segunda-feira, 18 de março de 2013

Posição da Irmandade Muçulmana sobre as mulheres gera temor entre liberais

Mulheres egípcias protestam por mais direitos durante o Dia Internacional da Mulher

Durante as décadas em que foi um movimento islâmico subterrâneo, a Irmandade Muçulmana sempre pregou que o Islã exigia que as mulheres obedecessem a seus maridos em tudo.

"Uma mulher precisa estar confinada dentro de uma estrutura controlada pelo homem da casa", disse Osama Yehia Abu Salama, um especialista em família da Irmandade, sobre a abordagem geral do grupo, durante um seminário recente de treinamento de mulheres para se tornarem conselheiras matrimoniais.

Mesmo que uma mulher seja agredida por seu marido, "mostre que ela teve um papel no que aconteceu", aconselhou. "Se ele for culpado", acrescentou, "ela compartilha 30% ou 40% da culpa."

Agora, com um líder do braço político da Irmandade no palácio presidencial do Egito e seus membros dominando o Parlamento, alguns pontos de vista profundamente patriarcais que a organização há muito tempo ensina a seus membros estão vindo à tona diante do público.

As declarações estridentes da Irmandade estão reforçando os temores de muitos liberais egípcios sobre as consequências potenciais da ascensão do grupo ao poder e criando mais constrangimento para o presidente Mohammed Mursi, que se apresenta como um novo tipo de muçulmano, moderado e amigo do Ocidente.

Em um comunicado na quarta-feira (13) sobre uma proposta de declaração da ONU para condenar a violência contra as mulheres, a Irmandade publicou uma lista de objeções, que explicitou formalmente os seus pontos de vista sobre as mulheres pela primeira vez desde que chegou ao poder.

Nesse documento, a Irmandade afirma que as mulheres não devem ter o direito de apresentar queixas legais contra os seus maridos por estupro e que os maridos não devem ser submetidos às punições previstas pelo estupro de uma desconhecida.

Um marido deve ter "tutela" sobre sua esposa, e não uma "parceria" de igualdade com ela, declarou o grupo. As filhas não devem ter os mesmos direitos de herança que os filhos. Tampouco a lei deve cancelar "a necessidade de consentimento do marido em assuntos como trabalho, viagens ou uso de contraceptivos" --uma reforma sobre a família que foi promulgada durante o governo do ex-presidente Hosni Mubarak e creditada à sua mulher, Suzanne.

A declaração parece refletir sob muitos aspectos a doutrina de longa data da Irmandade, ainda discutida em aulas como a de Abu Salama e em fóruns de grupos de mulheres. Feministas disseram que a declaração também pode refletir a opinião da maioria das mulheres na cultura conservadora e tradicionalista do Egito.

Em uma entrevista na quinta-feira, Pakinam El-Sharkawy, conselheira política e representante do Egito na comissão da ONU na semana passada, buscou distanciar o governo Mursi da declaração da Irmandade.

A Irmandade, enfatizou ela, não fala pelo presidente --ele se retirou, mas continua sendo um membro do partido político da instituição.
"Será que qualquer declaração feita por qualquer partido político ou grupo representa a presidência?", perguntou. "Não é instituição da Presidência, e não é uma entidade oficial."

O governo egípcio, disse ela, "está trabalhando com todos os seus poderes e políticas para impedir todas as formas de violência contra as mulheres".

O governo contestou a declaração da ONU condenando a violência contra as mulheres, segundo ela, somente nas questões que dizem respeito a descrever as restrições ao aborto como um ato de violência contra as mulheres. Isso ofende as normas culturais em muitos países árabes e africanos, disse ela.

Questionada sobre a aparente tentativa da declaração de evitar que o estupro conjugal possa se tornar judicialmente ilegal, Sharkawy descartou a questão como uma preocupação estrangeira irrelevante.

"Estupro conjugal? Por acaso é um grande problema para nós?", disse, sugerindo que isso poderia ser um fenômeno ocidental, enquanto o assédio sexual nas ruas é uma preocupação muito maior no Egito.

"Devemos importar as suas preocupações e problemas e adotá-los como nossos?", perguntou. "Estamos falando de coisas que não têm um consenso amplo, como o aborto. Nós não podemos dar às mulheres a liberdade de abortar quando quiserem."

Não escolha temas que não são prementes no Egito "e depois venha me dizer que estou em conflito com a comunidade internacional", continuou.

Algumas feministas egípcias, porém, disseram que a declaração prova suas advertências de que a Irmandade pode levar o Egito numa direção mais conservadora e patriarcal.

"Eles não acreditam que, quando a violência doméstica está presente, as mulheres devem recorrer à Justiça ou ao processo legal", disse Ghada Shahbandar, da Organização Egípcia para os Direitos Humanos. "Isso deve ficar dentro de casa, sob a proteção da família --é o que eles reivindicam. E não existe tal coisa como estupro conjugal porque o marido tem o direito de ter relações sexuais com sua mulher sempre que quiser."

"Essa é a primeira vez que ouvimos eles dizerem isso publicamente no cenário mundial", disse ela, "mas essa tem sido sua retórica há séculos".

Em seu seminário para futuras conselheiras matrimoniais islâmicas, Abu Salama justificou a abordagem do grupo em relação ao casamento explicando que o Islã também exige que os maridos sejam compassivos, da mesma forma que exige que as mulheres sejam obedientes.

Citando a lei de Mohamed de que um homem "não deve cair sobre a sua mulher como um animal", um livro didático do curso de Abu Salama diz que o Islã instrui os homens a realizarem preliminares antes do sexo e buscar a satisfação da parceira.

Quanto à herança, acadêmicos islâmicos têm argumentado que um filho deve ter uma parcela maior, mas também a obrigação de cuidar do bem-estar financeiro de uma irmã.

Mas Abu Salam também argumentou que os maridos devem manter suas esposas sob rígido controle.

"É da natureza do fraco ir além da estrutura necessária se recebe o espaço e a liberdade, como as crianças", disse ele no seminário.
A maioria das mulheres concordou, assentindo com a cabeça.

Fechando sua declaração, a Irmandade pareceu ir ainda mais longe. As cláusulas discutidas são "ferramentas destrutivas destinadas a minar a família como uma instituição importante", conclui a declaração, e "arrastará a sociedade de volta à ignorância pré-islâmica".

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