segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Hamas palestino apresenta novas ambições ao se preparar para deixar base em Damasco


O líder do Hamas, Khaled Meshaal (à esquerda), caminha ao lado do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas


É uma das incógnitas da nova equação do Oriente Médio: que capital árabe aceitará substituir Damasco como quartel-general do Hamas? O movimento islâmico palestino, querendo se distanciar do regime pária do presidente Bashar al-Assad, começou a deixar a capital síria onde ele havia se instalado em 2000-2001, após sua expulsão da Jordânia, em agosto de 1999. Seus dirigentes que estão no exílio, a começar por Khaled Meshaal, o líder do braço político, o órgão executivo do Hamas, se reorganizaram em Sanaa, Cartum, Cairo, Doha ou Amã, em busca de um novo ponto de ancoragem.

Longe de enfraquecê-los, essas adversidades regionais parecem convir aos islamitas palestinos, que, pegando carona nas “primaveras árabes”, se imaginam atores da recomposição do Oriente Médio. Prova disso é a recente virada de Ismail Haniyeh, primeiro-ministro da Faixa de Gaza, recebido com todas as pompas em Túnis e no Cairo, e o papel de mediador entre Damasco e a Liga Árabe do qual Khaled Meshaal agora se orgulha. “O islamismo político está em plena ascensão”, ressalta Robert Blecher, analista do International Crisis Group. “Os Estados Unidos abriram um diálogo com a Irmandade Muçulmana egípcia. O Hamas está convencido de que a região está se movendo a seu favor. Ele se sente forte”.

Em Damasco, a direção do movimento palestino dispunha até recentemente de dois endereços diferentes: um luxuoso salão, no bairro de Mezzeh, na entrada oeste da capital, abaixo do palácio presidencial, onde Khaled Meshaal recebia seus interlocutores; e instalações mais administrativas, em Dummar, no subúrbio norte da capital síria. Embora seja difícil saber se esses escritórios estão sendo fechados, todos os bons conhecedores do cenário político de Damasco afirmam que eles estão se esvaziando. “Há somente uns poucos funcionários”, diz um diplomata estrangeiro residente na Síria. “É uma presença simbólica, para não ofender Bashar al-Assad. Meshaal passa de vez em quando, mas na prática o Hamas foi embora.”

Segundo outra fonte em Damasco, os últimos membros do Hamas que não fizeram as malas foram aqueles encarregados de liquidar os bens do movimento na Síria, que incluiriam restaurantes. “Nos dez anos em Damasco, eles tiveram tempo de fazer seu dinheiro render”, diz esse observador. “Os membros eram muito bem pagos, andavam de 4x4 novinhos e a decoração de seus escritórios era sofisticada. Eles emburguesaram, um pouco como a OLP em Túnis, nos anos 1980”.

Muitos agentes subalternos optaram por Gaza, onde chegaram nas últimas semanas em companhia de suas famílias. Mas a preferência dos altos dirigentes é pelo Cairo. Centro do mundo árabe, situado no limite do campo de manobra palestino-israelense, em conexão direta com a Faixa de Gaza, a capital egípcia apresenta inúmeros atrativos. Tanto que a chegada ao governo da Irmandade Muçulmana, o grande movimento islamita egípcio de onde saiu o Hamas, poderá garantir aos antigos “damascenos” uma certa liberdade de ação. A julgar pelo que diz o jornal pan-árabe “Al Hayat”, Moussa Abou Marzouk, número dois do comitê político, já teria tomado os bairros à beira do Nilo. Vários de seus colegas o teriam imitado, sob pretexto de uma participação no processo de reconciliação com o Fatah, o partido do presidente Mahmoud Abbas, que é orquestrado pelos moukhabarat (serviços secretos) egípcios.

No entanto, é pouco provável que o Cairo possa absorver toda a caravana palestino-islâmica. Monstro urbano, local de misturas desenfreadas, sujeita a irrupções, a megalópole egípcia não oferece as mesmas garantias de segurança que a Damasco dos anos 2000, cercada pelos serviços de inteligência sírios. “Há poucas chances de que um homem como Emad al-Alami, ligado ao braço militar do Hamas, Ezzedine al-Kassam, consiga o sinal verde das autoridades egípcias”, diz um jornalista palestino, especialista em questões de segurança. “Elas teriam medo demais de que o Mossad (central de inteligência israelense) fosse liquidá-lo ou que um ataque fosse conduzido em Israel, e que elas fossem acusadas de abrigar terroristas”.

A reviravolta política causada pela iniciativa dos agentes do Mossad, que tentara em vão assassinar Khaled Meshaal em 1997, em pleno centro de Amã, ainda está bem viva nas mentes. Ainda dependente da ajuda financeira de Washington, que considera o Hamas um movimento terrorista, o Cairo poderia hesitar em receber uma personalidade tão emblemática. Portanto, seu destino continua sendo um dos mistérios do atual e imprevisível jogo geopolítico.

No outono de 2011, o reino da Jordânia havia dado a impressão de estar disposto a se reconciliar com aquele que em 1999 ele acusara de “ameaçar sua estabilidade”. A reaproximação com o Hamas devia supostamente seduzir a Frente de Ação Islâmica, o braço jordaniano da Irmandade Muçulmana, envolvida em um movimento de protestos contra o governo. Em contrapartida de uma normalização das relações, o Qatar, onde Meshaal havia residido em 2000 antes de voltar para Damasco e onde ele mantém excelentes contatos, começava a apoiar a candidatura da Jordânia ao Conselho de Cooperação do Golfo, o clube das petromonarquias da Península Arábica.

Mas, ao final de novembro, o palácio hachemita pôs um fim às especulações, anunciando que Meshaal não seria autorizado a entrar na Jordânia, mesmo tendo seu passaporte. “É provável que Amã tenha cedido às pressões dos Estados Unidos e da Arábia Saudita”, diz Mouin Rabbani, pesquisador do Instituto de Estudos Palestinos, que vive na Jordânia. “Riad ainda não perdoou o Hamas pelo fracasso no Acordo de Meca, em 2007, que em vez de acalmar as tensões com o Fatah resultou na ascensão dos islamitas ao poder em Gaza”.

Por não ter domicílio fixo, Meshaal oscila entre três capitais: Cairo, onde acontece a reconciliação interpalestina; Doha, onde a família reinante sempre foi generosa com ele; e Damasco, onde em todo caso ele mantém um pé. Uma grande distância que ele suporta sem dificuldades. “O Hamas se beneficiou com as reviravoltas na região, pois ele soube assumir riscos”, diz Peter Harling, analista do International Crisis Group. “Ao contrário do Hezbollah, ele teve a audácia de colocar em xeque sua aliança com Damasco. O Hamas se encontra em sintonia com as opiniões públicas árabes no momento em que elas estão despertando”.

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