terça-feira, 5 de março de 2013

Dois anos após "Primavera Árabe", Gaza continua esquecida

Milhares de seguidores do Fatah celebram o aniversário do partido, no último dia 4 de janeiro, em Gaza. Foi a primeira comemoração desde que o Hamas assumiu o controle do território, em 2007

O trecho da estrada Salaheddine que atravessa a Cidade de Gaza virou um vasto canteiro de obras com a movimentação de retroescavadeiras. Essa efervescência atípica parece indicar que não está faltando dinheiro para realizar a recuperação do eixo central que liga o norte ao sul da Faixa de Gaza. Perto dali, no centro da cidade, as bandeiras amarelas do Fatah, o partido dominante da Autoridade Palestina presidida por Mahmoud Abbas, ainda tremulam sobre praças e edifícios, ao lado do verde dos estandartes do Movimento da Resistência Islâmica.

Seriam sinais tangíveis de uma atividade econômica florescente e da reconciliação palestina? Dupla ilusão: as grandes obras da Salaheddine são o principal projeto da fortuna de US$ 400 milhões (R$ 788 milhões) prometida pelo emir do Qatar, o xeque Hamad Ben Khalifa al-Thani, durante sua visita a Gaza, no dia 23 de outubro de 2012. Um pouco adiante, no centro da cidade, o prédio do Ministério do Interior ainda oferece o espetáculo visto no final da guerra de oito dias em novembro entre o Hamas e o Estado judaico: um gigantesco mil-folhas de concreto esmagado pelos bombardeios aéreos.

As bandeiras amarelas do Fatah continuam sendo insólitas e enganosas: todos se lembram da impressionante reunião de centenas de milhares de pessoas ocorrida no dia 4 de janeiro, um espetáculo que pretendia simbolizar uma renovada unidade palestina. Na realidade, essa mobilização do Fatah foi um alerta para o Hamas, cujo aumento de popularidade após sua "vitória" militar sobre Israel acabou se dissipando. No dia 27 de fevereiro, depois de trocarem acusações, os dirigentes dos dois partidos decidiram adiar indefinidamente suas negociações.

Oficialmente, a divergência é sobre o período pelo qual um governo de união temporária dirigido por Abbas funcionaria antes que fossem organizadas eleições legislativas e presidenciais. O Fatah quer limitar esse período a três meses, enquanto o Hamas pede o dobro.

O Dr. Ahmed Youssef, conselheiro político de Ismail Haniyeh, primeiro-ministro do governo do Hamas, admite que esse pretexto é irrisório: "A verdade é que Mahmoud Abbas precisa encontrar o presidente americano Barack Obama [esperado em Israel e nos territórios palestinos no dia 20 de março] e que ele não quer parecer próximo demais do Hamas antes desse encontro. "Antes de seguir em frente", explica esse homem considerado moderado dentro do Hamas, "Abou Mazen [nome de guerra de Abbas] quer obter garantias dos americanos e de Israel por se tratar de uma retomada das negociações de paz".

O Dr. Youssef acredita que o presidente da Autoridade Palestina continua a se iludir: "Não estamos vendo nenhum sinal positivo dos americanos, cujas prioridades são outras. Quanto aos israelenses, eles adotarão um tom um pouco diferente, mas, na prática, a ocupação não mudará."

De qualquer forma, afirma nosso interlocutor, "essas negociações só poderão ser retomadas após a reconciliação palestina. Só que esta não é prioridade para Abou Mazen, que está primeiramente buscando proteger suas relações com Obama", confirma Omar Shaban, diretor do centro de análises e de reflexão PalThink. "Ele vai encontrá-lo, talvez cheguem até a considerar uma outra Annapolis [a conferência de 2007 que havia relançado brevemente o processo de paz], e no final das contas não dará em nada."

Essa nova esperança frustrada de reunificação palestina aumenta o descontentamento dos habitantes de Gaza em relação ao Hamas, já alimentado pelo pouco de dividendos econômicos da reaproximação com o Egito da Irmandade Muçulmana. Isso porque, ao realizar a inundação sistemática dos túneis de contrabando que passam sob sua fronteira com a estreita faixa de terra, o Cairo mostrou sem culpa suas prioridades: o enclave de Gaza ainda representa um risco de segurança para o governo do presidente Mohamed Mursi. No dia 26 de fevereiro, um tribunal cairota determinou que todos os túneis fossem destruídos.

No entanto, o número deles diminuiu: cerca de 220 túneis estariam em atividade hoje, contra mais de mil há seis meses. Eles encaminham cerca de 30% das mercadorias disponíveis na Faixa de Gaza, enquanto o resto vem de Israel.

Em Ramallah, na Cisjordânia, oficiais palestinos não esconderam sua fúria após descobrirem que Israel e o Hamas estariam prosseguindo com negociações indiretas no Cairo, sob mediação do Egito.

Essas discussões têm dois objetivos: chegar a um acordo quanto a um cessar-fogo de longa duração para prorrogar o de três meses fechado no final do conflito de novembro de 2012 e tentar liberar a importação de mercadorias provenientes de Israel. É uma negociação complicada: o Hamas quer reduzir o abastecimento vindo do Egito, contanto que o bloqueio israelense seja retirado definitivamente.

"Os egípcios querem nos ajudar no plano humanitário", explica Shaban, "mas eles não querem que Gaza seja absorvida no Sinai e se torne egípcia, como sonham os israelenses." O Egito, diz Issam Younis, que dirige em Gaza o centro de direitos humanos Al-Mezan, tem interesse na reconciliação palestina, porque ele não quer assumir o fardo de Gaza. "A solidariedade entre a Irmandade Muçulmana não tem nada a ver com isso", ele diz. "O problema é que o Estado egípcio está se afundando e que o presidente Mursi tem preocupações mais importantes que a reconciliação palestina." Logo, esta voltou a emperrar.

Paralelamente, o Cairo se coloca como aliado objetivo de Israel ao se distanciar de Gaza: embora o número de moradores de Gaza autorizados a atravessar a fronteira através da passagem de Rafah tenha aumentado, a lista negra de pessoas proibidas de entrar permanece em vigor, e os homens abaixo de 40 anos devem possuir uma autorização especial para sair do enclave palestino.

Com sua liberdade de movimentação e de expressão entravada, com sua vida cotidiana ainda precária, com um desemprego que ultrapassa os 25% da população ativa, os moradores de Gaza constatam que, dois anos após o surgimento da "primavera árabe", eles continuam deixados de fora.

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