sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Le Monde: Qatar constrói fazendas no deserto para garantir segurança alimentar

West Bay Buildings, Doha, Catar

O emirado não quer mais depender de uma agricultura estrangeira ameaçada pelo aquecimento global.  Cerca de trinta quilômetros a oeste de Doha, em pleno deserto, Jean-Pierre Moreau cultiva flores. Rosas, gladíolos, antúrios, crisântemos... A pedido do emir do Qatar, Hamid Bin Khalifa al-Thani, esse francês garante a produção de 4 milhões de flores ao ano com sessenta funcionários, a maior parte vinda do Nepal e da Índia.

Dentro das estufas de Roza Hassad que se estendem por 55 mil metros quadrados, o cenário não tem nada a ver com a paisagem pedregosa castigada pelo vento quente. Um minucioso sistema de regulagem por computador ajusta, a cada trinta segundos, a umidade a luminosidade de cada uma das construções de vidro que, de acordo com as exigências da flor desejada, recriam o microclima da Holanda ou dos Trópicos.

As plantas, enraizadas em um substrato de resíduos de coco ou de um composto de rocha vulcânica, recebem água retirada a 100 metros de profundidade, dessalinizada, e depois carregada de elementos nutritivos necessários ao seu crescimento. Roza Hassad é uma vitrine, uma empresa pública criada para reduzir as importações de flores do pequeno emirado.

A que preço? Jean-Pierre Moreau prefere não se ater a números. O dinheiro, em um país onde nenhum projeto parece maluco demais, não é uma limitação, e as flores para ele são somente “uma etapa”. “Com meios e tecnologias de ponta, poderíamos produzir tomate, pimentão e toda espécie de legume”, afirma o francês que cultivou verduras nos climas mais extremos.

Seria a próxima etapa? Ele tem total razão. A segurança alimentar está no centro da estratégia do governo do Qatar como parte do plano “Visão 2030”. Mais de 90% dos produtos consumidos pelos 2 milhões de habitantes, sendo somente 300 mil deles de qataris, dependem de importações.

É só ir até o mercado atacadista de Doha para constatar isso. Caminhões chegam descarregando berinjelas da Arábia Saudita, maçãs do Líbano e da China, tomates da Holanda, bananas das Filipinas, morangos do Egito... A situação é idêntica para a carne e os cereais.

“Não conseguimos imaginar nosso desenvolvimento sem garantir nossos recursos alimentares. Somos partidários do comércio internacional, mas acreditamos na mudança climática e em suas consequências sobre a agricultura. Alguns países correm o risco de no futuro reduzirem suas exportações e não podemos continuar sendo tão dependentes”, explica Fahad Bin Mohammed al-Attiya, presidente do QNFSP (Qatar National Food Security Programme).

Esse programa, lançado em 2008, mobilizou batalhões de especialistas internacionais. Ele deve ser finalizado nos próximos meses e implementado em 2014. “Não investimos durante vinte anos. Nossa agricultura usa métodos antigos. A produtividade é muito pequena, grande parte das colheitas é perdida no momento do armazenamento. Será preciso trazer especialistas, treinamento, tecnologias. Muitos pensam que não é realista. Eu acredito que isso será revolucionário”, ele garante. Dessa forma, ele considera ser possível suprir 60% da alimentação.

A escassez de água deve ser contornada com a construção de novas usinas de dessalinização que Al-Attiya prevê colocar em funcionamento por energia solar, e não mais por combustível fóssil. “700 mil metros cúbicos de água são consumidos por dia pelas cerca de 1.400 fazendas do país. Mas essa água, retirada do subsolo, está ficando cada vez mais salina. Nosso programa prevê produzir cinco vezes mais”, explica Patrick Linke, diretor técnico do QNSFP. Pode o Sol ser rentável quando o litro de óleo combustível custa 20 centavos de euro? As autoridades permanecem vagas quanto ao montante e ao financiamento dessa nova obra.

Essa centralização na produção local não significa que o Qatar esteja abandonando sua política de aquisição de terras no exterior. “Continuaremos, pois precisamos de muita terra. Mas faremos isso nos certificando toda vez que os direitos de propriedade das populações e dos fazendeiros locais sejam respeitados. Trata-se de investimentos, não de apropriação de terras”, garante Al-Attiya.

Na terça-feira (4), em Doha, o presidente do QNFSP recompensou os melhores projetos da iniciativa “Terra para a vida”, apoiada pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação. Ele lembrou a ambição de seu país de criar uma “aliança global das zonas áridas” que forneça uma assistência mútua entre os países membros. Uma “espécie de Otan da segurança alimentar”. Os países africanos presentes receberam a ideia com curiosidade e interesse. Pedindo para ver.

Um comentário:

  1. O emir está certo, o único mal nisso, deve ser a mão de obra quase escrava desses estrangeiros, espero esta mt errado. sds.

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