segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Ex-oficial americano desafia relatórios do Pentágono sobre Afeganistão


Depois de servir no Afeganistão, tenente-coronel Daniel Davis diz que autoridades não estão falando toda a verdade sobre a guerra

Daniel Davis durante patrulha na província de Khost em agosto de 2011

Quando serviu pela segunda vez no Afeganistão, o tenente-coronel Daniel L. Davis viajou quase 15 mil km, patrulhou com soldados americanos oito províncias e retornou em outubro do ano passado com uma convicção fervorosa de que a guerra estava tomando um rumo desastroso e que os militares sêniores não estavam sendo claros com a população dos Estados Unidos.

Desde que se alistou no Exército em 1985, ele disse que havia presenciado várias vezes comandantes escondendo situações que eram mais graves do que pareciam. Mas dessa vez, ele não iria deixar esses episódios passarem despercebidos. Ele consultou o seu pastor na Igreja de McLean, na Virgínia, onde canta no coro. Assistiu ao seu filme favorito, A Mulher Faz o Homem e inspirou-se em Jimmy Stewart, que interpreta um homem comum que resolve ir contra um estabelecimento corrupto.

E então, no final do mês passado, Davis, 48 anos, começou uma campanha incomum para se tornar um militar que vai contar a verdade para as pessoas. Ele escreveu dois relatórios, um para o público e o outro secreto, resumindo as suas observações sobre a honestidade das informações transmitidas sobre o Afeganistão. Entrou em contato com quatro membros do Congresso e uma dúzia de membros da equipe, falou com um repórter do The New York Times, enviou os seus relatórios para o inspetor do Departamento de Defesa - e só então informou seu superior que havia feito isso.

"Quantos homens mais devem morrer em favor de uma missão que não está conquistando nada? “, pergunta Davis em um artigo que resume a sua opinião intitulado Verdade, Mentiras e o Afeganistão: como os líderes militares têm nos desapontado. Ele foi publicado online no domingo no Jornal das Forças Armadas, o mais antigo jornal independente sobre assuntos militares dos Estados Unidos. "Ninguém espera que os nossos líderes sempre tenham um bom plano", diz no artigo. "Mas nós esperamos - e os homens que estão lutando e morrendo merecem - que nossos líderes nos digam a verdade sobre o que está acontecendo."

Davis disse que sua experiência o levou a duvidar de certos relatos sobre a guerra feitos por diversos líderes militares, incluindo David H. Petraeus, que comandou as tropas no Afeganistão antes de se tornar o diretor da Agência Central de Inteligência em junho.

Em março passado, por exemplo, Petraeus, que na época era general do Exército, testemunhou perante o Senado que membros do Taleban tinham sido "detidos em grande parte do país" e que o progresso tinha sido "significativo", embora ainda frágil, e estava "no caminho certo" para permitir que as forças afegãs assumissem a liderança no combate até o final de 2014.

Davis ferozmente contesta tais afirmações e diz que poucos soldados acreditam nelas. Ao mesmo tempo, ele tem plena consciência da diferença entre sua posição e a daqueles que está criticando, e sabe bem qual pode ser o impacto sobre sua carreira de se expor dessa maneira. "'Eu vou ser muito criticado por isso”, disse em uma entrevista no mês passado.

Mas a reação inicial de seus chefes foi contida. Eles disseram que embora não concordem com suas posições, ele não teria que enfrentar nenhuma "ação adversa", disse.

O coronel James Hutton, chefe de relações públicas do Exército, não quis comentar especificamente sobre Davis, mas rejeitou a ideia de que os líderes militares não estão sendo honestos em relação ao Afeganistão. "Somos uma organização baseada em valores e a integridade com a qual publicamos nossas informações é levada muito a sério", disse.

A porta-voz de Petraeus, Jennifer Youngblood, da CIA, disse que ele "demonstrou ser muito verdadeiro em cada uma das posições de liderança que ocupou ao longo dos últimos anos. Seu histórico deve falar por si mesmo".

Se a reação oficial à campanha de Davis foi um pouco fraca, pode ser em parte porque ele conquistou poucos partidários no Capitólio. "Eu admiro o coronel Davis por ter se arriscado dessa maneira para nos ajudar a entender o que está realmente acontecendo,” disse o representante Walter B. Jones, Republicano da Carolina do Norte, que se reuniu com Davis duas vezes para ler os seus relatórios.

O senador Jeff Merkley, Democrata do Oregon, um dos quatro senadores que se reuniram com Davis, apesar de ter se deparado com o que disse ter sido um pouco “de resistência por parte do Pentágono", disse que o coronel é uma testemunha valiosa por conta da quantidade de viagens que fez com o Exército, da posição que ocupa e do acesso que teve para lidar com uma ampla gama de soldados.

