segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Dentro do avião, é possível ter uma visão diferente do conflito no céu sobre o Afeganistão


Um F/A-18 recebe combustível de um KC-10 na província de Kandahar, no Afeganistão


O comandante Layne McDowell olhou por cima de seu ombro esquerdo, pelo vidro de um F/A-18 da Marinha, para um cânion afegão a 2.750 metros ali embaixo. Uma companhia de infantaria norte-americana estava no local.

Os soldados foram levados por um helicóptero. Agora um controlador de solo queria que os três aviões que sobrevoavam o local enviassem um sinal – tanto para os soldados quanto para quaisquer guerrilheiros do Taleban que os tivessem seguido enquanto andavam.

McDowell virou a aeronave e alinhou o nariz de seu jato com a ponta nordeste do cânion. Então eles seguiram a liderança de seu “wingmen”. Ele mergulhou, nivelou em 1.500 metros e acelerou em direção ao eixo do cânion a cerca de mil quilômetros por hora, revelando sua proximidade com um ronco demorado do motor.

No vocabulário do apoio aéreo próximo, sua manobra foi uma “demonstração de presença” - uma demonstração não letal, a meia-altitude, com a intenção de dar segurança às tropas em solo e sinalizar para o Taleban que os soldados não estavam sozinhos. Isso reflete uma mudança drástica na aplicação da força aérea dos EUA, retirando a ênfase da violência intensa e favorecendo ataques que com frequência terminam sem o uso de munição.

O uso do poder aéreo mudou notavelmente durante o longo conflito afegão, refletindo os custos políticos e as sensibilidades das mortes de civis causadas por ataques errantes ou indiscriminados e o uso cada vez maior de aviões teleguiados, que podem observar alvos potenciais por períodos extensos de tempo sem riscos para os pilotos ou aviões mais caros.

Os jatos de guerra com pilotos, entretanto, continuam sendo um componente essencial da guerra, em parte por que pouca coisa no arsenal aliado é considerada tão versátil ou imponente, e por causa das melhorias nos sensores das aeronaves.

A carreira de McDowell seguiu as mudanças de seu papel. No início da guerra em 2001, as aeronaves norte-americanas costumavam atacar de forma a maximizar a violência. Havia semanas de ataques com munição de precisão guiada.

Voando com um esquadrão de F-14 a partir do porta-aviões USS Enterprise, McDowell lançou 2,7 toneladas de munição na primeira semana da guerra, destruindo uma aeronave do Taleban e veículos no campo aéreo Herat e atacando campos de treinamento e quartéis na província de Kandahar.

Ele já havia pilotado durante dois anos em Kosovo e no Iraque, onde em 32 ataques ele havia soltado 15,8 toneladas de munições guiadas, inclusive contra quartéis sérvios que foram atacados quando se acreditava que havia o maior número de soldados dentro.

“Nossa cultura é uma cultura de presas para fora, de matar-matar-matar”, disse ele. “É assim que treinamos. E na época, a mentalidade era: número máximo de inimigos mortos, número máximo de bombas no avião, para atingir um efeito psicológico máximo.”

Isso foi naquela época. Há pouco mais de uma década, sua missão mais comum é o que é chamado de “supervigilância”, escaneando o solo com sensores infravermelhos e informando o que via para os soldados lá embaixo.

Em 953 saídas de apoio feitas por Super Hornets 44F/A-18 a bordo do porta-aviões USS John C. Stennis, de onde McDowell decola agora, as aeronaves lançaram artilharia apenas 17 vezes. Elas voaram em altitudes baixas ou médias 115 vezes.

As mudanças nas missões e táticas refletem em parte as adaptações do Taleban. Mas guiadas por regras complexas de combate e por uma doutrina que enfatiza a proporcionalidade e a contenção, elas também refletem o que McDowell chama de “mentalidade diferente”.

Hoje em dia, buscar a certeza na seleção dos alvos e minimizar a morte de civis se tornou uma prática padrão. Projetar o poder de forma não letal é uma rotina. Lançar bombas não.

“Muita coisa mudou desde que eu estive aqui pela primeira vez”, disse ele, olhando para baixo, no Afeganistão, num voo de seis horas na semana passada. “Agora eu prefiro não lançar nada – se puder cumprir a missão de outras formas.”

