quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Le Monde: Nem todos os egípcios compartilham da 'febre revolucionária' no país


É a maior estatal do Egito, a última joia da era Nasser, na época em que o país acreditava nas virtudes da "indústria industrializante". Com seus 20 mil funcionários, a tecelagem Misr é uma cidade dentro da cidade de Mehalla al-Kobra. Ela possui seu próprio estádio, seu hospital, seu clube esportivo e suas escolas. Noite e dia, os operários passam pelas cinco portas do imenso complexo industrial.

"Fomos os primeiros a abalar o regime Mubarak", explica orgulhosamente Mohamed al-Attar, um contramestre preso em diversas ocasiões durante o regime do presidente por ter convocado várias greves, entre 2006 e 2008. No dia 6 de abril de 2008, a repressão a uma manifestação de operários causou dezenas de feridos. A data se tornou um símbolo em todo o Egito, tanto que um dos grupos de jovens responsáveis pela revolução de 2011 é chamado de Movimento do 6 de Abril.

Desde a queda de Hosni Mubarak, os operários da Misr passaram a ser temidos pelos diferentes governos, desde os militares até a Irmandade Muçulmana. Eles organizaram duas greves, em junho de 2011 e em julho de 2012, logo após a eleição do presidente Mursi, conquistando melhorias significativas. O salário de base passou de 600 para 1.000 libras (R$ 342), os bônus anuais agora chegam a seis meses de salário. Por fim, operários e funcionários receberam aumentos de 300 libras, independentemente de sua qualificação.  

Apropriação da Irmandade Muçulmana   
Mas Mohamed al-Attar, que não esconde sua simpatia pela Irmandade Muçulmana, não quer parar por aí: ele exige a substituição da direção da empresa, intocada apesar da revolução, com exceção do diretor… promovido a presidente. "São todos membros do antigo regime, que saquearam a empresa e acabaram com ela. Os sindicatos também não representam os empregados." A "velha guarda" sindical, por sua vez, acusa a Irmandade Muçulmana de querer se apropriar de todas as alavancas do governo. Já a esquerda está aproveitando para colocar suas reivindicações e exigir uma nacionalização das empresas do Estado privatizadas durante a era Mubarak.

Mehalla, assim como o resto do Egito, está em ebulição. Manifestações e contra manifestações às vezes tomam um rumo violento. O humor é rebelde e contestador: ativistas locais proclamaram a "República Independente de Mehalla", em reação ao aparelhamento da Irmandade Muçulmana nos sindicatos, nas empresas e nos governos locais.

Mas nem todos partilham dessa febre revolucionária. Mohamed al-Qadi, do setor privado, observa que não recebe nenhuma proteção social. Até um ano atrás, ele comandava uma pequena confecção com cinco funcionários. "Não havia mais trabalho, encomendas ou dinheiro. Fechei as portas três meses atrás", ele conta.

Assim, desde a revolução, 300 a 400 pequenas e médias empresas fecharam, entre elas algumas maiores como a Abou Sibai, cujo proprietário fugiu para o exterior, deixando 5.000 operários em apuros e uma montanha de dívidas.

Hoje, Mohamed al-Qadi trabalha como empregado em uma loja de tecidos. "Mas nos dias de manifestações as pessoas não saem mais, com medo da violência. Então o patrão fecha e eu não recebo". A revolução é um luxo ao qual aqueles que não têm nada ou têm muito a perder não podem se dar.

2 comentários:

  1. Quando o Morsi estabilizar o poder e o Egito virar mais uma teocracia fanática, muitos egípcios vão sentir saudade do velho Mubarak, pelo menos nos tempos dele não era a religião que ditava ás regras, não tem cenário pior para um país do que viver debaixo de regras mitológicas da religião que se mete até nos mínimos detalhes do dia a dia. Pelo menos o Mubarak sempre conseguiu manter um certo controle laico no Egito, o que é o mínimo do básico para qualquer país.

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    1. Até aonde eu sei, os muçulmanos não ligam para viver em uma teocracia.

      Eu prefiro um Egito vivendo em uma teocracia e a vida do povo melhorando, do que o Egito entreguista e corrupto de Mubarak.

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