segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Como os EUA eliminaram Bin Laden
O jornalista americano Nicholas Schmidle narra com detalhes como foi planejada e executada a operação que matou o maior terrorista da história
Pouco depois das 11 da noite do dia 1º de maio de 2011, dois helicópteros Black Hawk MH-60 levantaram voo, do Campo Aéreo de Jalalabad, no leste do Afeganistão, e deram início a uma missão secreta em direção ao Paquistão para matar Osama Bin Laden. Dentro da aeronave, estavam 23 Seals, como são chamados os integrantes de uma tropa especial da Marinha americana. Faziam parte da Equipe Seis, oficialmente conhecida como Grupo Naval Especial de Desenvolvimento de Técnica de Guerra (Devgru, na sigla em inglês). Um tradutor paquistanês-americano, que chamarei de Ahmed, e um pastor-belga chamado Cairo também estavam a bordo. Era uma noite sem lua, e os pilotos dos helicópteros, usando óculos de visão noturna, voaram com as luzes apagadas sobre as montanhas que cobrem a fronteira com o Paquistão. Os Black Hawks, cada um dos quais com dois pilotos e um tripulante do 160º Regimento de Operações Especiais de Aviação, haviam sido modificados para disfarçar seu calor, barulho e movimento.
O destino dos Seals era uma casa na pequena cidade de Abbottabad, cerca de 190 quilômetros além da fronteira com o Afeganistão. Situada ao norte de Islamabad, a capital paquistanesa, Abbottabad fica na parte mais baixa da Cordilheira de Pir Panjal e é muito concorrida no verão, com famílias em busca de alívio para o calor escaldante que faz mais ao sul. Fundada em 1853 pelo major britânico James Abbott, a cidade tornou-se sede de uma academia militar de prestígio depois da criação do Paquistão, em 1947. De acordo com informações coletadas pela CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, Bin Laden estava escondido no 3º andar de uma casa num complexo de 4.000 metros quadrados, saindo da Estrada de Kakul, em Bilal Town, um bairro de classe média a pouco mais de 1 quilômetro da entrada da academia. Os helicópteros atravessaram Mohmand, uma das sete regiões tribais do Paquistão, contornaram o norte de Peshawar e seguiram para o leste. O comandante do Esquadrão Vermelho do Devgru, a quem vou chamar de James, estava sentado no chão, espremido entre outros dez Seals, Ahmed e Cairo (os nomes de todos os agentes secretos citados neste texto foram trocados). James, um homem de costas largas perto dos 30 anos, não tem a constituição esbelta de nadador que se esperaria de um Seal. Naquela noite, vestia camisa e calça com camuflagem de deserto e carregava uma pistola Sig Sauer P226 com munição extra; uma CamelBak, para hidratação; e frascos de gel proteico, para resistir a algum imprevisto. Ele segurava um rifle M4 de cano curto, com silenciador (os outros Seals preferiram o MP7 Heckler&Koch). Abbottabad era, de longe, o mais distante que o Devgru já se aventurara para dentro do território paquistanês. Também representava a primeira tentativa séria da equipe, desde 2001, de matar o “Virabrequim” – o nome que o Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC, na sigla em inglês) dera a Bin Laden. Quarenta e cinco minutos depois da partida dos Black Hawks, quatro helicópteros Chinook MH-47 levantaram voo na mesma pista de Jalalabad. Dois deles voaram para a fronteira, permanecendo do lado afegão; os outros dois seguiram para dentro do Paquistão. Vinte e cinco Seals adicionais do Devgru, saídos de um esquadrão estacionado no Afeganistão, ficaram dentro nos Chinooks que pararam na fronteira. Essa “força de reação rápida” seria chamada à ação apenas se a missão desse muito errado. O terceiro e o quarto Chinook seguiram o caminho do voo inicial dos Black Hawks, mas aterrissaram num ponto predeterminado no leito seco de um rio, num amplo vale desabitado, no noroeste do Paquistão. Enquanto isso, os dois Black Hawks se aproximavam rapidamente de Abbottabad pelo noroeste, escondidos atrás das montanhas da extremidade mais ao norte da cidade. Então, os pilotos se inclinaram para a direita e foram para o sul, acompanhando os cumes que delimitam o perímetro leste de Abbottabad. Quando esses morros ficaram mais baixos, os pilotos fizeram uma nova curva para a direita, em direção ao centro da cidade, e realizaram a abordagem final. Nos quatro minutos seguintes, o interior dos Black Hawks ganhou vida com o estalido metálico das armas sendo carregadas. Mark, um dos Seals, apoiou-se num joelho só ao lado da porta aberta do helicóptero que ia na frente. Ele e os sete outros Seals no “heli um”, que usavam luvas e óculos de visão noturna, se preparavam para descer pela corda no quintal de Bin Laden. Mas, quando o piloto passou por cima da casa, pairou sobre a construção e começou a baixar a aeronave, sentiu o Black Hawk saindo de controle. Ele teve a sensação de que iam bater.
