segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Conflito na Síria ameaça monumentos históricos em Aleppo

Acima a Cidadela de Aleppo; Relatos dão conta que o monumento histórico foi bastante danificado devido aos embates entre as forças de Assad e os rebeldes 

Preservacionistas e arqueólogos alertam que a guerra na capital comercial da Síria, Aleppo – considerada o assentamento humano habitado mais antigo do mundo – ameaça danificar irreparavelmente o surpreendente legado arquitetônico e cultural deixado por 5 mil anos de civilizações.

As portas de ferro massivas da fortaleza medieval imensa da cidade já foram explodidas por um ataque de míssil, diz Bonnie Burnham, presidente do Fundo Mundial de Monumentos, uma organização que trabalha para preservar patrimônios culturais da humanidade.

O fundo colaborou por mais de uma década com o Aga Khan Trust for Culture, o Ministério da Cultura da Síria e arqueólogos alemães para escavar e restaurar o local.

As forças do presidente Bashar Assad vêm bombardeando a cidade, e nos últimos dias seu exército assumiu posições dentro do forte, trocando fogo com insurgentes através das aberturas para flechas do castelo, de acordo com notícias. Construída sobre uma rocha massiva, a fortaleza de defesa fácil tem sido um ponto militar estratégico importante por milênios e mais uma vez está servindo a esta função.

Entre os sítios arqueológicos significativos que estão ameaçados está o Templo do Deus da Tempestade, que data do terceiro ao segundo milênio antes de Cristo e que Burnham identificou como uma das estruturas mais antigas do mundo. Nunca aberto ao público, o templo recentemente descoberto e seus imensos relevos são protegidos apenas por sacos de areia e um telhado fino de metal ondulado, diz ela.

As ruas labirínticas de Aleppo revelam um microcosmo da história humana. Embaixo do forte estão os restos de frisos da Idade do Bronze e fortalezas romanas. Toda a Cidade Velha murada, com sua Grande Mesquita do século 12, milhares de casas medievais em cores pastéis, mercados árabes e madrassas (seminário religioso muçulmano) em pedra do século 17, um palácio otomano e banhos árabes, é reconhecida como um Patrimônio da Humanidade pela Unesco, o braço cultural da ONU.

Imagens da fortaleza mostram escombros em alguns lugares, mas é difícil verificar a extensão da responsabilidade dos danos de cada um dos lados do conflito.

O Conselho Nacional Sírio, uma coalizão de forças anti-governamentais, emitiu um comunicado dizendo que a fortaleza foi danificada por um foguete do exército na última sexta-feira (10). Na semana passada, a Al-Jazeera filmou rebeldes falando sobre a necessidade de capturar o forte.

Burnham alertou que a pilhagem poderia causar ainda mais danos à cidade. Ela diz que foi informada sobre a destruição por arqueólogos dos Estados Unidos, Europa e Oriente Médio que estiveram em contato telefônico e pela internet com testemunhas em Aleppo.

“As pessoas inicialmente pensaram que Damasco e Aleppo seriam poupadas”, disse ela. “Esta é a região cultural mais rica do Oriente Médio, então é muita coisa que pode se perder aqui.”

Localizada na intersecção de antigas rotas comerciais, Aleppo viu impérios ascenderem e caírem. Os exércitos de Alexandre, o Grande, Gengis Khan, Tamerlaine e do general muçulmano Saladin atacaram e defenderam o lugar em momentos diferentes.

Em 1996, uma equipe de arqueólogos alemães e sírios começou a retirar outra camada da história da região, desenterrando parte do Templo do Deus da Tempestade de 5 mil anos que estava debaixo da fortaleza. O templo contém um friso monumental de esculturas de basalto em relevo criadas pelos antigos hititas, cujo império se estendeu da Anatólia ao norte da Síria. Ele marca “um dos grandes centros religiosos” do mundo antigo, informou a revista Archaeology em 2009, enquanto as escavações eram concluídas, e oferece “um vislumbre único da arquitetura religiosa, crenças e práticas do Oriente Próximo antigo ao longo de um vasto período de tempo.”

A equipe descobriu outros tesouros debaixo da poeira e escombros, incluindo um relevo do deus da tempestade – talvez um colega do deus grego Zeus, grego, que lançava raios – que data do século 14 A.C., e esculturas de 2 metros de um leão e uma esfinge. A citadela propriamente dita é a peça central do que Nicolai Ouroussoff, antigo crítico de arquitetura do The New York Times, chamou de “um dos projetos de preservação mais duradouros do Oriente Médio”. O Fundo Mundial de Monumentos e o Aga Khan Trust restauraram este marco medieval, bem como centenas de antigas casas; reconstruíram ruas; e planejaram um parque de 42 acres para melhorar e integrar a comunidade ao redor. Um museu também foi planejado ao lado do sítio.

O fundo foi obrigado a se retirar do projeto há cerca de 18 meses, diz Burnham, por causa da crescente instabilidade da Síria.

A Convenção de Haia para a Proteção de Propriedade Cultural durante Conflitos Armados, elaborada em 1954 após as perdas devastadoras causadas pela 2ª Guerra Mundial, exige que os países garantam a segurança de sítios culturais significativos, monumentos, museus e bibliotecas. Mais de 12 países, incluindo os Estados Unidos e a Síria, assinaram o acordo. Mas os preservacionistas reclamam que pouco foi feito antecipadamente para proteger os valiosos sítios. Eles apontam que em Aleppo, tanto o governo quanto os rebeldes têm a responsabilidade de proteger seu legado cultural.

Jorg Esefeld, um planejador urbano que atuou como conselheiro do Aga Khan Trust em Aleppo, disse que o que precisa ser feito agora é ressaltar o risco tanto dentro quanto fora da Síria. “Acho que o mundo deveria saber – dia após dia, e o tempo todo – que há um patrimônio cultural único exposto à demolição”, escreveu ele num e-mail de Stuttgart, Alemanha. “Esta não é uma questão só para a Síria; será uma questão para todos nós, para o mundo inteiro.”

Especialistas na região, entretanto, duvidam que apelos como este tomarão precedência sobre a estratégia militar.

“A principal preocupação do governo de Assad é destruir os rebeldes, e os guerrilheiros da oposição querem retirar Assad do poder”, diz Ed Husain, membro sênior de estudos do Oriente Médio no Conselho de Relações Exteriores.

Durante o massacre que aconteceu em Hama em 1982, ele acrescentou: “o pai de Assad bombardeou mesquitas. Não se pode esperar que um governo que mata prontamente seu próprio povo respeite e preserve monumentos históricos, tijolos e cimento. Tudo é válido para controlar o país. Os danos feitos à cidadela são um exemplo disso.”

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