quarta-feira, 14 de março de 2012

Fórum Mundial da Água: China, Índia e Paquistão disputam a água do Himalaia


“A guerra da água”: a possibilidade alarmista agora ganha destaque nas análises prospectivas sobre a segurança no sul da Ásia. Em fevereiro de 2011, o Senado americano havia publicado um relatório intitulado “Evitar as guerras da água”, centrado nos riscos que pesam sobre o Paquistão e o Afeganistão. O estudo faz parte de uma literatura já abundante sobre o aumento de conflitos geopolíticos causados pelo rareamento dos recursos hídricos em uma região onde o triângulo Paquistão-Índia-China já é eminentemente instável.

Expostos a necessidades crescentes em energia, os Estados agregados em torno do Himalaia --sobretudo a China e a Índia entre as economias emergentes-- embarcaram em ambiciosos projetos de barragens hidrelétricas, causando tensões inevitáveis com os países situados na direção da foz.

O aquecimento climático e seu impacto sobre o derretimento das geleiras himalaias, que aumenta os riscos de inundação a curto prazo, contribuem para as preocupações locais. A Índia se situa no centro desse quebra-cabeça “hidropolítico”. Se dissecarmos suas brigas com seus vizinhos, a divisão das águas do Himalaia aparece como uma grande fonte de atritos.

Com a China, a controvérsia só tem aumentado nos últimos anos. Ela se concentra nos projetos chineses ao longo do Brahmaputra (também chamado por seu nome tibetano Yarlung Zangbo pelos chineses), que começa no Tibete, bem como a maior parte dos grandes rios da Ásia.

Saindo do Tibete, o Brahmaputra atravessa os Estados indianos de Arunashal Pradesh e do Assam (nordeste), antes de percorrer Bangladesh. O governo de Nova Déli também vê com bastante desconfiança a construção de tais barragens, que podem alterar o curso do rio em suas terras do nordeste. Recentemente houve polêmicas a respeito de rumores sobre um suposto projeto faraônico de Pequim visando desviar a água do Brahmaputra para canalizá-la na direção das sedentas regiões do Norte da China.

Esse plano de desvio em massa, no entanto, é mais uma fantasia indiana do que uma realidade chinesa, pelo menos por enquanto.

Uma amarga ironia é que a Índia acusa a China de ser egoísta com a água, sendo que ela faz o mesmo com seus vizinhos situados na foz. Isso porque Bangladesh também se queixa amargamente dos projetos indianos de barragens ou de retenções de água tanto no Brahmaputra quanto no Ganges. Nesse caso, a tarefa de Nova Déli é complicada pelos interesses particulares de seus próprios Estados federados, como ilustrou a atitude recalcitrante de Bengala-Ocidental que derrubou em 2011 um projeto de acordo entre Índia e Bangladesh sobre o rio Tista. Essa questão da divisão da água também nutre sentimentos hostis de Nepal em relação a Nova Déli.

O Nepal, apesar de ser um país situado na direção da nascente, devido ao seu atraso tecnológico teve de cooperar com a Índia para a construção de suas barragens em virtude de acordos acusados de serem “desiguais” por alguns partidos nepaleses.

Mais a oeste da cadeia himalaia, a Índia “da nascente” também entra em conflito com o Paquistão “da foz”, seguindo o exemplo bengali. A diferença é que a discórdia é exacerbada pela rivalidade histórica entre os dois Estados nascidos em 1947 sobre os escombros do Império britânico das Índias.

As cerca de 30 barragens construídas por Nova Déli --ou em vias de serem-- alimentam as piores acusações no Paquistão, sobretudo de determinados grupos jihadistas que lançam ameaças terroristas sobre o tema: “a água ou o sangue”. Os recursos de água têm rareado nos dois países: a média disponível por habitante caiu para 1.700 metros cúbicos na Índia e para 1.000 metros cúbicos no Paquistão. Isso explica o problema da distribuição de água do rio Indo e de seus cinco afluentes, que atravessam a Caxemira indiana antes de irrigar a planície do Punjab paquistanês.

Embora ambos os países já tenham entrado em quatro guerras, a querela pela água por enquanto foi totalmente contida graças ao Tratado do Indo assinado em 1960, sob a coordenação do Banco Mundial. Esse acordo aloca ao Paquistão os chamados três cursos d’água “ocidentais” (o Indo e seus dois afluentes Jhelum e Chenab) --quase 75% de toda a vazão-- e à Índia os chamados três “orientais” (Ravi, Beas, Sutlej, outros afluentes do Indo).

Além disso, a Índia quer ter reconhecido o direito ao uso limitado (irrigação, hidroeletricidade) na nascente do Indo e de seus dois afluentes “ocidentais” confiados ao Paquistão. Nova Déli sempre alegou aderir a esse tratado para defender a legalidade de seus projetos de barragem na Caxemira. Na realidade, a questão é menos jurídica do que estratégica, uma vez que o Paquistão se sente fragilizado diante da possibilidade de os indianos virem a regular seus cursos d’água.

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