sexta-feira, 20 de julho de 2012

Ligações entre a Máfia e o Estado italiano chegam ao presidente Giorgio Napolitano


Giorgio Napolitano
Há exatamente 20 anos, a Cosa Nostra assassinou em Palermo o juiz Paolo Borsellino, mas há cada vez mais indícios de que não o fez sozinha. Desde antes do atentado, o Estado italiano e a Máfia mantinham conversas para conter as chacinas em troca de certas concessões, sobretudo em matéria penitenciária. Tanto Borsellino como seu amigo Giovanni Falcone --assassinado dois meses antes --haviam se oposto a tais permutas.

As últimas pesquisas das promotorias de Palermo, Caltanisetta e Florença parecem indicar que setores do Estado teriam traído os juízes a ponto de permitir que a Cosa Nostra os assassinasse. A polícia gravou algumas conversas telefônicas recentes nas quais, ao ver-se encurralado pelos promotores para dizer o que sabia sobre o assunto, o ministro do Interior entre 1992 e 1994, o democrata-cristão Nicola Mancino, pede ajuda ao presidente da República, Giorgio Napolitano. O chefe de Estado exige que tais interceptações sejam apagadas. Mas a promotoria de Palermo se nega.

A Itália, que mal pode suportar os problemas do presente, deve arrastar também a obscura carga do passado. E a mais vergonhosa é sem dúvida a que aponta que Falcone e Borsellino, os dois heróis indiscutíveis da luta contra a Máfia, pudessem ser traídos pelo próprio Estado a que serviam. Como disse em mais de uma ocasião Attilio Bolzoni, o especialista do jornal "La Repubblica", a Máfia, através dos arrependidos, já falou.

Agora falta a versão do Estado, cujo comportamento continua sendo um mistério. Um dos homens que com certeza tem muito a contar é o ex-ministro Nicola Mancino. Mas diante das perguntas dos promotores ele titubeia, entra em contradições, se cala. Em uma tentativa desesperada de não ser caçado, desliga o telefone e chama o Palácio do Quirinale para pedir ajuda. Pede conselho aos assessores do presidente da República e afinal consegue falar com o próprio Napolitano em duas ocasiões. Pede-lhe que interfira junto à promotoria de Palermo para que diminua a pressão contra ele.

Se existe um personagem da política italiana que ainda goza do respeito da maioria, é Napolitano. Mas o assunto das escutas ameaça minar a credibilidade do velho comunista transformado em chefe de Estado. Depois de ser posto em dúvida, afirma --empunhando a lei 219 de 2009 --que as conversas do presidente da República não podem ser interceptadas nem sequer de forma acidental. Tais conversas, acrescenta, devem ser destruídas assim que se tenha consciência de que existem, sem esperar sequer que um magistrado as escute e decida se têm valor ou não.

A promotoria de Palermo tem outra opinião. Diz que as intervenções não buscavam gravar o presidente, mas sim Mancino, objeto da investigação, e portanto deve ser o instrutor quem decida sobre elas. Diante dessa divergência, Napolitano decidiu elevar ao Tribunal Constitucional um conflito de atribuições. Diz que não o faz para defender a si próprio, mas sim às prerrogativas da instituição. Em suma, quer evitar um precedente.

O choque frontal entre os diversos poderes está servido, mas não é o mais grave. O pior é a sensação de que La Casta continua se protegendo para ocultar uma verdade há tanto tempo procurada e com a qual o próprio Napolitano, durante homenagem recente em Palermo à memória de Giovanni Falcone, se comprometeu pública e pessoalmente.

Paolo Borsellino foi assassinado em 19 de julho de 1992, à porta da casa de sua mãe. A explosão de um carro com 100 quilos de explosivo acabou com sua vida e com a de seus cinco guarda-costas. O caso foi resolvido em três meses. Os supostos culpados confessaram e foram condenados à prisão perpétua. Mas em 2008 um arrependido admitiu que tudo aquilo havia sido uma montagem para encerrar o caso. Os acusados tinham sido obrigados a confessar mediante torturas e promessas.

Em outubro de 2011, a promotoria de Caltanisetta reabriu o caso e pôs em liberdade sete dos condenados. Entre os mistérios do assassinato do juiz Borsellino está o destino de sua agenda vermelha. Ali ele anotava tudo e sempre a levava consigo, mas alguém a roubou depois do atentado. No dia 1º de julho anterior a sua morte, Borsellino visitou Nicola Mancino em seu gabinete, mas o ex-ministro diz agora que não lembra disso, apesar de o juiz ser então um dos personagens mais famosos da Itália.

Quatro dias antes de ser assassinado, durante um passeio pela praia, o juiz confiou a sua mulher, Agnese: "Não será a Máfia quem me matará".

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