Quatro meses depois que Barack Obama chegou à Casa Branca, Leon Panetta, então diretor da CIA e hoje secretário de Defesa, informou o presidente sobre as ações mais recentes da agência para rastrear Bin Laden. Obama não ficou satisfeito. Em junho de 2009, ele esboçou um memorando instruindo Panetta a criar um “plano de operação detalhado” para encontrar o líder da al-Qaeda e para “garantir que todos os esforços possíveis fossem feitos”. Em agosto de 2010, Panetta retornou à Casa Branca com notícias mais animadoras. Os agentes da CIA acreditavam ter detectado um mensageiro de Bin Laden, um homem de pouco mais de 30 anos chamado Abu Ahmed al-Kuwaiti. Ele dirigia um utilitário esportivo branco cujo estepe tinha uma capa estampada com a imagem de um rinoceronte. Um dia, um satélite capturou imagens do veículo entrando num grande complexo de concreto em Abbottabad. Os agentes, concluindo que Kuwaiti morava ali, usaram vigilância aérea para supervisionar o complexo, composto de uma casa principal de três andares, uma casa de hóspedes e mais algumas construções. Eles observaram que os moradores do complexo queimavam o lixo, em vez de colocá-lo do lado de fora para ser recolhido, e chegaram à conclusão de que o local não tinha telefone nem conexão de internet. Kuwaiti e o irmão entravam e saíam, mas um outro homem, que morava no 3º andar, nunca deixava o endereço. Quando esse terceiro indivíduo se aventurava do lado de fora, ficava atrás dos muros do complexo. Alguns agentes concluíram que o terceiro homem era Bin Laden. A agência apelidou-o de O Marchador. Obama, embora tenha ficado entusiasmado, ainda não estava preparado para ordenar uma ação militar. John Brennan, o assessor de contraterrorismo do presidente, contou-me que sua equipe começou uma “verificação das informações, para ver se era possível comprovar a tese de que Bin Laden estava lá”.
No fim de 2010, Obama mandou Panetta começar a explorar opções para um ataque militar ao complexo. Panetta entrou em contato com o vice-almirante Bill McRaven, o Seal responsável pelo JSOC. Tradicionalmente, o Exército domina as operações especiais, mas nos últimos anos os Seals ganharam mais destaque; o chefe de McRaven na época do ataque, Eric Olson – o chefe do Comando de Operações Especiais (Socom, na sigla em inglês) –, é um almirante que fora comandante do Devgru. Em janeiro de 2011, McRaven pediu a um oficial do JSOC chamado Brian, que fora anteriormente subcomandante do Devgru, que apresentasse um plano de ataque. No dia 14 de março de 2011, Obama convocou seus assessores de segurança nacional para a Sala de Operações da Casa Branca e analisou uma lista de possíveis linhas de ação contra o complexo de Abbottabad. A maioria eram variações de uma invasão do JSOC ou um ataque aéreo. Algumas versões incluíam cooperação com o Exército paquistanês, outras não. Obama decidiu não informar o Paquistão nem trabalhar em conjunto com eles. “Havia uma falta de confiança real de que os paquistaneses poderiam guardar esse segredo por mais de um nanossegundo”, contou-me um assessor importante do presidente. No dia 29 de março, McRaven apresentou o plano a Obama. Os conselheiros militares do presidente ficaram divididos. Alguns apoiaram uma invasão, outros um ataque aéreo, e outros queriam esperar até a inteligência obter mais informações. Robert Gates, o então secretário de Defesa, foi um dos opositores mais diretos a um ataque com helicópteros. Ele e o general James Cartwright, o subchefe do Estado-Maior das Forças Armadas, eram a favor de um ataque aéreo com bombardeiros B-2 Spirit. A perspectiva de arrasar uma cidade paquistanesa fez Obama parar para pensar. Ele colocou de lado a opção do B-2 e ordenou que McRaven começasse a ensaiar uma invasão.
