sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A proeminência do populismo no Ocidente


Centenas de manifestantes do "Tea Party" foram ao Capitólio mostrar oposição à reforma da saúde


Hoje é comumente aceito que o populismo tem avançado por todo o Ocidente. Sua principal versão americana é o Tea Party; na Europa, temos na França a Frente Nacional – que, de acordo com certas pesquisas, poderá muito bem estar presente no segundo turno das eleições presidenciais -, na Itália a Liga Norte de Umberto Bossi e, em outros lugares, diferentes partidos que, em suas denominações, chegam a incluir conceitos de aspecto liberal tais como “liberdade” e “progresso”. O mais conhecido e provavelmente o mais poderoso deles é o Partido da Liberdade de Geert Wilders, fortemente contra o islamismo, e para quem a atual coalizão governista na Holanda permanece no poder. O cientista político búlgaro Ivan Krastev – que é atualmente um dos observadores mais relevantes das democracias ocidentais – chegou a chamar nossa época de “Era do Populismo”.

Mas o que exatamente é o populismo? Muitos de nós pensamos ter condições de reconhecê-lo logo de cara: xenofobia mais ou menos aberta, reivindicação por impostos mais baixos, apelação aos medos da classe operária e média de um rebaixamento social e ressentimento em relação às elites urbanas e cosmopolitas tradicionais parecem constituir as características marcantes dos partidos e dos discursos populistas. Porém, podemos realmente nos contentar com tal enumeração quando o populismo, pelo menos em certos contextos históricos – particularmente nos Estados Unidos - , também foi associado a políticas progressistas? E como classificar esses políticos que advogam certos pontos mencionados em nossa lista, mas que evidentemente fazem parte da classe política tradicional? Em que medida Tony Blair ou Nicolas Sarkozy são populistas, se é que são? Teríamos desejado que Obama adotasse uma postura mais populista ao defender, segundo uma frase que às vezes soa como clichê, “Main Street contra Wall Street”? A professora de Harvard Elizabeth Warren encarna, como parecem pensar certos comentaristas, a esperança definitiva de um “autêntico populismo”?

Apesar de todas as atuais discussões sobre o populismo, não é nada evidente que saibamos do que estamos falando quando se trata desse assunto. Simplesmente não dispomos de nada que se pareça com uma teoria do populismo, nem mesmo de critérios coerentes para poder afirmar que tal ou tal ator político é de fato versado no populismo. Todo político – particularmente nas democracias obcecadas pelas sondagens – afirma querer falar com o “povo”; todos querem ter um discurso que possa ser compreendido pelo maior número possível de pessoas; todos querem parecer atentos àquilo que a “gente comum” pensa, e sobretudo àquilo que ela sente; todos querer ganhar pontos entre a opinião pública ao apontar as ameaças, tanto internas quanto externas, percebidas pelo público; e a maioria deles, na maior parte do tempo, também preferem impostos menos pesados. Então, o que torna um político particularmente populista?

Se ainda não temos uma teoria do populismo, não é por falta de tentar. Ao longo dos últimos anos, foram os pensadores de esquerda que mais esforços fizeram para melhor apreender o fenômeno – chegando a reabilitar alguns de seus aspectos. O filósofo argentino Ernesto Laclau, mais sofisticado teórico do populismo dos últimos tempos, defende que o populismo visa estabelecer uma “hegemonia cultural”: os dirigentes e movimentos populistas concentram suas ações em uma exigência (como a diminuição dos impostos) com a qual muita gente pode se identificar – até aí, nada de surpreendente - , mas essa demanda concentra muitas outras exigências que o sistema tal como está não atenderia. Portanto, uma luta se torna equivalente a muitas outras.

Laclau atraiu para si as críticas de alguns de seus colegas de esquerda que argumentam que o populismo ainda se empenha em fabricar inimigos e chega a ser “protofascista”. Todavia, ao afirmar que qualquer política se empenha em criar identidades populares através do conflito, Laclau pretende superar as costumeiras definições pejorativas do populismo para fazer com que a esquerda entenda que “a construção de um povo é a principal tarefa de uma política radical”. (Segundo essa lógica, Martin Luther King e o movimento de direitos civis são populistas também). Embora seja original, essa teoria amplia tanto (de maneira consciente e deliberada) o significado do populismo que o termo perde qualquer valor analítico para a compreensão dos fenômenos “populistas” que, de acordo com muitos observadores, não podem ser explicados somente pela natureza da luta política em geral, feliz ou infelizmente.

