quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Vietnã e a guerra excessiva


Chama a atenção a onipresença das lembranças de guerra, com bombas e tanques em jardins de centros culturais, e as noivas de branco dominando as ruas

O Vietnã avulta como nação com seus quase 100 milhões de habitantes e com uma determinação multissecular de sua individualidade, exposta desde as invasões chinesas e japonesas, na sua obstinada identidade cultural.

Destaca-se mais ainda pela firme liderança na modernidade dos após-guerras, no que se contrapõe Ho Chi Minh a Mao Tsé-Tung, num comando histórico, sem qualquer esgarce ou contestação.

O rigor da economia socialista acompanha toda a força da memória, cultivada, sobretudo, no século passado, com a luta contra o colonialismo francês, definitivamente esmagado na batalha de Dien Bien Phu, em 1954.

Sobreveio-lhe a brutalidade ímpar da invasão americana, acompanhada dos mais hediondos bombardeios. Expunha-se o país, como dito pelo general Curtis Lemay, aos desfolhantes e ao agente laranja, a mutilar os vietnamitas, até hoje a exibir as deformidades e as violências desfiguradoras da geração da guerra e da subsequente.

Os museus vietnamitas são, por isso mesmo, os da memória da guerra -fundadora da identidade emergente do país-, juntando as fotografias das monstruosidades, do aparato de guerra. Há uma macabra coreografia das bombas e dos tanques ocupando os jardins dos centros culturais.

O país de Ho Chi Minh poderia ser também chamado de a nação das 11 mil noivas, na réplica às 11 mil virgens, em torno de Santa Úrsula, dos calendários cristãos.

É inédito o choque visual de Hanói, em plena "wedding season", com noivas em todas as esquinas de monumentos célebres ou templos religiosos, sentadas nas calçadas a esperar o momento em que os fotógrafos encontrem o ângulo para o flash definitivo. Um enxame de roupas brancas, a maioria deles na conformidade do sacramento cristão.

Não nos esqueçamos de que, hoje, 30% do Vietnã continuam católicos. Sucedem-se as fachadas de edifícios rematadas pelas estátuas da Virgem nas varandas.

Muito mais do que a antiga Saigon, hoje Ho Chi Minh Ville, Hanói mantém o urbanismo novecentista francês das praças, assombreadas pela volúpia dos verdes tropicais e dos lagos. A paternidade fundadora de Ho Chi Minh vai ao ensino da educação prática, saída das escolas para a escuta dos pleitos dos mais desfavorecidos.

Subestimamos, talvez, a importância do Sudeste Asiático no jogo emergente da globalização não hegemônica. Nela, o Vietnã é a cunha da autonomia da península, contra o abraço de Pequim, frente ao Laos e ao Camboja. É o país, severo na sua resistência histórica, o bastião contra os consumismos fáceis que possam rondar o progresso do welfarismo socialista.

A lição do "tio Ho" não é a da acomodação ao já logrado, mas da habituação aos reclamos e às exigências de um "povo à obra", à vista de todos os seus músculos, e dentro da dureza dessa prospectiva, educada por uma economia de guerra permanente sob a qual se construiu a nação vietnamita.

CANDIDO MENDES, 84, é membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

Um comentário:

  1. Ah.. é algo pra se vangloriar sim! Recomendo o livro Vitória Custe o que Custar. Fala da saga estratégica do grande Ho Chi Minh, do nada criou uma cultura de forças armadas vitoriosa. A editora é a biblioteca do exército. Não sei porque o site está fora do ar. Mas fiquem ligados!

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