quarta-feira, 27 de março de 2013
Comunidade em crise: conflitos amargos dividem judeus de Berlim
Em meio a acusações de desperdício, nepotismo e campanhas de difamação, antigos membros da comunidade judaica de Berlim estão em conflito declarado com os que chegaram há menos tempo do exterior. Graves dificuldades financeiras estão no centro de seus problemas.
Os membros do parlamento da Comunidade Judaica de Berlim se reuniram sob a cúpula dourada de sua sinagoga, na Oranienburger Strasse, onde o clima é festivo. Mas o que se desenrola lá dentro não é nada alegre.
O presidente da comunidade, Gideon Joffe, 40, está de pé no centro, agindo como um promotor. "O déficit orçamentário da congregação em 2011 não foi de 3,5 milhões de euros, mas de 5 milhões de euros." Seus antecessores, segundo Joffe, parecem ter mexido nos números do relatório anual, exagerando o valor dos imóveis de propriedade da comunidade. Um observador, falando com sotaque russo, sussurrou : "Este é um caso para o promotor público".
Afinal, o parlamento da Comunidade Judaica decide nomear um comitê para investigar os negócios imobiliários feitos pelo conselho anterior.
Os conflitos estão aquecidos e emocionalmente carregados na maior comunidade judaica da Alemanha, que tem cerca de 10.200 membros. Os imigrantes russos mais jovens estão em choque com os berlinenses ocidentais estabelecidos há mais tempo, muitos deles em idade de se aposentar. Há mais de um ano o presidente do parlamento da comunidade é um imigrante. Agora três representantes daqueles que foram eliminados na votação estão recolhendo assinaturas para novas eleições, visando substituir o presidente Joffe, que é de uma família lituana.
Os conflitos giram em torno de poder e orgulho ferido, intrigas, empregos e benesses, assim como negócios obscuros. E como a comunidade sabidamente paga a seus funcionários pensões elevadas há vários anos, hoje ela deve à cidade-Estado de Berlim cerca de 9 milhões de euros. No final do ano passado, o Senado de Berlim se sentiu obrigado a emitir uma "ordem de recuperação" e a reter 100 mil euros dos subsídios mensais destinados à comunidade, uma novidade na política de Berlim.
Acordos empresariais discutíveis
Até então, as constantes disputas na comunidade judaica se desenrolaram internamente, mas agora Joffe está sendo chamado em público de "ditador", "populista" e - em uma referência ao ex-líder chinês Mao Tsetung - de "o Grande Líder". Os antigos membros da comunidade criaram um blog para sua campanha chamado "Vigilância Comunitária".
Michael Rosenzweig, 28, presidente do parlamento da comunidade e um defensor de Joffe, está revidando no jornal da comunidade, "Jüdisches Berlin". Ele escreve que os promotores da campanha de assinaturas na verdade realizam uma "campanha de difamação", que "incita a uma comparação com o mundo dos macacos".
"Ela é uma fera", diz um sobrevivente do Holocausto da facção de Berlim Ocidental, referindo-se à enviada da comunidade indicada pelo novo presidente. "A última vez que encontrei tal indivíduo foi no campo - como guarda." Joffe, por sua vez, refere-se a seus adversários como "perdedores decepcionados com a eleição, que estão forçando os limites da liberdade de expressão".
A atual disputa começou em 2007. Na época, os antigos membros da comunidade ganharam 13 dos 21 assentos do parlamento e indicaram como presidente Lala Süsskind. Mulher de um empreiteiro imobiliário em Berlim Ocidental, ela causou impressão no público como líder competente.
Em sua campanha, prometeu combater "o desperdício". Em vez disso, seu conselho rapidamente alugou 14 novos veículos oficiais, incluindo um Audi Q5 e vários Audi A3 Sportback. Os custos com veículos da comunidade aumentaram de cerca de 70 mil euros em 2007 para mais de 200 mil em 2011.
Mas essa é uma soma modesta comparada com a quantia envolvida em negócios imobiliários. Em novembro de 2008, a comunidade vendeu um prédio de apartamentos com cerca de 2.600 m2 de espaço de aluguel no bairro de Schöneberg em Berlim por apenas 565 mil euros. Um ano e meio depois, o conselho vendeu um imponente edifício do século 19 com um terreno adjacente em um local de primeira no bairro elegante de Prenzlauer Berg por cerca de 2,7 milhões de euros. Especialistas imobiliários independentes acreditam que os dois preços estão incomumente baixos. Apartamentos individuais foram vendidos depois disso no edifício de Prenzlauer Berg por até 990 mil euros, o que sugere que o investidor fez um ótimo negócio.
Perguntas para um comitê de investigação
O conselho vendeu as propriedades barato demais, assim prejudicando a comunidade? De modo algum, diz o ex-diretor financeiro Jochen Palenker, comentando que foi encontrado fungo de madeira no prédio de apartamentos em Schöneberg. E que seus antecessores haviam tentado vender a propriedade de Prenzlauer Berg por ainda menos: apenas 1,6 milhão de euros. Segundo Palenker, a acusação de Joffe de que o valor do imóvel de propriedade da comunidade foi exagerado é incorreta.
Mas por que não houve concorrência pública ou processo de licitação para as propriedades? Os membros do conselho estavam com a facção de Berlim Ocidental, ou seus parentes, puxando os cordões nos bastidores, como suspeitam membros da facção imigrante? Agora cabe ao comitê de investigação esclarecer essas perguntas.