O primeiro helicóptero deveria pairar sobre o pátio, baixar duas cordas e deixar os 12 Seals descer no pátio. O segundo voaria para a ponta nordeste do complexo e despejaria Ahmed, Cairo e quatro Seals. Eles monitorariam o perímetro da construção. O helicóptero depois sobrevoaria a casa, e James e os seis Seals restantes desceriam no telhado. Na noite de 26 de abril, uma terça-feira, a equipe de Seals embarcou num Boeing C-17 Globemaster em Oceana, base aérea da Marinha, a poucos quilômetros de Dam Neck, no Estado da Virgínia. Depois de uma parada para reabastecer na Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, o C-17 seguiu para o Campo Aéreo de Bagram, ao norte de Cabul. Os Seals passaram uma noite em Bagram e se deslocaram para Jalalabad no dia seguinte. No fim da tarde da quinta-feira 28 de abril, Panetta e o resto da equipe de segurança nacional se reuniram com o presidente. Nas noites seguintes não haveria praticamente luz da lua sobre Abbottabad – a condição ideal para uma invasão. Na manhã seguinte, o presidente se reuniu na Sala dos Mapas com Tom Donilon, o assessor de segurança nacional, Denis McDonough, assistente de Donilon, e Brennan. Obama optara pelo ataque do Devgru, e McRaven escolheria a noite. Já era muito tarde para um ataque na sexta-feira, e no sábado o tempo estaria muito nublado. No sábado à tarde, McRaven e Obama conversaram por telefone. McRaven disse que a invasão ocorreria no domingo à noite, dia 1º de maio. “Vão com Deus, você e seus homens”, disse Obama a ele. “Por favor, transmita a eles meu agradecimento pessoal pelo serviço e a mensagem de que eu estarei acompanhando pessoalmente essa missão bem de perto.” Na manhã do domingo, os funcionários da Casa Branca cancelaram visitas agendadas, pediram sanduíches na lanchonete Costco e transformaram a Sala de Operações numa sala de guerra. Às 11 horas, os principais assessores de Obama começaram a se reunir ao redor de uma grande mesa de reunião. Um vídeo conectou-os a Panetta, no quartel-general da CIA, e a McRaven, no Afeganistão. O brigadeiro Marshall Webb, comandante assistente do JSOC, sentou-se à ponta de uma mesa envernizada num pequeno escritório adjacente e ligou seu laptop. Abriu as janelas múltiplas de conversa que mantinham a Casa Branca e ele conectados às outras equipes do comando. O escritório onde Webb estava tinha a única fonte de vídeo da Casa Branca mostrando imagens do alvo da operação em tempo real. Elas eram feitas por um voo não tripulado RQ 170, a mais de 5.000 metros de altura sobre Abbottabad. Os Black Hawks partiram de Jalalabad 30 minutos depois. Pouco antes das 16 horas (horário de Washington), Panetta anunciou ao grupo na Sala de Operações que os helicópteros se aproximavam de Abbottabad. Obama se levantou. “Eu preciso ver isso”, disse. Atravessou o corredor, entrou no pequeno escritório e sentou-se ao lado de Webb. O vice-presidente, Joseph Biden, o secretário Gates e a secretária de Estado, Hillary Clinton, o seguiram, assim como todo mundo que conseguiu caber na sala. Na modesta tela de LCD, o helicóptero um – fora de foco e em preto e branco – apareceu acima do complexo, e logo em seguida apresentou problemas. Quando o helicóptero começou a sair do controle do piloto, ele puxou o manche para dominar a frequência de rotação das hélices, mas a aeronave não reagiu. Os muros altos do complexo e as altas temperaturas haviam feito o Black Hawk circular dentro do próprio ar impulsionado pelo rotor da aeronave – uma situação aerodinâmica arriscada. O piloto abandonou o plano de soltar cordas e se concentrou em descer com a aeronave. Ele mirou um cercado de animais na parte oeste do complexo. Os Seals a bordo se puseram a postos, enquanto o rotor da cauda balançava, arranhando o muro de segurança. O piloto colocou o nariz para a frente, para enfiá-lo na sujeira e evitar que a aeronave tombasse. James e os Seals do segundo helicóptero assistiram a tudo isso enquanto pairavam sobre a ponta nordeste do complexo. O segundo piloto, sem saber ao certo se seus colegas estavam recebendo tiros ou com problemas mecânicos, desistiu do plano de sobrevoar o telhado. Em vez disso, aterrissou num gramado do outro lado da rua, em frente à casa.
