Quase 30 mil imigrantes da ex-União Soviética vivem em território sírio, incluindo milhares de mulheres casadas com sírios que estudaram em Moscou nos tempos da aliança da Guerra Fria
Acima, sírios demonstram seu carinho para com a Rússia e mostram apoio a Assad |
Essa diáspora inusitada dá uma ideia do estreito relacionamento entre os dois países que faz com que o Kremlin relute em se desprender do presidente da Síria, Bashar Assad. A Rússia tem interesses estratégicos na Síria, incluindo contratos de armamento que hoje chegam a US$ 700 milhões ao ano, além de um minúsculo porto no Mar Mediterrâneo, última base militar fora da antiga URSS.
Mas há também um fator humano, iniciado há 50 anos quando laços sociais foram forjados entre jovens que travaram conhecimento na universidade. Quando você entra em qualquer ministério de governo ou sede de alguma empresa na Síria, quase certamente encontrará homens que viveram na Rússia na juventude. Muitos voltaram casados e criaram os filhos em lares onde a língua falada era o russo.
"São mulheres da elite, que podem ter alguma influência, mas muito tênue", disse Nina Sergeyeva, que até recentemente dirigiu uma organização de expatriados russos em Latakia. "A elite de homens na Síria é muito orientada para a Rússia".
Enquanto o conflito sírio continua em uma solução diplomática, um número estimado de 30 mil russos vive no país, a maior parte mulheres e crianças, estimam as autoridades de Moscou. Esse é um problema que o Kremlin já enfrentou antes no Oriente Médio, quando o colapso de governos aliados dos soviéticos deixou os cidadãos russos perdidos. Mas jamais a Rússia enfrentou algo dessa proporção, ou na era das redes sociais na internet, quando os apuros que passam os russos fora do país podem se tornar um sério problema para Moscou.
"Com base nas experiências de retirada de pessoas do Líbano e da Palestina nos últimos anos, problemas sempre surgiram - embora não se tratasse, nesses lugares, de milhares ou dezenas de milhares de pessoas, mas algumas centenas", afirmou Yelena Suponina, analista política moscovita, especialista em assuntos do Oriente Médio.
Lado a lado. A população russa na Síria é resultado de um experimento iniciado em 1963, quando o partido socialista Baath assumiu o poder. Os soviéticos ofereciam cursos de formação a estudantes da Ásia, África e América Latina, reunindo-os com estudantes soviéticos em brigadas de trabalho e "noites de confraternização".
O objetivo era formar uma elite intelectual, global, pró-soviética: o resultado imediato desse experimento foi os casamentos. Jovens russas emigraram como esposas de médicos, professores e burocratas do Estado. "O lado soviético disse adeus a elas e basicamente as deu por perdidas", disse Natalya Krylova, historiadora que tem escrito muito sobre populações russas na África.
As uniões entre sírios e russas foram especialmente comuns e não só por razões geopolíticas, disseram alguns maridos e mulheres entrevistados. Muitos sírios afirmam ter passado por uma grande transformação durante o tempo em que viveram na Rússia. Além do fato de que também queriam evitar o pagamento à família da noiva como é costume no Oriente Médio. Mahmoud al-Hamza, que encontrou sua mulher, Nadezhda, num parque em Moscou em 1971, disse que, para se casar com uma síria, o noivo "necessita de um apartamento, fazer um pagamento em dinheiro, comprar ouro. Mas, no caso de uma mulher russa, basta apenas uma aliança de casamento".
As mulheres soviéticas tinham também razões pessoais para se casar com os sírios - homens abstêmios que, graças às relações do partido Baath com os comunistas, entravam e saíam livremente da União Soviética. Uma nova onda de casamentos ocorreu após o colapso da União Soviética, quando as jovens soviéticas buscaram um meio de escapar do caos econômico.
As famílias congregando sírios e russos foram arrastadas para um acerbo conflito há 16 meses, quando o governo Assad lançou uma cruel repressão contra as pessoas que se manifestavam contra o regime. Desde então, essa oposição transformou-se numa insurgência armada.
A Rússia acusa elementos estrangeiros pelo banho de sangue e tem se colocado obstinadamente a favor do governo sírio, continuando a fornecer armas para a Síria e bloqueando todos os esforços internacionais para a saída de Assad.
Fé. A Igreja Ortodoxa russa também defende o governo secular de Assad, afirmando que ele protege as minorias religiosas e age como um baluarte contra o islamismo radical.
Em fevereiro, depois de a Rússia bloquear uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que exigia a saída de Assad, o mais alto representante da Igreja Ortodoxa na Síria queixou-se para a agência Interfax de que sua paróquia estava desaparecendo pois as famílias russas deixavam a Síria, a embaixada havia fechado sua escola e "nossas mulheres estão sendo insultadas em algumas localidades em Damasco".
Um funcionário consular russo, que não quis ser identificado, disse que cerca 9 mil russos estão registrados na embaixada, embora se acredite que mais de 30 mil vivam na Síria. Ele afirmou que não existem planos para retirada dessas pessoas do país, mas, se houver necessidade, ônibus seriam enviados para as cidades.
Seria uma operação de enormes proporções, porque um grande número das mulheres expatriadas vem da Ucrânia, Bielo-Rússia e Moldávia, países que certamente solicitarão assistência de Moscou neste caso, afirmou Yelena Suponina. Ela disse que dezenas de famílias enviaram, sem alarde, as mulheres e crianças para a Rússia nas últimas semanas.
Segundo ela, "as autoridades (sírias) estão prestando cada vez mais atenção nisso".
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