O comitê também vai abordar o sentido de família demonstrado pelos irmãos Schlesinger. Tuvia Schlesinger, um policial e hoje líder da oposição, foi eleito para o parlamento comunitário em 2007 na chapa de Süsskind. A administração de cerca de 400 apartamentos pertencentes à comunidade ficou a cargo de uma companhia de propriedade do irmão de Tuvia.
E quando ele precisou de um lugar para morar seu irmão pôde lhe fazer uma oferta muito boa: um apartamento de três quartos, com 79 metros quadrados de área útil, por 348 euros por mês, incluindo o aquecimento. A presidente comunitária Süsskind abençoou o contrato entre os dois irmãos. O aluguel líquido, sem incluir o aquecimento, era de cerca de 2 euros por metro quadrado. Tuvia Schlesinger diz que as "más condições" do apartamento justificavam o preço de barganha. Potenciais compradores já ofereceram 7 euros por metro quadrado pelo apartamento, que não foi reformado, segundo o novo gerente da propriedade.
Quando o parlamento comunitário foi reeleito no final de 2011, Lala Süsskind não se recandidatou. Seus seguidores sofreram uma grande derrota, em parte por causa da mentalidade dela de ajudar a si própria. A facção de Joffe, que consiste basicamente em jovens imigrantes, conquistou 14 dos 21 assentos do parlamento.
Joffe aproveitou a vitória eleitoral para fazer uma faxina. Primeiro se livrou do comissário antissemitismo e do assessor de imprensa, e depois do diretor do departamento social e do centro de atendimento diurno, assim como dois assessores educacionais. O ex-motorista do presidente ficou surpreso ao se ver remanejado para um cargo de porteiro do lar de idosos. Muitos dos afetados pelos cortes apresentaram queixas a um tribunal trabalhista. A oposição critica Joffe por deixar de justificar essas decisões e não publicar as atas das reuniões do conselho.
Antigos residentes contra imigrantes
Então existem as reservas fundamentais dos antigos residentes contra os imigrantes, que desde 1990 vêm das antigas repúblicas soviéticas para Berlim. O influxo não diminuiu com os anos. "Eles parecem bolcheviques", disse o ex-presidente comunitário Albert Meyer. "Estão fomentando uma revolução." Os imigrantes "não podiam se importar menos com a democracia", ele acrescenta. Meyer não é de modo algum o único entre os antigos residentes que faz essas acusações. Muitos mencionam o nome de Joffe juntamente com frases como "Homo Sovieticus," "putinismo" e até "conformidade obrigatória".
Os berlinenses têm uma visão condescendente do que eles caracterizam como falta de estilo e modos incivilizados dos imigrantes, a maioria dos quais não tem um nível econômico tão bom quanto os antigos moradores. A situação lembra o modo como muitos judeus assimilados de Berlim desprezavam os "judeus orientais", seus primos pobres e imigrantes, antes de 1933. Os pais de Gideon Joffe são de Riga, na Letônia. Ele nasceu em Israel e veio para Berlim com 4 anos. Seu mais importante seguidor no parlamento nasceu em Moscou.
Mas mesmo que os antigos berlinenses consigam convencer um quinto dos mais de 9 mil eleitores hábeis a apoiar seu pedido de novas eleições, a demografia da comunidade sugere que os moradores estabelecidos não vencerão de novo as eleições para o parlamento, e não poderão indicar o presidente. Cerca de quatro quintos dos membros são imigrantes, e o jornal da comunidade há muito tempo é publicado em alemão e russo.
O que os dois grupos têm em comum são as histórias familiares muitas vezes dramáticas que circundam o globo e incluem relatos de perseguição, assassinato e sobrevivência. São biografias de indivíduos marcantes, de mentalidade forte. Essa diversidade é um dos motivos para a intensidade da disputa.
Crise financeira
Outra coisa que os antigos moradores e os imigrantes têm em comum é que seus respectivos representantes ainda não resolveram o maior problema - a crise financeira crônica da comunidade. Ela emprega cerca de 400 pessoas e tem um orçamento anual de aproximadamente 30 milhões de euros, dos quais 18 milhões vêm diretamente da cidade-Estado de Berlim.
Apesar de Joffe ter reduzido o déficit operacional de 2012 de cerca de 1,3 milhão de euros para aproximadamente 600 mil, segundo ele, cortando os custos, a crise financeira está corroendo o capital da comunidade. O conselho é confrontado com cerca de 30 milhões de euros em reivindicações de pensões de antigos empregados. O Senado de Berlim exige o repagamento de 9 milhões de euros porque a comunidade, violando seu acordo com a cidade-Estado, garantiu aos empregados pensões maiores do que as concedidas a funcionários públicos, e já pagou alguns dos benefícios.
As autoridades estão cientes do problema desde 1999, mas somente há quatro semanas o conselho finalmente decidiu ajustar as pensões.
Apesar desses problemas, o apoio generoso que a comunidade recebe da cidade-Estado de Berlim provavelmente não mudará. Existem razões políticas e muito válidas para o apoio. O Senado se orgulha do fato de que Berlim, onde o Holocausto foi planejado, é novamente o lar da maior comunidade judaica da Alemanha.
O historiador Julius Schoeps, descendente do filósofo Moses Mendelssohn, diz que a comunidade está "permanentemente superfinanciada" e que uma das consequências disso é a constante disputa por grandes e pequenas vantagens. "A calma seria restabelecida se o Senado congelasse o dinheiro", diz Schoeps, que deixou a comunidade anos atrás.
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