Alguns minutos depois, os 12 Seals que estavam dentro do primeiro helicóptero recuperaram o controle da situação e calmamente comunicaram pelo rádio que estavam prosseguindo com a invasão. Minutos depois de bater no chão, Mark e os outros membros da equipe começaram a sair um atrás do outro pelas portas laterais do helicóptero um. A lama engolia suas botas, enquanto eles corriam ao longo de um muro de 3 metros de altura que delimitava o cercado de animais. Uma unidade de demolição com três homens se adiantou até o portão de metal do cercado, que estava fechado, e colocou explosivos C-4 nas dobradiças. Depois de um forte estouro, a porta caiu. Os outros nove Seals avançaram rapidamente e depararam com uma entrada de carros de costas para o acesso principal da casa. No fim da passagem para carros, os americanos explodiram ainda outro portão trancado e entraram num pátio de frente para a casa de hóspedes, onde Abu Ahmed al-Kuwaiti, o mensageiro de Bin Laden, morava com a mulher e seus quatro filhos. Os três Seals à frente avançaram para invadir a casa de hóspedes, enquanto os outros nove explodiam outro portão e entravam num pátio interno, que dava para a casa principal. Quando o grupo menor deu a volta para ficar diante das portas da casa de hóspedes, eles viram Kuwaiti correndo para dentro para avisar a mulher e os filhos. Ele apanhara uma arma e estava voltando para fora quando os Seals abriram fogo e o mataram. Os outros nove Seals, incluindo Mark, formaram unidades de três homens para passar pelo pátio interno. Os americanos desconfiavam que havia vários outros homens na casa: o irmão de Kuwaiti, Abrar, de 33 anos; os filhos de Bin Laden Hamza e Khalid; e o próprio Bin Laden. Uma unidade de Seals acabara de entrar no pátio pavimentado na entrada da frente da casa quando Abrar – um homem forte, de bigode, trajando uma túnica clara – apareceu com um fuzil AK-47. Ele foi morto com um tiro no peito, assim como Bushra, sua mulher, que estava ao lado dele, desarmada. Do lado de fora dos muros do complexo, Ahmed, o tradutor, patrulhava a estrada poeirenta em frente à casa de Bin Laden como se fosse um oficial de polícia paquistanesa à paisana. Ele, o cachorro Cairo e quatro Seals eram os responsáveis por cobrir o perímetro da casa enquanto James e outros seis Seals entravam. Os vizinhos sem dúvida ouviram os helicópteros voando baixo, o barulho de um deles batendo, as explosões esporádicas e os tiros que se seguiram. Após um tempo, uns poucos paquistaneses curiosos se aproximaram para perguntar sobre a confusão do outro lado do muro. “Voltem para suas casas”, Ahmed disse, em pashtu, enquanto Cairo mantinha a guarda. “Há uma operação de segurança em andamento.” Enquanto isso, James, o comandante do esquadrão, passara por um muro, atravessara uma parte do pátio coberta de treliças, passara por um segundo muro e se reunira aos Seals do helicóptero um, que estavam entrando no térreo da casa. O que aconteceu em seguida não está totalmente claro.
