quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Crise reduz interesse da Turquia em ingressar na União Europeia

Acima uma foto de Istambul, a maior cidade da Turquia

Em meio à dramática crise do euro, a Turquia tem experimentado crescimento econômico enquanto os seus vizinhos europeus sofrem. Por esse motivo, o país tem exibido uma recém-descoberta autoconfiança que faz com que o seu ingresso na União Europeia pareça ser uma questão menos importante. Mas a redução desse desejo de ser membro da União Europeia poderá implicar na paralisação de importantes reformas democráticas.

Menderes, dono de uma banca de revistas local, garante: “Tudo está ótimo!”. A sua banca fica na estação de barcas de Kadiköy, na parte asiática de Istambul. Atualmente os negócios vão bem – e não apenas para Menderes. A economia turca está em expansão, tendo registrado no ano passado um crescimento de 8,5%, o segundo mais rápido do mundo. O país possui uma população jovem e a sua cultura de consumo é robusta.

E Menderes não perde tempo em fazer comparações no que se refere à economia. “Não existe crise alguma na Turquia”, garante ele. “O nosso primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, está fazendo um ótimo trabalho!”. Quando lhe perguntaram o que ele pensa a respeito das tentativas da Turquia, iniciadas há longa data, de tornar-se um país membro da União Europeia, este homem de 30 anos de idade diz que não está mais interessado nisso. “Nós não queremos depender dos outros”, explica ele. “Atualmente estamos mais fortes por esforço próprio”.

Cai o apoio ao ingresso na União Europeia
Menderes não é o único a pensar dessa maneira. Em 2004, pouco antes do início das negociações com Bruxelas sobre o ingresso na União Europeia, as pesquisas demonstravam que 75% dos turcos desejavam que o seu país se tornasse membro da organização. Mas agora esse número caiu para um patamar inferior a 50%. “O entusiasmo público pela União Europeia começou a cair anos atrás”, explica Cengiz Aktar, um cientista político de Istambul. “A crise do euro fez com que essa tendência aumentasse”.

Durante anos, a Turquia foi obrigada a aguardar diante dos portões da Europa, mas agora o país encontrou uma nova autoconfiança. Ancara diz que o ingresso na União Europeia continua sendo um objetivo de longo prazo, mas que o país não se tornará membro a qualquer preço. “Nós ainda acreditamos que a Turquia deve ingressar na União Europeia”, declarou o ministro das Finanças da Turquia, Mehmet Simsek, no outono de 2011. “Mas o ingresso na zona do euro não seria mais uma opção tão atraente, mesmo se considerarmos que, com a sua economia saudável e a sua política orçamentária sensata, a Turquia ficaria mais próxima da Alemanha do que dos outros países do sul da Europa que adotaram o euro”.

Entretanto, apesar do seu crescimento econômico mais do que respeitável, a Turquia não saiu inteiramente ilesa da crise europeia. No início de 2012, a economia turca cresceu apenas 3,2% - um índice relativamente modesto para um país emergente. O crescimento foi prejudicado pela crise que consome a União Europeia, que é de longe o parceiro comercial mais importante da Turquia. Mais de um terço de todas as exportações turcas segue para a União Europeia. E cerca de 80% de todo o investimento estrangeiro direto feito na Turquia é oriundo daquela organização.

Tudo isso contribuiu para uma atitude estranhamente ambivalente na Turquia em relação à crise do euro. A enorme satisfação com a força econômica do país quando comparado a uma Europa debilitada se mistura à preocupação devido à consciência de que a Turquia também depende economicamente da União Europeia.

Em busca de novos mercados
Entre os membros da elite econômica da Turquia, há poucas ilusões relativas a qualquer tipo de independência em relação ao bloco europeu. Ali Bilaloglu, presidente da Dogus Otomotiv, uma grande importadora de automóveis, se descreve como sendo um “europeu convicto”. E fazer negócios com a Europa é também parte da agenda diária dele. Os cerca de 2.000 funcionários de Bilaloglu importam para a Turquia carros de companhias como a Volkswagen, a Audi e a Porsche.

A empresa dele foi indiretamente afetada pela crise. A venda de produtos turcos na União Europeia está caindo, e isso, por sua vez, está reduzindo o poder de compra dos turcos. “Nós não estamos nos deparando com índices negativos, mas está havendo menos crescimento”, explica Bilaloglu. “Se a economia da Europa estivesse mais saudável, a Turquia estaria crescendo mais rapidamente”.

Mas a Dogus Otomotiv também sentiu as pressões diretas da crise devido a uma joint-venture que ela criou com duas outras companhias. A sociedade foi elaborada em 2006 para exportar trailers e caminhões caçambas fabricados na Turquia para a União Europeia. Mas o plano fracassou. “O mercado europeu entrou em colapso e nós tivemos que encontrar alternativas”, diz ele.

Os executivos da Dogus Otomotiv, assim como os de várias outras firmas turcas, acabaram procurando novos mercados na África e no Oriente Médio. Mas o cientista político Aktar chama atenção para o fato de que “essas regiões não têm nem a importância nem o poder de compra do mercado da União Europeia. Esses países são instáveis e imprevisíveis”. Aktar adverte que os turcos não podem perder a Europa de vista sob a ótica econômica, mas também precisam se manter conectados com os países europeus por motivos políticos e sociais.

Paralisação das reformas
A Turquia não depende da Europa apenas por razões econômicas. Muita gente teme que as reformas sociais e políticas do país só venham a progredir de fato se continuar existindo a perspectiva de ingresso na União Europeia.

Derya, uma professora de escola primária de 42 anos de idade, que pediu que o seu sobrenome não fosse publicado, diz que é inteiramente favorável à entrada da Turquia na União Europeia. “Na Turquia ainda existe muito a se fazer no que se refere às questões dos direitos humanos, do padrão de vida e da educação”, afirma ela. “E nós só poderemos implementar essas reformas juntamente com a União Europeia”.

De fato, a organização política conservadora e religiosa de Erdogan, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, utilizou o processo para o ingresso na União Europeia para transformar a Turquia em um país mais democrático e justo. Porém, mais recentemente, e especialmente após a reeleição por uma vitória esmagadora do Partido da Justiça e do Desenvolvimento em junho de 2011, o desejo por reformas paralisou-se. E, embora o primeiro-ministro Erdogan goste de apresentar o seu país ao mundo árabe como sendo um modelo de democracia muçulmana, o fato é que milhares de curdos e de estudantes e mais de 100 jornalistas encontram-se presos na Turquia com base em acusações por vezes absurdas. E isso é algo que o cientista político Aktar vê com preocupação. “Existe uma tendência real por parte dos políticos turcos de assumir uma postura excessivamente autoconfiante”, adverte ele. “E isso é algo bastante perigoso”.

É também muito óbvio para Aktar, bem como para o empresário Bilaloglu, que o ingresso na União Europeia não deve ser uma questão que dependa da política cotidiana. “Essa é uma rota estratégia e de longo prazo”, opina Bilaloglu. “Há décadas a Turquia tomou a decisão clara de que desejava fazer parte da União Europeia. A união também sairia lucrando com o ingresso da Turquia. Isso poderia, por exemplo, contribuir para resolver o problema representado pela redução e o envelhecimento da população europeia. No entanto, a União Europeia precisa se mexer e finalmente decidir se aceitará ou não a Turquia. Isso porque, se os problemas enfrentados pela União Europeia vierem a se agravar, a Turquia poderá começar a perder o interesse como parceira capaz de ajudar a resolver os problemas da Europa”.

Ao que parece, por ora os europeus terão que começar a se acostumar a esta nova autoconfiança turca.

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