Um dia de trabalho

O dia de trabalho de McDowell começou às 4h30, quando ele acordou numa pequena cabine de navio e se preparou para uma longa saída. Às 5h30, ele estava em reunião para as instruções de voo.

O tenente comandante Fran Catalina, um piloto que estaria em seu esquadrão, lembrou que a guerra do Afeganistão, em seu 11º inverno, ainda continuava, e que o alcance do porta-aviões da Marinha era bem vindo – mesmo no interior do país. “Houve 43 ataques iniciados pelo inimigo no último período relatado”, disse ele, mostrando um mapa. “Muito movimento ontem.”

Cada dupla de piloto e oficial de sistemas de armas, que voa no assento de trás de um F/A-18F, recebeu a missão de apoiar uma unidade de solo diferente.

Às 7h15, depois de vestir o cinto do assento de ejeção e os coletes de sobrevivência e coletar suas pistolas, eles subiram no avião que os esperava, armado e abastecido, no convés de decolagem. O porta-aviões estava navegando contra o vento do mar Arábico do Norte.

A aeronave carregava uma mistura de bombas guiadas por laser e GPS, mísseis aéreos que buscam o calor, e munição para um canhão de 20 milímetros.

Logo antes das 8h, depois da checagem pré-voo, McDowell taxiou até uma das quatro catapultas do navio, onde os marinheiros prenderam a roda da frente do jato com uma barra. Ele ligou os motores duplos do Vengeance com força total. Os motores roncaram. O avião tremeu.

Ele acenou para um marinheiro no convés de voo. O marinheiro acenou de volta. “Cinco segundos”, disse McDowell.

Ele ergueu o queixo, pressionou a parte de trás de seu capacete contra o assento e contraiu os músculos enquanto se preparava para a decolagem.

A barra foi solta. A catapulta movida a vapor lançou o avião adiante. O Vengeance 13 acelerou para 290 quilômetros por hora em cerca de 60 metros. Ele se lançou para fora da proa do navio. Aquilo levou talvez dois segundos. Ele havia acabado de experimentar uma força de 3,5 Gs, e estava voando, pouco acima das ondas.

“E estamos no ar”, disse ele.

McDowell deverá assumir o comando de um esquadrão F/A-18 em maio. Ele tem 38 anos, é graduado na Academia Naval e ex-piloto de teste. Seu codinome – Keebler – diz respeito, segundo ele, à sua baixa estatura e gosto por doces.

O apelido também sugere um elogio. Pilotos mais baixos normalmente conseguem suportar forças gravitacionais maiores quando fazem viradas rápidas de raio mínimo ou os mergulhos, rolagens ou subidas das manobras. McDowell, que já suportou a força de 7G sem perder a consciência, é conhecido, em seu ramo, como um “monstro-G”.

Num voo anterior a partir do porta-aviões ele havia demonstrado para um repórter no assento de trás o que um F/A-18F podia fazer, deixando o repórter desorientado – e nauseado – a 6,5 Gs, conversando calmamente enquanto lançava o avião num mergulho supersônico e numa série de manobras sobre o Golfo de Omã.

Para um voo de combate no Afeganistão, entretanto, ele conservaria energia e combustível. Ele voou no mesmo nível a 150 metros por 11 quilômetros, subiu para a esquerda até 7.600 metros, onde foi acompanhado por dois outros Super Hornets.

O trio se dirigiu para o norte para sua primeira missão, para apoiar uma companhia que havia acabado de chegar no vale em Kandahar.

Para chegar lá, eles voaram por uma faixa designada de espaço aéreo no oeste do Paquistão. Conhecido como “Boulevard”, o corredor é uma ponte aérea movimentada – a rota pela qual o Paquistão permite que as aeronaves da Otan acessem o Afeganistão. Para aviões de bases aéreas no Golfo Pérsico, esta é a forma de contornar o Irã.

O voo de McDowell, comandado pelo capitão Dell Bull na Vengeance 11, ultrapassou aeronaves mais lentas que iam para a guerra. Por volta das 9h15, o voo cruzou a fronteira afegã.

