segunda-feira, 18 de março de 2013

Oposição a Mursi faz Exército do Egito se voltar para o jogo político

Mohamed Mursi

A cena ocorreu no sábado (9) em Port-Said, na praça dos Mártires, palco de sangrentos confrontos naquela semana entre manifestantes e a polícia. Na noite da véspera, sob ordens do governo, a polícia evacuou a cidade portuária cuja segurança foi confiada ao exército. Sem o alvo número um de sua ira, os manifestantes que corriam para a praça pareciam desamparados. Deveriam eles continuar a sitiar a delegacia central, correndo o risco de entrar em conflito com os soldados que agora os protegiam?

Aproveitando a hesitação, um oficial se misturou à multidão. Ele apertou mãos, acariciou o rosto de uma criança, beijou a testa de uma senhora e, ao mesmo tempo em que fazia gestos de carinho, insistia em uma mensagem de apaziguamento: "Entendo a dificuldade de vocês, mas vocês precisam voltar para casa e ao trabalho, senão a mídia acabará os mostrando como baltageya (vândalos)".

"Mas por que o exército não foi às ruas já no primeiro dia de conflitos?", perguntou um jovem. "Precisávamos esperar pelas ordens, do contrário nos acusariam de tomar o poder", respondeu o oficial, antes de repetir: "Voltem para suas casas, o exército está aqui, vocês estão seguros".

Mensagem recebida. Desde sábado, a paz reina em Port-Said. A intervenção do exército deu fim a um mês e meio de tumultos que fizeram mais de 40 mortos, além de um movimento de desobediência civil que ameaçava paralisar o tráfego marítimo ao longo do Canal de Suez. Os problemas começaram no final de janeiro, depois que foram condenados à morte 21 torcedores do clube de futebol local, o Al-Masry, considerados responsáveis pelos tumultos que custaram a vida de 73 fãs da equipe cairota de Ahly, em fevereiro de 2012, no estádio de Port-Said. Um veredicto considerado injusto pela população.

Ninguém sabe dizer quando o exército devolverá a segurança da cidade à polícia. Mas sua intervenção, a primeira do gênero desde a revolução, já marcou um ponto de virada. Vaiados pelo povo durante o breve período no qual governaram o país (fevereiro de 2011 a junho de 2012), afastados pelo presidente Mohamed Mursi que havia negociado sua obediência em troca da preservação de suas vantagens financeiras, os generais estão voltando para o jogo político. Ainda que o neguem, os crescentes protestos que visam o chefe de Estado, expressos em repetidos tumultos, não somente no Cairo e em Port-Said, mas também em cidades do Delta, os levaram a se envolver de forma sutil.

Assim, no domingo (3), soldados a postos nas proximidades de uma zona de confrontos entre manifestantes e a polícia foram pegos por tiros e responderam com balas de verdade, matando dois policiais. Imediatamente sufocado pelas autoridades, tanto civis quanto militars, esse incidente foi confirmado pelos investigadores da Egyptian Initiative for Personal Rights (EIPR), uma organização de defesa dos direitos humanos.

Houve outra dissonância, menos dramática, mas ainda assim reveladora: no início da semana, o exército manifestou à imprensa sua oposição a uma decisão do procurador-geral que autoriza cidadãos comuns a deter na rua indivíduos que estejam cometendo atos de vandalismo. Citada pelo site de notícias "Ahram Online", uma fonte militar afirmou que tal iniciativa poderia abrir caminho para a criação de milícias privadas e que ela "passava dos limites".

Esse processo está sendo examinado de perto pela imprensa local, que tenta interpretar, de uma forma ou de outra, qualquer declaração dada pelo chefe do estado-maior, Abdel Fattah al-Sissi. Este declarou recentemente, em tom enigmático, que "as forças armadas são a esperança do Egito e sua fortaleza".

Por mais arriscada que ela seja, a emancipação do exército também é encorajada por parte da oposição, que quer fazer da instituição militar o juiz de paz de seu conflito com o presidente Mursi, ou até uma aliada nas quedas de braço contra ele. "O exército retomou seu lugar à mesa", diz Abdel Bakry, membro do partido nasseriano Karameh, em Port-Said. "É preciso cuidar para que ele não coma todo o bolo. Mas nada proíbe que ele seja usado para impedir que a Irmandade Muçulmana também não coma todo o bolo".

Na cidade do Canal, um bom número de habitantes se exprimem de maneira ainda mais direta. No final de fevereiro, uma petição informal fazendo um apelo aberto por um golpe de Estado militar havia coletado milhares de assinaturas, devido a uma rejeição à classe política tradicional, singularmente ausente durante confrontos letais com a polícia. "Os militares devem retomar o poder da Irmandade Muçulmana, que já errou o suficiente," garante Mohsen Youssef, um taxista.

"Não há alternativa. Os partidos políticos só trabalham por interesse próprio. Somente o exército se interessa pelo povo". "Precisamos da disciplina militar agora, não podemos nos permitir esperar que Mursi saia após seu mandato daqui a quatro anos", acredita Amr Othman, gerente de um café.

Reação visceral ao caos semeado pela polícia, a tentação do golpe também é produto da forte corrente nasseriana que existe em Port-Said. No primeiro turno da eleição presidencial, foi o candidato desse movimento, Hamdeen Sabbahi, nostálgico assumido do general Gamal Abdal Nasser, que chegou em primeiro lugar. Essa posição, no entanto, está longe de ser unanimidade na cidade. "Nós sofremos mais de cinquenta anos com os militares", avisa Abou Hommos, um contador juramentado, referindo-se aos sucessores de Nasser – Sadat e Mubarak – que também eram generais. "Não podemos deixar que eles voltem".

Karim Ennarah, diretor da EIPR e exímio conhecedor do mapa político egípcio, não acredita no cenário de um golpe de Estado. "O exército teria muito a perder", ele explica. "Seus dezoito meses dirigindo o país já lhe custaram muito. Seu interesse consiste em preservar os privilégios econômicos que Mursi lhes concedeu e, portanto, em preservar o statu quo".

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