quarta-feira, 27 de março de 2013

"Eu salvei o país", diz Amadou Sanogo, líder do golpe no Mali

Amadou Sanogo

Muitos acreditam que o líder de fato do Mali, Amadou Sanogo, empurrou o país para uma crise profunda quando armou um golpe de Estado há um ano. Mas não é assim que ele vê a coisa. Em uma entrevista a "Der Spiegel", ele diz que ajudou o regime velho e doente a morrer, propiciando um novo começo.

O capitão Amadou Sanogo, 40, diz que é apenas um simples soldado. Mas, extraoficialmente, é o homem-forte do Mali desde que liderou um golpe no final de março do ano passado, derrubando o governo do presidente Amadou Toumani Touré. Sanogo suspendeu a Constituição e, então, colocou o poder nas mãos de um governo de transição, reagindo à pressão internacional, mas permanece o líder de fato do Mali.

Nas semanas que se seguiram, os islâmicos tomaram o norte do Mali. Agora o país antes instável, mas democrático, corre o risco de se tornar a próxima Somália. Apesar dos problemas que se seguiram ao golpe, Sanogo diz que salvou o país.

Der Spiegel: O senhor lamenta mergulhar seu país no caos com o golpe que armou há um ano?
Amadou Sanogo: O que você está dizendo? Eu salvei o país! Estávamos à beira da ruína na época.

Der Spiegel: Mas foi só depois que o senhor assumiu o poder que os islâmicos estabeleceram o reino do terror no norte e introduziram a lei xariá. Não era esse seu objetivo, era?
Sanogo: O exército do Mali já tinha sido derrotado por combatentes rebeldes tuaregues antes, e foi por isso que eu intervim. Esse exército é um desastre, totalmente patético. Não tem equipamento, é mal treinado e corrupto. Temos oficiais sem qualquer escolaridade. Um soldado comum ferido pode morrer na rua sem que ninguém o ajude, enquanto o filho de um general é levado de avião para a Alemanha e tratado em um hospital de primeira classe por causa de uma simples dor de cabeça.

Der Spiegel: O senhor mesmo foi treinado nos EUA.
Sanogo: Eu frequentei uma escola de infantaria, concluí vários cursos militares e trabalhei como intérprete. Os EUA são um grande país com um exército fantástico. Eu tentei colocar todas as coisas que aprendi lá em prática aqui.

Der Spiegel: Como o seu golpe se encaixa nisso?
Sanogo: "Golpe" não é uma palavra bonita. Eu prefiro dizer que efetuei uma operação médica necessária. O ex-presidente Touré não reconhecia que o país estava doente e precisava ser curado. Mas um paciente que se recusa a tomar o remédio morrerá. E foi o que aconteceu no Mali. O antigo regime estava doente e agora está morto. Eu o ajudei a morrer mais rapidamente para possibilitar um novo começo.

Der Spiegel: Qual era a doença?
Sanogo: Touré não era um democrata. Já estava claro antes das eleições de que ele seria o presidente e ele fraudou a eleição. Onde se faz esse tipo de coisa? Por isso eu o derrubei e indiquei um presidente de transição. Agora estamos esperando eleições realmente democráticas.

Der Spiegel: Isso não é exatamente verdade. Apesar de o comparecimento dos eleitores ter sido baixo, observadores concluíram que foi uma eleição justa. Mas, por favor, diga-nos isso: como exatamente funciona um golpe?
Sanogo: Não vou lhe dizer isso. Talvez eu fale a respeito mais tarde, mas tudo o que posso dizer agora é que cada golpe é diferente. Não há uma fórmula exata.

Der Spiegel: Ainda assim, o senhor não conseguiu libertar o norte dos islâmicos. Por esse motivo, tropas francesas estão no país nos últimos dois meses e meio, e agora militares alemães também vão treinar soldados do Mali.
Sanogo: Os franceses são bem-vindos, assim como os alemães.

Der Spiegel: Essa não foi sempre sua posição.
Sanogo: Você não deve acreditar na mídia. Estou satisfeito com os soldados estrangeiros e não me incomoda que eles sejam da antiga potência colonial. O principal é que os islâmicos se foram. Nós nunca teríamos conseguido fazer isso sozinhos.

Der Spiegel: Qual é o perigo dos islâmicos para o Mali e toda a região?
Sanogo: Eles são extremamente perigosos. Esses sujeitos vieram de todo tipo de país para estabelecer uma base aqui. Eles queriam usar o Mali para calmamente preparar ataques contra a Europa. É por isso que a luta contra o terrorismo é uma questão internacional, não apenas um problema do Mali.

Der Spiegel: Os islâmicos se retiraram das cidades para o deserto. Quanto tempo vai durar a luta?
Sanogo: O conflito está longe de terminar, e é por isso que as tropas estrangeiras devem continuar no país. Se elas partirem, tudo recomeçará. Nosso exército não é capaz de controlar essa área imensa sem ajuda. E as tropas da Comunidade Econômica de Países da África Ocidental (Ecowas) não podem fazer isso sozinhas.

Der Spiegel: O norte tem sido um local problemático há décadas.
Sanogo: É verdade que os tuaregues estão constantemente em rebelião. Eles o fizeram nos anos 60, em 1990 e em 2007. Mas, desta vez, uma nova forma de terrorismo foi adicionada à mistura. Os islâmicos tinham armas e muito dinheiro. Essas duas coisas quase certamente não vêm do Mali, mas do exterior. Estamos preocupados que haja células em hibernação que se retiraram para países como Níger e estejam apenas esperando para atacar de novo.

Der Spiegel: O senhor vê diferenças entre os tuaregues e os terroristas?
Sanogo: Se um tuaregue entra para um grupo islâmico, ele é um terrorista. É muito simples.

Der Spiegel: Um novo presidente deverá ser eleito em julho. O senhor aceitará o vencedor ou poderá haver outro golpe?
Sanogo: Se as eleições forem realizadas corretamente, não vou interferir.

Der Spiegel: O senhor não vai disputar o cargo?
Sanogo: Não tenho ambições políticas e não vou concorrer. Mas, se o fizesse, teria uma boa probabilidade de ganhar, porque sou muito popular com o povo.

Der Spiegel: Senhor Sanogo, obrigado pela entrevista.

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