quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Na Tunísia, a transição política está paralisada


Salvo por uma pequena trégua para a oração, durante horas dois grupos se enfrentaram diante da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), em Túnis. De um lado, aliados do partido islamita Ennahda, governista; do outro, opositores progressistas. Cada um dos dois lados mobilizou somente algumas centenas de pessoas na terça-feira (23) que deveria marcar o primeiro aniversário da democracia na Tunísia, após as eleições organizadas com a queda da ditadura de Zine el-Abidine Ben Ali.

Os principais partidos haviam prometido nessa data que seria adotada uma nova Constituição, a segunda desde a independência da Tunísia, e que novas eleições gerais seriam organizadas. Mas o compromisso não foi mantido. Além disso, nenhuma reunião conjunta foi realizada para comemorar o primeiro ano da Assembleia.

As diferenças se instalaram, e a polarização do cenário político vem se acelerando entre o Ennahda e o Nida Tunes, o partido da oposição lançado este verão por Béji Caid Essebsi, acusado por seus adversários de ser o herdeiro do antigo regime. Um primeiro confronto provocou a morte de um homem em Tataouine, no dia 18 de outubro, representante local do Nida Tunes, descrito por toda a oposição como a vítima do “primeiro assassinato político depois da revolução”.

“A ascensão da onda de violência é uma linha vermelha que não devemos ultrapassar”, declarou Moustapha Ben Jaafar, presidente da ANC, abrindo uma sessão solene na manhã de terça-feira. “Essa onda”, ele prosseguiu, “chama todos os partidos a privilegiarem a razão e a conversa”. Muitos deputados se cansaram e decidiram boicotar a reunião. “A oposição, que perdeu as eleições, não quer comemorar o primeiro aniversário da Assembleia com o povo”, zombava Rached Ghannouchi, o presidente do Ennahda, antes de se instalar nas fileiras reservadas para as personalidades não parlamentares.

A coalizão governista, formada pelo partido islamita e dois partidos de centro-esquerda, o Ettakatol e o Congresso para a República (CPR), entrou em um acordo quanto à natureza do futuro regime semi-parlamentar, semi-presidencial. Ela promete acelerar o cronograma para organizar “antes do início do verão” as próximas eleições.

“Qualquer atraso, sem alguma razão justificável, pode levar nosso país a uma situação que não conseguiremos controlar”, afirmou Hamadi Jebali, chefe do governo saído do Ennahda.

Então, para causar boa impressão, os parlamentares começaram na mesma tarde a examinar o preâmbulo e os princípios gerais da futura Constituição, expurgada dos elementos mais polêmicos. “Era preciso marcar a ocasião”, suspira Selim Ben Abdessalem, deputado independente (ex-Ettakatol), sem esconder seu ceticismo.

“No entanto, foram obtidos pontos consensuais após longos debates”, ele admite. “Não estamos indo na direção de um islamismo importado, saudita ou afegão, a Constituição se refere ao movimento reformista tunisiano que começou no século 19”. Portanto, sai de cena a sharia, mas também a criminalização dos atentados ao sagrado ou a introdução da noção de complementaridade das mulheres em relação aos homens.

Em vez disso, essa versão preliminar coloca no mesmo plano “os valores do islamismo” e “os princípios dos direitos humanos”; consagra um “Estado civil”, que é também  o “garantidor da religião”. Sublinha-se que o Estado “garante a liberdade de crença, a prática da religião, é o protetor do sagrado e o garantidor da neutralidade dos locais de culto em relação a qualquer propaganda partidária”.

Fruto de um acordo ferrenhamente discutido em comissão, o texto, que retoma o primeiro artigo da Constituição de 1959, segundo o qual “a Tunísia é um Estado livre, soberano, sua religião é o islamismo, sua língua o árabe e seu regime, a república”, especifica “a identidade cultura e civilizacional” do país “à nação árabe e muçulmana”.

Ele instaura a separação dos poderes, impõe a neutralidade da administração e do exército e também defende a igualdade de direitos e deveres dos homens e das mulheres. Por fim, embora “garanta os direitos da mulher e apoie suas conquistas”, ele “preserva a instituição familiar e procura conservá-la”.

Essa demonstração de vontade de chegar a um “consenso” aceitável por todas as partes tem sido regularmente fragilizada por incidentes, às vezes violentos, e tumultos que mantêm o país em estado de exceção desde o levante de janeiro de 2011. Em Gabès, onde um toque de recolher voltou a ser instituído, há vários dias tem havido conflitos entre jovens e a polícia. “Os progressos realizados na Tunísia em matéria de direitos humanos após a queda do presidente Ben Ali foram atacados pela equipe governamental atualmente no poder, que desperta dúvidas sobre seu comprometimento a favor de reformas”, ressalta a Anistia Internacional.  

Na segunda-feira (22), véspera do primeiro aniversário da Assembleia, o líder salafista do grupo Ansar al-Sharia, Abou Ayad, procurado pela polícia após o ataque da embaixada americana em setembro, se convidou para os debates. Em um vídeo de onze minutos divulgado pela internet, ele critica o governo “provisório e injusto que se jogou nos braços do Ocidente infiel – sobretudo os Estados Unidos e a França - , para impedir a sharia.” Sem “visar particularmente o Ennahda”, ele ataca particularmente o presidente Moncef Marzouki, que ele chama de “imbecil” e o Nida Tunes, considerado uma “praga para a Tunísia”.

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