quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Rebeldes dizem que falta de ação do Ocidente radicaliza Síria


Majed al-Muhammad, comandante de um grupo de combate sírio antigovernista, bateu a mão na mesa. "Os EUA não têm satélites?", perguntou, quase gritando. "Eles não estão vendo o que está acontecendo?"

Médico aposentado do Exército sírio, Muhammad chegou ao posto de sargento-major no Exército contra o qual ele agora luta. Ele disse que nunca foi membro de um partido e detestava jihadistas e terroristas.

Mas ele oferece ao Ocidente um aviso que agora é comumente ouvido entre os guerrilheiros que buscam a derrubada do presidente Bashar Assad: o povo sírio está sendo radicalizado pela combinação de um conflito opressivo e sua crença de que foram abandonados por um mundo que os assiste.

Se o Ocidente continua a virar as costas para o sofrimento da Síria, diz ele, os sírios virarão as costas em troca, e isso pode pôr em perigo a segurança e os interesses ocidentais numa das encruzilhadas do Oriente Médio.

Este é um tema que tem ressoado nos últimos dias, não só na Síria, mas na Turquia. O governo turco disparou artilharia no norte da Síria nesta semana depois que um morteiro sírio atingiu uma cidade turca e matou cinco civis. Na Turquia, há um sentimento crescente de frustração, compartilhado pelos rebeldes sírios, de que o Ocidente, em particular os Estados Unidos, pediu para Assad deixar o poder só para se sentar calmamente nos bastidores enquanto a crise se transforma numa sangrenta guerra civil.

"Estamos agora num momento muito crítico", escreveu Melih Asik no jornal turco “Milliyet”. "Não estamos apenas enfrentando a Síria, mas também o Irã, Iraque, Rússia e China, que estão por trás dos sírios. Apoiando-nos, não temos nada além da postura provocativa e das promessas vazias dos EUA.”

No norte da Síria, em áreas que os rebeldes tomaram do controle do governo, esses sentimentos se tornaram um elemento irritado e rotineiro do discurso público. Cansados da violência, rumando para mais um inverno de guerra e enraivecidos com o que veem como inércia e hipocrisia por parte das nações poderosas, os líderes da linha de frente da rebelião dizem que o Ocidente corre o risco de perder um potencial aliado no Oriente Médio se o governo de Assad vier a cair.

Também se costuma ouvir que o Ocidente pode estar ganhando inimigos onde teria encontrado amigos. À medida que a raiva cresce, grupos armados que se opõem aos Estados Unidos também podem crescer em número e em estatura.

"As Nações Unidas e a comunidade internacional estão cometendo um grande erro", disse Ghassan Abdul Wahib, 43, motorista de caminhão e agora líder em Kafr Takharim, um vilarejo no norte. "Ao deixar esta guerra se prolongar, eles estão arrastando a Síria para o radicalismo e sofrerão com isso por um longo tempo."

As origens desses sentimentos costumam ser as mesmas: uma visão generalizada de que Washington e as capitais europeias estão mais interessadas em manter o fluxo de petróleo da Líbia e do Iraque, ou em proteger de Israel, do que na Síria e no sofrimento de seu povo. Esta visão é apoiada, dizem os sírios contrários a Assad, pela recusa teimosa do Ocidente em fornecer armas para os rebeldes, ou em proteger os civis e ajudar os rebeldes com uma zona de exclusão aérea.

O contraste com a assistência militar do Ocidente e apoio político explícito ao levante do ano passado na Líbia é frequentemente citado.

As doações de ajuda não letal para a oposição síria por Washington são frequentemente consideradas de pequena escala, à medida que nenhum dos seis grupos de combate visitados por jornalistas do “New York Times” ou os muitos comandantes entrevistados na Turquia afirmaram ter visto, e muito menos recebido, ajuda dos EUA.

