quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Quebrando o domínio dos EUA, China quer participar da escolha do presidente do Banco Mundial
Tradicionalmente são os Estados Unidos que nomeiam o presidente do Banco Mundial. Mas a China também quer exercer influência na escolha de um sucessor para Robert Zoellick, que deixará o cargo em junho próximo. O próximo presidente do Banco Mundial poderá ainda ser um norte-americano, mas ele terá que contar com a aprovação de Pequim.
O primeiro a reclamar foi um brasileiro. O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, disse recentemente na capital brasileira, Brasília, que não vê “nenhum motivo” para que o futuro presidente do Banco Mundial tenha de ser de uma nacionalidade específica. A seguir veio a manifestação irritada de Manila, onde o ministro da Fazenda das Filipinas, Cesar Purissima, afirmou que já é hora de reavaliar o processo de seleção do presidente do banco. Eles se pronunciaram após o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, ter anunciado no dia 15 de fevereiro deste ano que deixará o cargo que ocupa há cinco anos em 30 de junho.
O Projeto Bretton Woods, um grupo de especialistas em desenvolvimento da África, da Austrália, da Europa, da América do Sul e dos Estados Unidos, já publicou uma carta aberta na Internet afirmando que o próximo presidente do Banco Mundial terá que contar também com o “apoio transparente” da maioria dos países de renda baixa ou média.
Mas foi um outro indivíduo que causou a impressão mais forte. Zoellick, 58, mal tinha acabado de fazer o anúncio surpreendente de que não procuraria obter um segundo mandato quando um representante de Pequim pronunciou-se em uma reunião a portas fechadas dos 25 diretores executivos que compõem o comitê diretor do banco.
A autoridade chinesa deixou bem claro que a era do controle norte-americano sobre a escolha do presidente do Banco Mundial chegou ao fim. Segundo ele, Washington precisa se submeter aos mesmos “processos abertos, transparentes e meritocráticos”.
Segundo o representante chinês, apenas um candidato dotado de “competência indubitável na área de desenvolvimento” poderá ser escolhido em abril para liderar a organização formada por 187 países. O membro de Pequim no exclusivo grupo de diretores executivos recebeu apoio do seu congênere russo. O representante do Kremlin fez uma argumentação enérgica contra qualquer decisão apressada relativa à substituição de Zoellick. Aparentemente, o russo estava preocupado quanto à possibilidade de que quanto mais rapidamente se chegue a uma decisão, maior a chance de que um candidato norte-americano seja escolhido.
Durante quase sete décadas, uma das qualificações mais importantes para o cargo máximo no banco foi, sem dúvida alguma, a posse de um passaporte dos Estados Unidos. Tradicionalmente, os europeus nomeiam o presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a brigada mundial de combate a incêndios financeiros, e em troca os norte-americanos escolhem o presidente do Banco Mundial. A instituição com sede em Washington é o centro global para as questões relativas a desenvolvimento, apresentando um volume de empréstimo recente de quase US$ 60 bilhões (45 bilhões de euros) e tendo mais de 10 mil funcionários.
Esse arranjo de pós-guerra já começou a cambalear no ano passado, quando o então presidente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, imerso em escândalos, teve de ser substituído. Na ocasião os europeus conseguiram fazer valer mais uma vez a sua vontade, colocando no lugar de Strauss-Kahn a então ministra francesa das Finanças, Christine Lagarde. Isso ocorreu em parte porque Pequim acabou decidindo evitar um confronto. E, embora desta vez os chineses provavelmente também não tenham interesse em um conflito aberto, eles desejam que o mundo testemunhe a influência da China na decisão.
Isso não é nenhuma surpresa, ao se considerar que Pequim já contribui mais para o orçamento do Banco Mundial do que, por exemplo, a Alemanha. E um cidadão chinês autoconfiante, Justin Yifu Lin, 59, ocupa o influente cargo de economista chefe do Banco Mundial. “Podemos ter orgulho de ser chineses, nos posicionando no cenário mundial com a cabeça erguida e o peito estufado”, disse ele certa vez, quando era um jovem economista, em uma carta que foi citada pela revista “New Yorker”.
A nomeação de Lin já revela como a voz da China é poderosa dentro da organização. Washington, no entanto, vinha até agora fingindo que não ouvia essa voz influente. A Casa Branca, aparentemente inabalada, fez uma lista própria de candidatos ao cargo. A mídia norte-americana está perguntando abertamente qual dos aliados do presidente Barack Obama pode estar mais interessado no cargo prestigiado: o ex-assessor econômico Lawrence Summers, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ou Susan Rice, a embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU)? A secretária de Estado, Hillary Clinton, é considerada a candidata mais forte, embora ela tenha negado diversas vezes ter qualquer interesse pelo cargo.
Os norte-americanos não estão dispostos a abrir mão do cargo mais importante do Banco Mundial, ao contrário dos europeus, que se dispõem a ceder quanto à presidência do FMI. Os assessores de Obama observam friamente que os contribuintes norte-americanos ainda são os que contribuem com a maior fatia do orçamento do Banco Mundial, algo que corresponde a quase 16% do total.
Mas atualmente países como China e Brasil poderiam facilmente superar a fatia financeira fornecida por Washington. Só Pequim já fornece mais dinheiro aos países em desenvolvimento do que o Banco Mundial inteiro.
Mas essa candidata a superpotência prefere usar o poder através dos bastidores, uma abordagem que funciona bem no que se refere a preencher o cargo do Banco Mundial. Quando os Estados Unidos apresentarem um candidato nas próximas semanas, esse indivíduo provavelmente fará um circuito mundial de relações públicas, explicando as suas ideias detalhadamente.
A reunião mais importante será provavelmente a entrevista do candidato em Pequim. Para os chineses, o resultado da reunião poderá ser algo ainda mais satisfatório do que ter um chinês na presidência: um norte-americano que todo mundo saberá que só foi escolhido para o cargo de presidente do Banco Mundial devido à aprovação da China.
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