terça-feira, 3 de julho de 2012

Análise do "Le Monde": Brasil, campeão dos emergentes


Os diplomatas brasileiros têm motivos para comemorar. A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, não virou “a Praça Tahrir da crise ambiental”, como havia desejado Marina Silva, a ex-candidata ecologista à Presidência do Brasil. Muito pelo contrário. Tanto pelo método quanto pelo conteúdo, essa cúpula revelou a habilidade do Ministério das Relações Exteriores de impor sua escolha e de colocar o Brasil entre os líderes decisivos dos países emergentes e do Sul nessa nova ordem mundial voltada para um multilateralismo global, desenfreado e conforme com o espírito do tempo.

Apesar de uma chuva de críticas, os dirigentes do Palácio do Itamaraty, o equivalente brasileiro ao Quai d’Orsay, selaram a conferência com um acordo mínimo, medíocre e desprovido de ambição, mas que, segundo eles, era a única saída possível. “A mais honesta”, diriam eles. Um consenso nivelado por baixo, assombrado pela crise, retirando do texto os pontos incômodos, concedendo somente algumas linhas ao meio ambiente e nenhuma ao esgotamento dos recursos, ao mesmo tempo em que adiam as decisões para 2015 sobre o desenvolvimento sustentável.

A Rio +20 marcou o final de um ciclo. E o surgimento daquilo que poderia se chamar de uma “diplomacia da prosperidade”, cara aos homens fortes de Brasília. Um mundo onde as relações Sul-Sul têm uma dimensão muitas vezes mais decisiva que as relações Norte-Sul, com a economia no comando e a política a serviço de um projeto de crescimento e de modernização nacional.

O Brasil fechou um parêntese para abrir outro. “Gostem ou não”, admitiu um alto diplomata do Itamaraty, presente no Rio, “está havendo uma ruptura com o esquema antigo, uma mudança nos poderes em prol da China, da Índia e do Brasil”. Com o apoio implícito dos Estados Unidos, muito discretos durante a conferência e aparentemente não descontentes de se aterem a uma tradição de recusa aos acordos e às instituições, limitando as soberanias.

Ao propor, a menos de uma semana da abertura da cúpula, a abertura de um fundo de US$ 30 bilhões (R$ 60 bilhões) por ano para financiar novos programas, o Itamaraty fez um discurso que pareceu exceder os negociadores europeus. Estes se fizeram de surdos, isolando-se um pouco mais, incapazes de encontrar um consenso e de influir sobre a mecânica do todo. Impotentes em propor uma alternativa, como se a Europa tivesse sido ultrapassada por aquilo que ela contribuiu para gerar. “No jogo da concorrência mundial, ela perdeu”, escreveu Geneviève Azam, conselheira científica da Attac e membro da delegação francesa. A coesão da diplomacia brasileira e o trunfo que representa seu espírito de equipe fizeram o resto. Com um argumento implacável: os países “ricos” devem pagar se quiserem ser coerentes.

No passado, já se pôde observar o estilo reativo adotado pelo Brasil frente a determinadas pressões ou quando o país enfrentava problemas de imagem no exterior. Acusado de ser um “bandido ecológico” no fim dos anos 1990, principalmente em razão do desmatamento da Amazônia, o Brasil contra-atacou recebendo a Eco-92 no Rio, como bem lembra o cientista político e diplomata Alain Rouquié em sua obra “Le Brésil au XXIe siècle” [“O Brasil no século 21”, Ed. Fayard, 2006], com um sugestivo subtítulo, “Nascimento de um novo grande”. Em 2000, na Conferência de Durban contra o racismo e a discriminação, o Brasil, cuja “democracia racial” não convencia muito, teve um papel decisivo.

Ainda eram indícios. Em 2001, o novo ciclo de negociações comerciais, lançado em Doha, se deveu muito à delegação brasileira. Em 2005, em Brasília, o país foi responsável pelo primeiro encontro entre o mundo árabe e a América do Sul, e a África-América do Sul no ano seguinte, em Abuja, na Nigéria. Ele incentivou as cúpulas do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China) e levou ao advento, para além do G8 - o grupo dos oito países mais industrializados e a Rússia - , de um G20, que se estendia aos países emergentes. O ex-embaixador Rouquié acrescenta: “São muitos os exemplos da singular habilidade e da criatividade diplomática do Itamaraty, que é excelente em transformar os pontos fracos e as vulnerabilidades em fatores de prestígio e de influência”.

Lugar no mundo
E cá estamos. O Brasil, que sempre buscou seu lugar no mundo, talvez o tenha encontrado. Entre os maiores. “O Brasil, vencedor da globalização”, anuncia o “Der Spiegel”. O “New Yorker” fala em um milagre brasileiro descrito por Nicholas Lemman, especialista em globalização: “No Brasil, a criminalidade é alta, o sistema de ensino é fraco, as estradas são ruins e os portos estão em mau estado. Mesmo assim, entre as maiores potências econômicas, o país conseguiu um milagre triplo: um forte crescimento (ao contrário dos Estados Unidos e da Europa), uma liberdade política (ao contrário da China) e uma diminuição da desigualdade social (ao contrário de todos os países).”

Por ora, a duração desse novo status do Brasil no mundo depende de outros gigantes periféricos como a China e a Índia. Uma condição não somente difícil de manter, mas que exige a existência de um projeto para o futuro. Uma visão que parece ter faltado na cúpula Rio +20, mas que poderá tomar corpo com esse Brasil que fez as pazes consigo mesmo, levado pela emergência de um modelo social plural. Deve-se esperar por isso a médio ou longo prazo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário