segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"Não quero uma Europa alemã", diz ministro de Relações Exteriores da Alemanha


Em entrevista ao “Spiegel”, o ministro de Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, 50, discute a violência repulsiva na Síria, suas preocupações com a posição da Alemanha na Europa como resultado da crise do euro e sua insatisfação com o recente impasse político na Grécia.

Guido Westerwelle


Pergunta: Ministro Westerwelle, o senhor pode explicar o comportamento do seu amigo Sergey Lavrov, ministro de relações exteriores da Rússia, sobre a questão da Síria?
Westerwelle: Em minha opinião, a Rússia está preocupada com a perda de influência na região. Por isso infelizmente votou contra a resolução da Síria no Conselho de Segurança Nacional. Temos que deixar claro para a Rússia que colocar-se do lado certo da história não vai prejudicar seus interesses estratégicos.

Pergunta: Parece estar muito longe dessa conclusão.
Westerwelle: A visita do meu estimado colega Sergey Lavrov a Damasco certamente não teve sucesso. Ele não transmitiu as mensagens que eu esperaria.

Pergunta: O senhor está pegando leve. Lavrov alegou que o ditador sírio Bashar Assad está “completamente comprometido com a tarefa de deter a violência”.
Westerwelle: Durante as negociações nos últimos dias, os russos afirmaram várias vezes que sentiam que a violência não vinha só do regime, mas também da oposição. Eu deixei claro, junto com (a secretária de Estado norte-americana) Hillary Clinton e outros, que não podemos aceitar tal visão relativista. Foi o regime de Assad que respondeu com violência crescente aos protestos justificados por mais liberdade. As coisas que a alta comissária da ONU para direitos humanos, Navi Pillay, me contou sobre a violência na Síria são repulsivas.


Pergunta: O que acontece se os russos ainda se recusarem a mudar de ideia?
Westerwelle: Não vamos desistir, apesar da resolução fracassada. Propusemos o estabelecimento de um grupo de contato dos amigos da Síria democrática, para começar a montar maior pressão política. Tampouco estou disposto a eliminar a possibilidade de voltar à ONU, seja no Conselho de Segurança ou na Assembleia Geral. Nós apoiamos a proposta para estabelecer uma missão conjunta da Liga Árabe e da ONU, assim como a nomeação de um enviado especial para a Síria.

Pergunta: A Turquia está pensando em criar zonas de proteção aos refugiados ao longo de sua fronteira, mas em território sírio.
Westerwelle: Já estamos fornecendo assistência humanitária. Está claro que queremos fazer mais para ajudar os refugiados. Nós vamos discutir a questão com a Turquia, porque é o país que de longe está abrigando o maior número de refugiados.

Pergunta: O senhor apoia uma zona de proteção no território sírio, que exigiria um destacamento militar?
Westerwelle: Essas são questões que se discutem quando existem planos concretos.

Pergunta: Quem deveria supostamente desenvolver os planos?
Westerwelle: Em tudo que fazemos, coordenamos cuidadosamente com a Liga Árabe, que assume seriamente seu papel de liderança política. Este é um desdobramento positivo que emergiu na sombra desses tristes eventos.

Pergunta: Mas o senhor deve ter suas ideias próprias sobre o que deve acontecer, caso os russos e chineses mantenham seu veto.
Westerwelle: Eu acabo de dizer que vamos fazer tudo o que podemos para aumentar a pressão. Estamos fazendo isso em nível bilateral. Eu decidi que não vamos enviar um novo embaixador para a Síria por enquanto. Quatro membros da embaixada síria em Berlim foram expulsos.


Pergunta: A sua decisão na questão síria tem algo a ver com o fato de, essencialmente, não haver compromissos obrigatórios, ou seja, ninguém está propondo uma intervenção militar, hipótese em que a Alemanha talvez tivesse de participar?
Westerwelle: Tampouco fomos neutros na Líbia. Contudo, decidimos que não íamos tomar parte na intervenção com tropas alemãs.

Pergunta: Por que a Síria não está sendo tratada de forma tão agressiva quanto o Irã? Os norte-americanos e europeus impuseram sanções drásticas contra o Irã, mesmo sem uma votação na ONU.
Westerwelle: Já tivemos 11 rodadas de sanções contra a Síria, e haverá mais. Há outra questão no caso do Irã. Se o país adquirir armas nucleares, imporá uma ameaça substancial na situação de segurança na região, inclusive a nosso aliado, Israel, e também ameaçará seriamente a arquitetura de segurança do resto do mundo.

Pergunta: O senhor acredita que o Irã usaria essas armas?
Westerwelle: Não seria preciso. Imagine que o Irã com armas nucleares tivesse ameaçado bloquear o fluxo de navios no estreito de Hormuz. Por isso decidimos em sanções sem precedentes, que, na minha impressão, parecem estar surtindo efeitos.

Pergunta: E se o Irã continuar igual? Neste caso, baseado em suas análises, a mudança na estrutura de poder do mundo seria tão severa que poderia até ser necessário impedi-la por meios militares.
Westerwelle: Não devemos ficar usando palavras cada vez mais fortes em vão. Aprovamos as sanções porque estamos convencidos que podem funcionar.

Pergunta: Essa também é uma mensagem para Israel? Um ataque militar está sendo discutido abertamente no país.
Westerwelle: Durante minha visita na semana passada, o governo israelense de fato estava apreciando muito o papel da Alemanha na imposição de sanções, assim como as próprias sanções.

Pergunta: Isso não significa que não estão preparando um ataque às instalações nucleares iranianas.
Westerwelle: Para as sanções funcionarem, o maior número de países possível tem de participar. Posso imaginar claramente a reação dos países que estamos tentando influenciar agora, caso fôssemos discutir uma intervenção militar ao mesmo tempo. Só ia atrapalhar a situação.

Pergunta: A situação na região está em movimento. As organizações palestinas Hamas e Fatah concordaram com a formação de um governo conjunto. O senhor conversará abertamente com esse governo, apesar de o Hamas fazer parte dele?
Westerwelle: Não vamos negociar com o Hamas enquanto o grupo não se comprometer com a não violência, o direito de existência de Israel e os acordos prévios com Israel.

Pergunta: Mas o senhor negociará com representantes do governo palestino?
Westerwelle: Estamos em contato próximo com o presidente Mahmoud Abbas e o primeiro-ministro Salam Fayad. Espero que os dois continuem a ser nossos parceiros no diálogo por um longo tempo. O presidente Abbas assegurou-me que só vai aceitar ministros que apoiem suas políticas.

Pergunta: O acordo entre Hamas e Fatah é uma boa ou má notícia?
Westerwelle: Certamente é boa notícia as forças palestinas estarem em acordo. Mas tudo depende em torno do que estão concordando.

Pergunta: O acordo palestino supõe eleições no ano que vem. O senhor continuará negociando com o governo, se o Hamas vencer as eleições?
Westerwelle: Eu disse qual é nossa posição básica. Você sabe também que o Hamas é classificado como organização terrorista aqui na Europa.

Pergunta: O senhor é muito ativo no Oriente Médio. Mas no que concerne a questão mais importante de política externa, ou seja, a política europeia, o senhor, como ministro de relações exteriores, teve pouco a dizer desde o Tratado de Lisboa.
Westerwelle: Você sabe, me pergunto por qual motivo meu predecessor Joschka Fischer, que não tem exatamente um ego pequeno, concordou com a redução de sua autoridade na época. Vou perguntar da próxima vez que estiver com ele.

Pergunta: Então, qual contribuição o senhor ainda pode fazer nesta crise?
Westerwelle: As ideias sobre o estabelecimento de uma união de estabilidade vieram do Ministério de Relações Exteriores. Tivemos um papel crucial no desenvolvimento do pacto fiscal. Mas acho que há mais em jogo: precisamos agora abrir um novo capítulo na integração da Europa. Eu também quero contribuir melhorando a imagem da Europa na Alemanha e a imagem da Alemanha na Europa, porque quando alguém diz: “A Europa fala alemão...”

Pergunta: … como Volker Kauder, líder parlamentar da União Cristã Democrática...
Westerwelle: … então pode ser mal-entendido. Por falar nisso, Volker Kauder queria dizer algo completamente diferente. Não quero uma Europa alemã.

Pergunta: O que o senhor quer?
Westerwelle: Uma Alemanha europeia. Não devemos acreditar que sempre seremos o homem mais forte da Europa. Há apenas dez anos, ainda éramos vistos como o doente da Europa.


Pergunta: A Alemanha está se tornando dominante demais no momento?
Westerwelle: Há uma tendência à renacionalização por toda a Europa, à qual me oponho. A Alemanha ocasionalmente demonstra uma tendência a se vangloriar, o que me preocupa. Não acho inteligente transferir as diferenças entre os partidos alemães para a campanha eleitoral francesa.

Pergunta: O senhor está se referindo ao apoio da chanceler (Angela Merkel) à campanha do presidente francês Nicolas Sarkozy.
Westerwelle: Não, aconselho todos os partidos a tratarem os países na Europa com uma medida de restrição respeitosa. Podemos dizer coisas muito sérias para nossos parceiros europeus, mas não temos de ofendê-los. Se começarmos a acreditar que precisamos usar um bastão teutônico para o sucesso econômico, eventualmente descobriremos que não era um bastão e sim um bumerangue. A Europa não é a resposta à história. É nossa comunidade de destino para o futuro, política, econômica e culturalmente.

Pergunta: Devemos permitir aos gregos decidirem o que querem fazer com o dinheiro da Alemanha?
Westerwelle: Estou mais do que insatisfeito com o impasse político na Grécia das últimas semanas. Também estou me dirigindo à oposição alemã quando eu digo o seguinte: não dá para resolver uma crise de dívida incorrendo constantemente em novas dívidas. O crescimento não vem da dívida, e sim da competitividade.

Pergunta: A Grécia está recebendo uma nova infusão de dinheiro, e ainda assim quase ninguém acredita que o país ainda pode ser salvo. Não seria hora de um calote ordenado?
Westerwelle: O futuro da Grécia está nas mãos dos gregos. Eles têm de demonstrar que são sérios. Não é suficiente aprovar programas de reforma. Em vez disso, as reformas têm de ser implementadas sem atraso – não em algum ponto no futuro, e sim agora.

Pergunta: O segundo pacote de ajuda presumivelmente será mais caro do que se previa, em parte porque os gregos não mantiveram suas promessas. Quanto tempo mais o público alemão vai tolerar isso?
Westerwelle: Sem dúvida que é o momento da verdade para a Grécia. Se for estabelecido em Atenas agora um curso sustentável e correto, a Grécia poderá esperar nosso apoio - mas somente neste caso. Não haverá mais pagamentos adiantados. Apenas as ações contarão agora.

Pergunta: A Grécia tem de ficar na zona do euro de qualquer forma?
Westerwelle: Este continua sendo nosso claro objetivo.

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