele tenha ficado mais sarcástico."

Em vez disso, ela decidiu não levar tudo muito a sério. "Esse sempre foi o meu truque para a sobrevivência", diz ela.

Mas, por um longo tempo, Wölk não queria nem pensar sobre o que havia acontecido em Gross-Partsch, muito menos discutir o assunto. Entretanto, muitas vezes a experiência voltava em sonhos. Só neste inverno, quando um jornalista local a visitou por conta de seu aniversário de 95 anos e começou a fazer perguntas, que ela falou sobre o que considera os piores anos de sua vida. Nesse momento, ela de repente decidiu quebrar seu silêncio. "Eu só queria dizer que o que aconteceu lá", diz ela. "Que Hitler era um homem realmente repugnante. E um porco."

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