Além disso, as dúvidas que Davis demonstrou em relação aos relatos sobre os avanços na guerra são compartilhadas por outros oficiais. Na semana passada, a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia e presidente do Comitê de Inteligência do Senado, disse em uma audiência que estava "preocupada com o que parecia ser uma disparidade" entre os relatos públicos sobre o progresso da guerra do Afeganistão e uma descrição “sombria” feita em um relatório confidencial em dezembro, que foi descrito em reportagens como "alarmante" e" terrível".

Essas palavras também descrevem o que Davis viu no Afeganistão, a última missão em uma carreira militar que teve alguns confrontos com alguns comandantes, mas boas avaliações de outros. ("Sua maturidade, tenacidade e julgamento estão presentes mesmo nas mais difíceis situações, e sua dedicação a cumprir uma missão é inigualável", diz uma avaliação feita em maio, que concluiu que ele tem um "potencial ilimitado".)

Davis, filho de um técnico de futebol americano numa escola em Dallas, é mais conhecido como Danny e serviu dois anos como cabo do exército antes de retornar a Texas Tech e completar o o programa para se tornar um Oficial Reservista. Ele serviu na Alemanha e lutou na Guerra do Golfo (1990-1991) antes de entrar para a reserva e trabalhar em empregos civis, incluindo um ano como membro de uma equipe do Senado.

Após os ataques do 11 de Setembro, ele voltou à ativa, servindo no Iraque, bem como duas outras vezes no Afeganistão, e passou 15 meses trabalhando no Sistemas de Combate do Futuro, um ambicioso programa do Exército para produzir veículos de alta tecnologia ligados a aviões não tripulados. Nesse programa, ele disse que os comandantes estavam prometendo algo que era claramente impossível já que se deparavam apenas com problemas. O programa foi encerrado em 2009, após ter tido um investimento de bilhões de dólares.

Em sua mais recente passagem pelo Afeganistão, Davis representou o departamento do Exército de armamento, criado para contornar uma burocracia complicada para se certificar de que os soldados obtenham rapidamente o equipamento de que precisam.

Ele falou com cerca de 250 soldados, desde cabos de 19 anos até comandantes de divisão, assim como oficiais de segurança afegãs e civis, disse. Dos americanos, ele ouviu desprezo pela covardia e traição de seus colegas do Afeganistão. Dos afegãos, ele ficou sabendo sobre pactos não oficiais de não agressão entre as forças de segurança locais e os combatentes do Taleban.

Quando ele estava na província de Kunar, um policial afegão que tinha ido visitar seus pais, foi sequestrado pelo Taleban e morto. "Isso aconteceu perto de uma base americana", disse. “A presença deles lá nem sequer assustou os membros do Taleban.”

Alguns dos soldados que foram entrevistados foram mortos, algo que o abalou e que ele menciona em vídeos que fez no Afeganistão e mais tarde publicou no YouTube. Em casa, ele estudou atentamente as declarações dos líderes militares, incluindo as de Petraeus. Ele notou uma certa diferença entre o que tinha tinha presenciado e os relatórios de inteligência secretos que continham as estatísticas dos acidentes.

"Você pode manipular diversas informações”, disse Davis. "Mas você não pode manipular o fato de que cada vez mais, a cada ano que passa, mais homens tem morrido em combate.”

Davis pode parecer um pouco radical, rotulando os fatos que acontecem como ruins embora outros as vejam apenas como uma possibilidade para melhora. Matthew M. Aid, um historiador que examina o Afeganistão em seu novo livro Intel Wars, diz que embora exista um "abismo" entre as declarações do Pentágono e as avaliações da inteligência, "é muito simples apenas afirmar que estão mentindo. Eles estão lidando com o assunto diretamente".

Mas Martin L. Cook, que ensina ética militar na Escola de Guerra Naval, diz que Davis identificou um risco que é intrínseco à cultura militar, no qual o otimismo pode fazer com que oficiais não enxerguem quando uma missão não está dando certo.

"Nós treinamos as pessoas para que tentem suceder mesmo quando metade de seus companheiros estão mortos e eles estão quase sem munição", disse. "É muito difícil para eles dizer que 'não dá para ser feito'."

Cook disse que é muito raro que um oficial do escalão de Davis decida falar com o Congresso e com a mídia. "Pode até ser um ato de coragem moral", disse. "Mas ele foi além de seu território, e está correndo um risco em relação ao que pode acontecer.”

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