"Nós não recebemos nada de fora", disse Thayar, membro do corpo administrativo em Kafr Takharim, conhecido como o conselho revolucionário. (Ele pediu que seu sobrenome não fosse divulgado para proteger a si mesmo e à sua família de alguma retaliação.) “Nós lemos na mídia que estamos recebendo coisas. Mas não temos visto isso. Só recebemos discursos do Ocidente.”

Outros homens ecoaram esse sentimento e acusaram os Estados Unidos e a Europa de fazer um jogo duplo, de conspirar com o Kremlin para assegurar que nenhuma nação tenha de agir contra o governo Assad ou em nome dos rebeldes ou civis.

Nesta visão, a insistência do Kremlin de que não apoiará novas ações contra a Síria é considerada conveniente para a Casa Branca, que, segundo dizem muitos comandantes e combatentes, emite declarações de apoio à revolta e condenando o governo Assad sabendo que não terá que apoiar palavras com ações. A Rússia forneceu armas e apoio diplomático para o governo Assad e bloqueou a ação do Conselho de Segurança da ONU.

Wahib, o líder em Kafr Takharim, considera as discussões nas Nações Unidas como uma apresentação coreografada. "O mundo inteiro está agora tentando destruir a Síria", disse ele. "A comunidade internacional sabe que Assad está morto, mas eles querem guerra, então destrói a Síria e nos faz regredir cem anos. Desta forma, Israel ficará seguro.”

"A Organização das Nações Unidas", acrescentou, "é um parceiro na destruição da Síria".

Como muitos ativistas e guerrilheiros, ele tinha uma visão irônica do que antes havia sido aclamado nas capitais ocidentais como uma conquista da Otan – a intervenção militar na Líbia no ano passado, que os líderes ocidentais disseram ter protegido civis e que permitiu aos rebeldes desorganizados derrotarem o poder militar convencional de seu país.

A campanha não foi perfeita. A Otan matou e feriu muitos civis e se recusou a reconhecer ou ajudar. Enquanto a guerra se arrastava, muitos grupos armados se formaram, lançando dúvidas sobre a segurança do país a longo prazo e, após o ataque no mês passado contra a missão diplomática dos EUA em Benghazi, também comprometendo o engajamento ocidental.

Mas sírios contrários a Assad ainda anseiam pela assistência militar ocidental, mesmo que se trate apenas de uma zona de exclusão para deter a força aérea síria, cujos aviões vêm atacando cidades e vilas desde o verão. Os Estados Unidos, no entanto, até agora descartaram o envolvimento militar no país.

Muitos homens sírios também se irritaram com o que chamam de descrições comuns de que sua revolta está sendo realizada por combatentes estrangeiros ou grupos ligados à Al-Qaeda.

"Nós não somos terroristas como o regime diz", disse Abu Muhammad, professor em Deir Sonbul. "Estamos lutando pela dignidade que foi destruída durante 40 anos."

Neste ambiente de animosidade, ataques e contra-ataques, a ira de Majed al-Muhammad, o sargento-major aposentado, era de um tipo alimentado pela frustração e pela perda.

Poucos dias antes de receber os jornalistas em seu escritório aqui, de onde ele comanda 200 combatentes nas montanhas de Jebel al-Zawiya, no norte, soube que sua irmã tinha sido morta em Damasco. Uma fotografia de seus restos ensanguentados, jogados no chão, estava em seu telefone celular, ele exibiu a imagem com raiva.

Em seguida passou para uma coleção de restos de munição numa mesa ao lado da sua. Ele levantou uma bala de tanque usada. "É possível que o governo use isso contra as pessoas?", ele perguntou.

Ele pegou os restos de um foguete S-5, uma arma de ar-para-terra comumente usada pelos helicópteros e jatos da força aérea síria. Ele perguntou se os cidadãos dos Estados Unidos tolerariam o que a oposição da Síria tem passado, sem pedir armas e ajuda.

"É possível que seus helicópteros atirem isso nas multidões?" Ele estava furioso. Sua voz se ergueu novamente. "Nós temos o direito de viver, ou não?"

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