Um avião-tanque KC-10 da Força Aérea esperava à frente, voando num círculo amplo sobre um deserto no centro-asiático. Ele lançou uma mangueira que terminava num cesto em volta de uma pequena válvula. Era hora de reabastecer.

O Vengeance 13 foi primeiro. Depois que o Vengeance 11 também reabasteceu, os dois jatos foram para sua missão; o Vengeance 12 se juntaria a eles mais tarde. Dell checou com o controle de solo, que disse que a companhia havia recebido fogo no início da manhã.

Por cerca de uma hora, o avião usou sensores infravermelhos para observar prédios no cânion, cobrindo o movimento dos soldados. O Talebã não se mostrou.

Uma nova mentalidade

Depois de reabastecer uma segunda vez, os jatos checaram com um controlador de solo próximo do rio Arghandab, a área que no final de 2010 foi uma parte importante da ofensiva para expulsar o Taleban. Antes daquela ofensiva, a presença norte-americana ao longo do rio foi leve. Agora, do ar, a pegada militar era clara. O rio era uma rede de postos e bases com muros altos, muitos vigiados por câmeras montadas numa espécie de balões blindados.

Se um lugar pode retratar como o papel de McDowell mudou no campo de batalha ao longo de sua carreira, é este. Ele fez uma curva lenta para a esquerda, apontando para uma área em que dias antes uma patrulha de infantaria havia lutado com atiradores afegãos.

Os atiradores haviam atirado de um campo não longe da Base de Operações Wilson e depois correram para o meio de prédios de parede de argila, disse ele. McDowell chegou ali em minutos.

O que aconteceu depois mostrou o contraste entre as velhas práticas e as novas.

Os homens da infantaria explicaram o prédio para ele. Então o marcaram atirando uma granada de fumaça em suas paredes. Acima do rio, McDowell fixou seu sensor infravermelho no conjunto de prédios, compartilhando a imagem de vídeo com um controlador de solo, que confirmou que ele estava olhando para o lugar certo. O que fazer?

Em 1999, no fim da guerra de Kosovo, McDowell disse que os pilotos costumavam matar rotineiramente. Numa saída, na corrida para impedir que os sérvios matassem os albaneses étnicos, McDowell lançou uma bomba guiada a laser de 450 quilos na boca de um túnel em que cinco caminhões que carregavam soldados sérvios haviam acabado de entrar. Os estilhaços e a onda de pressão da explosão provavelmente mataram todos os homens.

Na época, as regras de combate permitia aos pilotos acompanharem veículos suspeitos de serem militares.

“E se um veículo militar parasse numa casa, nós buscaríamos o paradeiro do motorista”, disse. “Se conseguíssemos identificar que o caminhão era militar sérvio, e havia parado por um longo período numa casa, assumíamos que ele estava parado para se reabastecer e dentro de poucos dias a casa era destruída.”

Pouco mais de doze anos depois, ele estava acima de uma casa na qual pelo menos dois guerrilheiros do Taleban haviam se abrigado depois de atirar numa patrulha dos EUA. Mas ele não sabia se havia mais gente lá dentro. Nem ele nem os soldados pediram autorização para um ataque aéreo.

“E se eu tivesse atirado naquela casa e ela tivesse dois caras armados, mas também oito crianças?”, disse ele.

Acima do rio Arghandab, ele passou pela casa que ele e as regras haviam poupado.

Mostrando o monitor de ataque na cabine, ele apontou para a proximidade com outras casas, e descreveu os limites do que ele sabia sobre os chamados “padrões de vida” - o ritmo da atividade humana no complexo onde os guerrilheiros do Taleban haviam se escondido.

“Eu não sabia nada disso em Kosovo”, disse ele.

O alcance do porta-aviões nuclear, aumentado com os aviões-tanque, possibilitou que o jato de guerra percorresse 1.290 quilômetros a partir do navio. Mas qual seria o ponto se o poder de projeção não fosse usado de forma responsável? As mudanças foram boas, disse ele.

“Eu diria que antigamente eu teria ficado frustrado, porque temos munição e sabemos onde o inimigo está, e eu teria buscado permissão para atacar o prédio”, disse ele. “Se eu me senti frustrado desta vez? Nem um pouco. É uma missão diferente. Ela pede uma mentalidade diferente.”

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