terça-feira, 17 de julho de 2012
Chefes do serviço de espionagem mantiveram "contato estreito" com traficantes de dados na Espanha
Vários dos envolvidos na rede de tráfico de dados desarticulada pela polícia em maio passado aparecem ligados a espiões do Centro Nacional de Inteligência (CNI), o órgão público responsável por fornecer ao chefe de governo informações de interesse para o Estado. Ao longo das mais de 16 mil páginas do sumário da "Operação Pitiusa", aparecem contatos com agentes do CNI, aos quais um grupo de suspeitos se refere pelo codinome de "as rãs".
Os estreitos laços que os integrantes da trama mantinham com agentes do CNI também foram confirmados quando estes últimos contataram a polícia para se inteirar das acusações contra seus amigos detidos. O que não fica claro é que tipo de relação havia entre uns e outros, embora haja indícios de que os espiões do CNI usavam os detetives e colaboradores que formavam o imenso comércio de dados secretos.
As investigações realizadas durante um ano pela Unidade Territorial de Segurança Privada de Barcelona culminaram em maio passado. Em consequência da operação, há mais de 150 imputados, entre eles detetives particulares, funcionários da Fazenda, do Censo, da Seguridade Social, guardas-civis e colaboradores de todo tipo.
Entre eles manipulavam uma "enorme" quantidade de dados secretos que supostamente vendiam para empresas e particulares, além de fazer trabalhos por encomenda, como invadir o computador de uma pessoa para roubar todo o conteúdo de seu disco rígido.
A conexão do CNI com essa trama é palpável, por exemplo, nas conversas telefônicas gravadas pela polícia entre o detetive Aitor Gómez e um tal "Tino", em relação a uma operação destinada a descobrir uma rede de contrabando de cigarros. Gómez é o homem da agência Winterman em Bilbao, enquanto Tino parece uma espécie de colaborador deste em Ourense.
Ao se referir a um infiltrado que vão usar para esse fim, Tino diz a seu companheiro: "Temo que ele possa nos manipular a todos. É um líder". Tino, preocupado porque vai se meter "em um merengue muito gordo", admite que tem um "problema" por causa de alguns antecedentes por falsidade ideológica, e acrescenta que prefere não pedir "um segundo favor" a seu primo, codinome com que designa seu contato do CNI na Galícia, segundo fontes policiais.
Dos grampos telefônicos se depreende que a Guarda Civil e o CNI investigaram o contrabando graças a seus contatos com detetives, que vigiavam um tal Songo e uma mulher. Estes importavam 20 contêineres de Marlboro por mês. A mercadoria ilícita entrava pelo porto de Valência. A companhia Philip Morris --proprietária de marcas como Marlboro, Chesterfield e L&M --quis pôr fim a essa situação e supostamente solicitou a investigação a uma agência de detetives.
Aitor e Tino tiveram uma reunião em um hotel de Madri da qual participaram comandantes da Guarda Civil (os "verdes", como aparece no sumário) e membros do CNI em Vigo, que apelidam de "as rãs". Ambos estão preocupados e conscientes da "importância" do caso. Aitor discute com um homem não identificado sobre a data da reunião. "Espere, deixe-me verificar se a Guarda Civil me diz que sim com certeza. Porque não sei, homem", diz esse interlocutor anônimo que às vezes lhe telefona do Comando de Vitória.
Aitor explica a esse interlocutor, membro da Guarda Civil, que é uma "operação do CESID" [antigo nome do CNI] e que será esse serviço que "decidirá quem vai arrebentar, se o arrebenta a Polícia Nacional, os verdes ou nossa gente". Entretanto, Aitor Gómez insiste em que "quem vai levar a voz cantante" é o CNI. O próprio guarda-civil reconhece que o corpo estava atrás desse assunto há um ano e meio e que se dirigiu a Aitor para "ter mais dados".
"Se vierem os do centro é para dar cobertura ao informante, não para que organizem nada. (...) É simplesmente de proteção, porque não confiam na Guarda Civil, como você me disse", aponta o guarda ao detetive.
Depois da reunião, Aitor e Tino mostram-se preocupados sobre se o caso está "judicializado" ou não. "Disso depende que possamos levar adiante nosso assunto com a informação que temos", salienta Aitor em uma conversa.
Outro dos imputados que mantém contatos com o CNI é Matías Bevilacqua-Brechbuhler, que desempenha um papel fundamental na trama de tráfico de dados. Bevilacqua, um hacker de 36 anos de origem argentina, faz trabalhos para dois dos detetives que caíram na batida policial: Sara Dionisio e Juan Manuel Olivera. Todos eles haviam trabalhado na mesma época que o policial local Sergio Corcoles na empresa Cybex.
Ao ser detido, Bevilacqua já avisou aos policiais de Barcelona que fazia trabalhos delicados para o serviço de inteligência espanhol. Como prova disso, deu um número de telefone e o codinome "Don Aquiles", o oficial de ligação do CNI para o qual trabalhava. Don Aquiles corroborou depois sua versão.
No sumário judicial há um terceiro vínculo que revela os contatos da trama de tráfico de dados com o CNI: a ligação telefônica de José Moraga, de Madri, para Sergio Corcoles, policial de Santa María de Palautordera (Barcelona), cuja intensa atividade supostamente ilegal foi a origem da investigação. Moraga lhe diz que conseguiu seu número de telefone através de "um amiguinho do CNI". Daí se deduz que Corcoles tinha contatos com membros do CNI com os quais supostamente trocava informações, segundo fontes policiais.
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