Seria um populista simplesmente um político de sucesso do qual não se gosta? A própria acusação de “populismo” seria em si populista? Eu diria que o populismo remete menos a uma base social particular (como a classe média baixa ou aquilo que os franceses chamam de classes populares) do que a uma forma de imaginário político. É uma maneira de ver o mundo político que opõe um povo totalmente unificado – mas essencialmente fictício – a pequenas minorias que são excluídas do povo autêntico. Um dos traços característicos do populismo – um traço estrutural, independente de qualquer contexto político nacional particular ou de determinada questão política – é que ele indica uma “coalizão insalubre” entre uma elite que não pertence realmente ao povo e grupos marginais que tampouco estão em seu lugar. Encontramos exemplos clássicos dessa situação com as elites de esquerda e as minorias raciais nos Estados Unidos, as elites socialistas e grupos étnicos como os ciganos na Europa Central e Oriental, ou com os “comunistas” (segundo Berlusconi) e os imigrantes clandestinos na Itália. A controvérsia sobre a certidão de nascimento de Obama tornou quase que ridiculamente evidente essa lógica do ressentimento em relação ao estrangeiro.

O que o populismo necessariamente nega é o pluralismo das sociedades contemporâneas: na imaginação populista, existe somente o povo legítimo de um lado, e do outro aqueles que invadem de forma ilegítima a nossa política, de cima a baixo. Segundo a Weltanschauung populista, não existe oposição legítima – a qual constitui, no fundo, uma das características essenciais da democracia liberal, entendida como uma forma de conflito entre facções concorrentes nos limites de um consenso subjacente sobre a legitimidade do desacordo democrático.

Esse desejo irrealizável de unidade – bem como a negação do desacordo e das divisões legítimas – revela uma afinidade surpreendente entre a imaginação política populista e o totalitarismo tal qual foi teorizado por membros da esquerda francesa do pós-guerra como Claude Lefort e Cornelius Castoriadis nos anos 1970-1980. Esses pensadores, todos fervorosos socialistas e democratas, afirmavam que o totalitarismo não é um regime que exerce um poder total sobre seus súditos – nenhum regime seria capaz disso, a menos que confinasse toda sua população em campos de concentração -, mas que traduz a visão de uma sociedade (ou de um povo) completamente unificado, literalmente encarnado em um líder como Hitler ou Stálin.

Isso significa que o Tea Party ou Geert Wilders nos levarão de volta ao Gulag?  Não. Embora exista uma forte proximidade entre o imaginário político do populismo e o do totalitarismo, seus objetivos políticos e seus métodos não são equivalentes. Mas essa proximidade não é trivial. O contrário do populismo não é o elitismo, mas sim o pluralismo, e o populismo é por (minha) definição não liberal. E isso tem implicações sobre a forma como os partidos e os movimentos de esquerda deveriam pensar sobre o populismo.

Deveria a esquerda se mobilizar contra as elites irresponsáveis (que Krastev chama de “offshore”) e as políticas neoliberais? Deveria ela articular uma visão da sociedade que todos os cidadãos pudessem compartilhar?  Certamente – mas apresentando argumentos políticos e fazendo propostas, não se apoiando em um imaginário populista. Pensar que os liberais só podem vencer se adotarem o manual populista é uma espécie de derrotismo que já custou muito caro a muitos partidos europeus que pertencem tanto à esquerda moderada quanto à direita moderada. Eles nunca poderão ser tão populistas quanto os próprios populistas, mas eles tampouco poderão voltar atrás facilmente uma vez que tiverem adotado uma retórica segundo a qual, por exemplo, “o multiculturalismo fracassou” (Angela Merkel e David Cameron), “os empregos britânicos são para os trabalhadores britânicos” (Gordon Brown) ou “os refugiados devem ser combatidos” (Flüchtlingsbekämpfung – esse termo utilizado por Merkel evoca a ideia de “dedetização” e chocou muitos observadores políticos na Alemanha).

O populismo não é o corretivo necessário para o elitismo nas democracias maduras, como às vezes se afirma. Dele não resulta que qualquer crítica aos poderosos (e qualquer mobilização política contra eles) implica exclusões antiliberais. Mas não há nenhuma razão para se ater ao rótulo “populismo” para descrever uma crítica como essa quando esse termo agora se encontra associado a políticas antiliberais e a conceitos políticos simplistas (mesmo que nos Estados Unidos ele possa evocar lembranças emocionadas entre os progressistas que têm boa memória). O populismo, na acepção que definimos aqui, é sempre pernicioso. Ele deve ser levado a sério. Mas não há nenhuma razão para imitá-lo.

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