Enquanto os filhos de Abrar corriam para se esconder, os Seals começaram a percorrer o 1º andar da casa principal, cômodo por cômodo. Apesar de os americanos terem pensado que a casa poderia estar minada, a presença de crianças no complexo sugeria o contrário. No entanto, Bin Laden tomara medidas de segurança. Um portão de metal barrava a base da escada que levava ao 2º andar, fazendo o cômodo de baixo parecer uma gaiola. Depois de explodir o portão com explosivos C-4, três Seals subiram as escadas. No meio do caminho, eles viram Khalid, um dos filhos de Bin Laden, de 23 anos, esticando o pescoço num canto. Ele então apareceu no topo da escada com um AK-47. Khalid, que usava uma camiseta branca com a gola esgarçada, tinha cabelo curto e uma barba rente. Ele atirou nos americanos (um alto funcionário de contraterrorismo da Casa Branca diz que Khalid estava desarmado, mas ainda era uma ameaça a considerar). Pelo menos dois Seals atiraram de volta e mataram Khalid. Segundo as informações que os Seals receberam, até cinco homens adultos viviam no interior do complexo. Três deles estavam mortos; o quarto, o filho de Bin Laden, Hamza, não estava no recinto. A última pessoa era o próprio Bin Laden. Antes de a missão começar, os Seals criaram uma lista de palavras em código com temas americanos nativos. Cada palavra do código representava um estágio da missão: partida de Jalalabad, entrada no Paquistão, aproximação do complexo, e assim por diante. “Gerônimo” significava que Bin Laden fora encontrado. Três Seals passaram pelo corpo de Khalid e explodiram outra gaiola de metal, que obstruía a escadaria que levava ao 3º andar. Subindo rapidamente a escada sem luz, eles sondaram a parte de cima. No alto da escada, o Seal que liderava a ação se virou para a direita; com os óculos de visão noturna, ele conseguiu distinguir um homem alto e alongado, com uma barba de um palmo, espiando de trás da porta de um quarto, a 3 metros de distância. O Seal imediatamente pressentiu que era o Virabrequim (o mesmo funcionário do contraterrorismo afirma que o Seal viu Bin Laden pela primeira vez no alto da escada e atirou, mas errou o alvo). Os americanos correram em direção à porta do quarto. O primeiro Seal empurrou a porta para abri-la. Duas das mulheres de Bin Laden tinham se colocado na frente dele. Amal al-Fatah, a quinta mulher do terrorista, gritava em árabe. Ela se moveu como se fosse atacar; o Seal mirou para baixo e atirou nela uma vez, na panturrilha. Temendo que uma delas, ou ambas, estivesse usando coletes suicidas, ele deu um passo à frente, as imobilizou colocando os braços em volta delas e as afastou. Um segundo Seal entrou no quarto e mirou o laser infravermelho de sua M-4 no peito de Bin Laden. O líder da al-Qaeda, que trajava uma túnica amarronzada e um gorro muçulmano, ficou parado; ele estava desarmado. “Nunca houve nenhuma dúvida quanto a detê-lo ou capturá-lo – não foi uma decisão do momento. Ninguém queria presos”, disse-me o oficial de operações especiais (o governo americano insiste que, se Bin Laden tivesse se rendido imediatamente, poderia ter sido levado vivo). Nove anos, sete meses e 20 dias depois de 11 de setembro de 2001, um americano estava a um toque no gatilho de acabar com a vida de Osama Bin Laden. O primeiro disparo, uma bala de 5,56 milímetros, atingiu o peito. Quando ele caiu para trás, o Seal disparou um segundo tiro na cabeça, acima do olho esquerdo. Pelo rádio, comunicou: “Por Deus e pelo país – Gerônimo, Gerônimo, Gerônimo”. Depois de uma pequena pausa, ele acrescentou: “Gerônimo, inimigo morto em ação”. Ao ouvir essa mensagem na Casa Branca, Obama apertou os lábios e disse solenemente, para ninguém em particular: “Nós o pegamos”.
Depois de soltar as mulheres de Bin Laden, o primeiro Seal algemou as duas e levou-as para baixo. Dois companheiros seus, enquanto isso, correram para cima com um saco de náilon para guardar o corpo. Eles o desdobraram, se ajoelharam um de cada lado de Bin Laden e o puseram dentro do saco. Dezoito minutos haviam se passado desde a aterrissagem da equipe do Devgru. Nos 20 minutos seguintes, a missão passou a uma operação de coleta de inteligência. Quatro homens vasculharam o 2º andar, com sacolas de plástico em mãos, recolhendo pen drives, CDs, DVDs e hardwares de computador. Do lado de fora, os americanos reuniram as mulheres e as crianças – todos foram presos com algemas plásticas. O único falante de árabe fluente da equipe de invasão os interrogou. Quase todas as crianças tinham menos de 10 anos. Elas aparentemente não sabiam nada sobre o residente do andar de cima, a não ser que era “um homem velho”. Quando o Chinook de resgate finalmente chegou, um paramédico desceu e se ajoelhou ao lado do corpo. Ele injetou uma agulha