terça-feira, 17 de julho de 2012
Ameaça de guerra pode acelerar reconstrução política em Mali
Guerra. A palavra tem sido pronunciada com cada vez mais frequência pelos observadores e atores da crise malinesa. Menos como uma promessa imediata de confronto entre Norte e Sul do que como uma ameaça virtual, destinada a acelerar o ritmo da reconstrução política, em Bamaco, e trazer a esperança de um acerto negociado com as facções do Norte.
Para que as negociações com esses grupos armados --a começar pelo Ansar Dine, o partido de Iyad Ag Ghali --tenham uma chance de dar certo, seria preciso primeiro que fosse criado um governo ampliado capaz de atuar como interlocutor. Mas as negociações só podem ser concebidas dentro do contexto de uma reunificação do país.
No sábado (14), o Conselho de Paz e de Segurança (CPS) da União Africana lembrou que “a unidade nacional e a integridade territorial do Mali não podem ser alvo de nenhuma discussão ou negociação”. Por enquanto, as perspectivas de uma guerra de “reconquista” do Norte do Mali, cujas principais cidades se encontram nas mãos de grupos armados islamitas, ainda são vagas.
Para que aconteça essa campanha militar, seria necessário primeiramente que fosse criado um governo ampliado em Bamaco. Esse objetivo foge da alçada de Mali. Nos últimos três meses, Burkina Fasso, mediadora designada pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), teve autoridade sobre o processo de negociação do Mali. O governo atual é obra sua (o primeiro-ministro Cheikh Modibo Diarra é um dos homens do presidente burquinense), com o duplo inconveniente de ferir o sentimento de nação malinês e de não ter nenhuma realização para apresentar desde abril. Essa inação decretou o fim da fórmula.
A União Africana também confirmou no sábado o ultimato da Cedeao ao governo malinês, intimado a criar um governo de abertura até o dia 31 de julho, sob ameaça de novas sanções. Depois, um “plano de ação” deverá ser elaborado em conjunto com as negociações.
Cheikh Modibo Diarra chegou na sexta-feira à França para tentar elaborar a lista desse governo de abertura com o presidente de transição, Diacounda Traoré, que vive ali desde que foi agredido no palácio presidencial, em Bamaco, no dia 23 de maio.
Por falta de avanços no terreno das negociações, uma reorganização das forças armadas malinesas (cerca de 4 mil homens) deverá ser iniciada para que os soldados do exército nacional possam servir de base para um dispositivo militar de “reconquista” que receba apoio da Cedeao para a logística e a inteligência, tudo isso regulamentado por uma resolução da ONU.
Antes de chegar nesse ponto, será necessário constituir um governo malinês “que escape da influência de Burkina Fasso”, afirma uma fonte dentro de uma equipe de negociação. “Se ele realmente for um governo de união nacional, ele terá toda a legitimidade para explorar as possibilidades de diálogo”, diz Tiébilé Dramé, do Parena (Partido para o Renascimento Nacional).
Diálogo
“Estamos perdendo tempo, e enquanto isso, os islamitas estão recrutando”, se preocupa Mahamadou Camara, diretor de publicação do site de notícias “Le Journal du Mali”, de tendência próxima à do ex-premiê, Ibrahim Boubacar Keita, que pediu pela organização de um diálogo entre líderes malineses para criar um governo ampliado que não seja criado por cooptação.
Caso a guerra venha a ser considerada, de qual lado combateriam as tropas do Movimento Nacional de Libertação de Azawad (MNLA), a rebelião tuaregue que declarou hostilidade contra o governo central no norte do país antes de ser ultrapassada pelos grupos islamitas como Ansar Dine, ou pelos diferentes componentes da rede da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI)?
Expulso de suas últimas posições no Norte, o MNLA está se reorganizando. Segundo determinadas fontes, elementos do MNLA poderiam se juntar a tropas lealistas do coronel Al-Hadj Gamou, que está tentando montar no vizinho Níger uma força destinada a reconquistar o Norte.
“Para que se produza tal operação, seria preciso que o Níger e a Mauritânia fossem associadas a ela. Uma missão da ONU abriria a possibilidade a outros países de contribuírem também, se desejarem, como o Chade, por exemplo. E a Argélia [que no domingo recuperou três de seus sete diplomatas sequestrados em Gao, em abril] deve ser associada ao projeto”, acredita um observador regional.
Para se juntar a essa coalizão ainda em fase de projeto, o MNLA “deverá abrir mão da sua vontade de secessão”, garante a mesma fonte. No domingo, um de seus líderes, Ibrahim Ag Assaleh, se pronunciou nesse sentido: “Nós aspiramos a uma independência cultural, política e econômica, mas não à secessão”. Até segunda de manhã, nenhum líder do movimento pôde ser contatado para confirmar essa declaração.
No passado, o MNLA mostrou que seus diferentes chefes, civis ou militares, podiam manter sérias divergências. “O MNLA deve renunciar solenemente à sua reivindicação de independência, cujo corolário será a dissolução de seu ‘governo’”, avisa Tiébilé Dramé. “Além disso, ele deve pedir desculpas ao povo malinês por ter contribuído para mergulhar o país no abismo antes de ser considerado em uma estratégia qualquer de libertação do território nacional”.
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