segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Cicatrizes são testemunhos de menina que sobreviveu a ataque no Afeganistão

Gul Meena, que foi atingido por um machado, supostamente em uma tentativa de assassinato cometida pelo próprio irmão, se recupera em um abrigo em Cabul, no Afeganistão

Os pontos e curativos se foram, mas as cicatrizes marcam um dos lados do rosto da menina, passando pela bochecha e indo até atrás da orelha: um testemunho gritante do brutal ataque ao qual ela mal sobreviveu ha três meses.

Quando a menina, Gul Meena, está com outras pessoas, mesmo aquelas a quem ela conhece no abrigo onde vive agora, puxa um véu para cobrir toda a lateral danificada do rosto, muitas vezes tocando-a com cuidado e suspirando.

"Dói", disse ela suavemente.

O homem que golpeou várias vezes seu rosto com um machado era seu irmão, de acordo com a polícia afegã e seus vizinhos. O motivo, da melhor forma que pode ser averiguado a partir do relato de pessoas que conhecem a família, foi que Gul Meena tinha desonrado a família, fugindo com um homem com quem não havia se casado.

O que fez o seu suposto crime ainda pior --e, aos olhos de alguns, o que tornou o "assassinato por honra" necessário-- foi que ela, que mal passou da infância, era casada, dizem parentes e pessoas do vilarejo.

Com os pulsos finos e pequenos de uma criança e olhos grandes tristes, as emoções de Gul Meena oscilam entre o sorriso ocasional e um olhar solene e distante, à medida que ela parece recolher-se em si mesma. Enquanto os médicos que a trataram quando ela foi internada no hospital achavam que ela poderia ter 20 anos de idade, agora que ela está sem curativos, parece bem mais nova; seus cuidadores no abrigo em Cabul acreditam que é mais provável que ela tenha cerca de 16 anos.

Ao falar com pessoas às vezes ela parece confusa, mesmo surpresa com a sua situação, como uma pessoa que acorda pela primeira vez num lugar novo e não consegue lembrar como chegou lá. "Eu não sei como isso aconteceu comigo", disse enquanto passava o dedo indicador pelos vergões das cicatrizes.

Nem os médicos nem as atendentes do hospital que a viram nos dias e até semanas depois que ela foi levada para o hospital no leste do Afeganistão no final de setembro --com um pedaço do cérebro saindo para fora do crânio-- achavam que ela fosse sobreviver, e muito menos recuperar a capacidade de andar, lavar-se, comer e falar. O cirurgião que primeiro a tratou, disse que não sabia se ela recuperaria suas habilidades motoras.

Ela se lembra de onde sua família vem, e fala sobre isso o tempo todo: ela tem quatro irmãos e duas irmãs, e eles cresceram na região da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. No lado afegão da fronteira, a área fica no distrito de Naray, na província de Kunar; no lado paquistanês, é em Chitral.

Ela diz que não consegue se lembrar, no entanto, o que levou ao ataque. Ela não tem memória de fugir de casa ou de ir embora com um homem que não era seu marido para a província de Nangarhar, onde seu irmão a encontrou 10 dias depois.

"Nós a encaminhamos para um psicólogo, mas não queremos pressioná-la", disse Manizha Naderi, diretora executiva da Women for Afghan Women, um grupo de direitos humanos que administra o abrigo que está cuidando dela. "Ela diz coisas diferentes em momentos diferentes. No início, disse que era casada e tinha quatro filhos, agora ela diz que nunca foi casada."

Perder a memória após eventos traumáticos é uma resposta às vezes visto em vítimas ocidentais de estupro violento que tiveram ferimentos na cabeça ou em casos de abuso de crianças, mas esse tipo de amnésia é menos frequente no Afeganistão, disseram vários defensores das mulheres.

"Não me lembro de um caso sequer em que a pessoa perdeu a memória, mas tenho a certeza que é possível recuperá-la com tempo e tratamento", disse Belqis Roshan, senadora da província de Farah, que tem defendido as questões das mulheres.

Questionada sobre o que quer fazer agora, Gul Meena diz que tudo que quer é voltar para a sua família. "Eu irei assim que você me levar", disse ela para Naderi.

Para uma mulher no Afeganistão que quebrou todos os tabus, entretanto, não há volta para casa.

Em vez de retornar para um refúgio, é muito provável que pelo menos um membro da família, se não mais, sinta-se obrigado por dever a cumprir a lei tribal pashtun e matá-la para recuperar a posição da família na comunidade, dizem defensores das mulheres.

Foi o que aconteceu com Nilofar, outra jovem que está sendo cuidada num dos abrigos de Naderi. Seu pai e irmão tentaram matá-la, cortando sua garganta com uma faca e esfaqueando-a no estômago depois que ela se recusou a casar com um homem mais velho que eles tinham escolhido para ser seu marido.

Eles a deram por morta, mas com um enorme esforço ela conseguiu chegar a alguns agricultores que a levaram para um hospital. Quando voltou para casa, ela logo soube de sua cunhada que seu irmão estava escondendo uma faca de açougueiro debaixo do travesseiro e estava planejando matá-la no meio da noite. Poucos dias depois, ela fugiu.

"Acho que Gul Meena não pode ir para casa", disse Hassina Nekzad, diretora da Rede de Mulheres Afegãs no oeste do Afeganistão, onde houve 22 "assassinatos de honra" nos últimos nove meses. "Tenho certeza de que eles tentarão matá-la novamente. Se o irmão fez isso e não foi preso, por que ele teria mudado? E talvez ele até sinta isso mais fortemente."

Com todo o trauma que ela sofreu, não é de admirar que ela tenha um desejo de encontrar seu caminho para casa, para ficar a salvo dos perigos do mundo.

E, no entanto, até ela parece perceber que isso poderia ser perigoso.

Perguntei se ela conseguia dormir à noite, ela respondeu: "Eu caio no sono, mas toda noite sonho que meu irmão mais velho vem para mim e diz: 'É hora de você voltar para casa', e então acordo e sinto muito medo."

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