no corpo de Bin Laden e extraiu duas amostras de tutano. Mais DNA foi recolhido com cotonetes. Uma das amostras de tutano foi para o Black Hawk. A outra foi para o Chinook, com o corpo de Bin Laden. Em seguida, os Seals precisavam destruir o Black Hawk danificado. O “helicóptero um” foi incendiado enquanto a equipe de demolição subia a bordo do Chinook. Uma fogueira gigante se formou dentro das paredes do complexo, e os americanos foram embora. Após 38 minutos de operação, as duas equipes de Seals precisavam fazer um longo voo de volta ao Afeganistão. O Black Hawk tinha pouco combustível e precisava fazer um encontro com o Chinook no ponto de reabastecimento que ficava perto da fronteira afegã, ainda dentro do Paquistão. Encher o tanque levou 25 minutos. Os helicópteros aterrissaram de volta em Jalalabad por volta de 3 horas da manhã; McRaven e o chefe local da CIA foram encontrar a equipe na pista. Uma dupla de Seals descarregou o corpo e abriu o zíper para que McRaven e o funcionário da CIA pudessem ver o corpo de Bin Laden com os próprios olhos. Foram tiradas fotografias do rosto e depois do corpo esticado. Minutos mais tarde, McRaven apareceu na tela da teleconferência da Sala de Operações e confirmou que o corpo de Osama Bin Laden estava no saco. O cadáver foi enviado para Bagram. Durante todo o tempo, o plano dos Seals era atirar o corpo de Bin Laden no mar – uma forma brusca de acabar com o mito. Ao amanhecer, Bin Laden foi colocado num avião Osprey V-22, acompanhado por um coordenador do JSOC e uma equipe de segurança da polícia militar. O Osprey voou para o sul, com destino ao deck do USS Carl Vinson – um porta-aviões de 300 metros de comprimento, movido a energia nuclear, que navega no Mar da Arábia, ao longo da costa do Paquistão. O avião aterrissou no Vinson sem incidentes. O corpo de Bin Laden foi lavado, embrulhado numa mortalha branca, pesado e depois colocado num saco. O processo foi feito “estritamente de acordo com os preceitos e práticas islâmicos”, Brennan disse mais tarde aos repórteres. O coordenador do JSOC, o contingente da polícia militar e alguns marinheiros colocaram o corpo embalado num elevador a céu aberto e desceram com ele para um andar mais baixo, que funciona como hangar para aviões. De uma altura de cerca de 7 metros, eles empurraram o corpo de Bin Laden para que ele caísse na água.
No dia 6 de maio, o presidente Obama viajou até Fort Campbell, no Kentucky, onde fica a sede do 160º Regimento, para se encontrar com a unidade do Devgru e os pilotos que participaram da operação. McRaven foi receber Obama na pista. Ele conduziu o presidente e a equipe até um prédio térreo, do outro lado da base. Eles entraram numa sala sem janelas, com tapete puído, luzes fluorescentes e três filas de cadeiras dobráveis de metal. McRaven, Brian, os pilotos do regimento e James se revezaram na tarefa de explicar a ação ao presidente. A prestação de contas durou cerca de 35 minutos. Obama quis saber como Ahmed conseguira manter a população local à distância; ele também fez perguntas sobre o Black Hawk que caiu e se as temperaturas acima da média em Abbottabad contribuíram para a queda. Quando James falou sobre a operação, mencionou o papel de Cairo. “Havia um cachorro?”, Obama interrompeu. James balançou a cabeça e disse que Cairo estava na sala adjacente, com uma focinheira. “Eu quero conhecer esse cachorro”, disse Obama. “Se o senhor quer conhecer o cachorro, senhor presidente, eu o aconselho a levar uns agradinhos para ele”, respondeu James. Obama foi acariciar Cairo, mas o cachorro ficou com a focinheira. Obama e seus conselheiros foram para uma segunda sala, onde outros envolvidos na operação estavam reunidos. Obama presenteou a equipe com uma condecoração e disse: “Nossos profissionais de inteligência fizeram um trabalho incrível. Eu tinha 50% de confiança de que Bin Laden estivesse lá, mas confiei 100% em vocês. Vocês são, literalmente, a melhor pequena força de combate do mundo, de todos os tempos”. A equipe presenteou o presidente com uma bandeira americana que estava a bordo do Chinook de resgate. Medindo 1 metro por 1,5 metro, a bandeira tinha sido esticada, passada e emoldurada. Os Seals e o piloto haviam assinado atrás; e na frente havia uma inscrição em que se lia “Da Força Tarefa Conjunta Lança de Netuno, 1º de maio de 2011: ‘Por Deus e pelo país. Gerônimo’”. Obama prometeu colocar o presente em “um lugar privado e de significado especial para mim”. Antes de o presidente voltar para Washington, posou para fotos com cada membro da equipe e falou com muitos deles, mas deixou uma coisa sem ser dita. Obama não perguntou quem tinha dado o tiro fatal. E os Seals não se ofereceram para contar.
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