quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Em Sanaa, de uma praça a outra, as duas faces de um Iêmen ainda dividido


A saída programada do presidente Saleh desmobiliza sua ala. A oposição teme uma reviravolta

Manifestante iemenita mostra mão manchada de sangue depois de transportar um companheiro ferido ao hospital após confronto com simpatizantes do presidente Ali Abdul Saleh, em Taiz. Pelo menos uma pessoa morreu e outras nove ficaram feridas 

Na família Haymi, o almoço de segunda-feira é primeiramente de comilança. Depois ele se anima repentinamente com os debates semanais entre Khaled, seguidor do presidente Ali Abdallah Saleh, e Mansour, “revolucionário” desde o início. Sob o olhar de pais que não conseguem se posicionar de nenhum dos dois lados, por somente uma hora, os dois irmãos só falam em imunidade, em eleições antecipadas ou no “novo Iêmen”.

Assim que termina a refeição, cada um retoma a direção de seu lugar preferido em Sanaa: a Praça Tahrir (Libertação), no caso do primeiro, e a Praça da Mudança no caso do segundo. Antes de se separarem, eles nunca se esquecem de se tratar mutuamente por “mercenários”. Os dois homens concordam, eles nunca se falaram tanto como agora.

Apesar do início de uma transição política que prevê a saída de Saleh em fevereiro, a “revolução”, após onze meses, continua no Iêmen. “Que a crise”, corrige Khaled, 33, “tenha o mesmo tanto de anos que o presidente ficou no poder”.

Este voluntário da federação de esportistas deficientes e funcionário do escritório de questões sociais vai todos os dias até a Praça Tahrir. Mas ele não fica ali por muito tempo. “É preciso também olhar as mobilizações na Sabayn”, explica, um tanto irritado, o partidário do presidente. Toda sexta-feira, dia da grande prece, os seguidores do chefe do Estado se habituaram a se reunir às centenas de milhares na artéria que corta Sanaa. “Além disso, como muitos iemenitas, eu apoio o presidente, mas em minha casa”, ele diz, diante do vazio da Tahrir, o outrora ruidoso e agitado bastião presidencial.

Uma velha senhora percorre a praça, com o torso coberto de distintivos com a efígie do chefe do Estado. Mas alguns dos outros militantes presentes estão deitados sob as pesadas tendas de lona, com o rosto inchado de khat, planta de efeitos euforizantes muito apreciada pelos iemenitas. Chegar cedo demais a Tahrir significa assumir o risco de ver contrarrevolucionários adormecidos. Chegar tarde demais é garantia de encontrá-los concentrados mascando brotos do vegetal.

Entre esses dois momentos, a Praça da Libertação é habitada sobretudo por um odor difuso de urina e cercada de comerciantes irritados com os poucos lucros após onze meses de revolução. “Sim para Ali!”, lê-se na tenda que representa o vilarejo de Ben Sad Ans; “Não saia!”, na de Aoulad Suraih. Mas os retratos de Ali Abdallah Saleh são bem mais numerosos que seus partidários.

Mas nas primeiras horas da revolução, o regime havia vencido uma primeira batalha, simbólica, ao ocupar essa Praça da Libertação, sinônimo no Egito da queda do presidente Hosni Mubarak. A Tahrir vibrava, solidamente mantida por partidários enviados dos distritos vizinhos, de porretes nas mãos, com comida e abrigo oferecidos pelo Congresso Geral do Povo, o partido situacionista.

Algumas centenas de metros adiante, a Praça da Mudança ainda vibra. “No começo a gente se perguntava se se sairia tão bem quanto no Cairo”, lembra Mansour, 28. O estudante de direito observara em fevereiro, “estupefato”, os iemenitas correram em massa para a praça da nova universidade, que foi renomeada. Ela foi tomada por milhares de barracas, graças especialmente ao apoio logístico e financeiro do Al-Islah, o partido islâmico, e de suas personalidades. “Eu tinha certeza de que estava no caminho certo. Meu irmão mais velho não parava de repetir para meu pai: ‘veja como era antes! Não havia confrontos, ou exército nas ruas!’ Eu dizia para meu pai: ‘há uma transição acontecendo, ‘nossa vida ficará melhor’, ‘são os outros que vivem na ilusão’.

Mansour convidou Khaled a visitar a Praça da Mudança, um pequeno Iêmen improvável, onde todas as categorias sociais e horizontes geográficos estão representados. “Veja, meu irmão”, ele lhe disse, “você precisa seguir aquelas pessoas, e não somente uma pessoa. Você não pode esquecer a vontade do povo”. O mais velho lhe respondeu: “Eu também sou a favor da mudança, mas não dessa maneira. Há oportunistas encabeçando essa revolução”. Khaled não consegue ser nem totalmente a favor do presidente, nem totalmente contra os revolucionários.

Ele observa o último grupo de homens da Tahrir, “com a cabeça vazia, ocupando o espaço mecanicamente”. Do lado da Praça da Mudança, ele vê “gente culta, sim, mas sem uma visão do futuro”. Mansour, certo de que o presidente não cumprirá suas promessas, permanece mais mobilizado do que nunca. “A revolução terminará quando o presidente e seus acólitos saírem”. Na Praça da Mudança, as mobilizações não enfraquecem, agora prontas para atacar a corrupção dos políticos de todos os lados, acusados de terem vendido o movimento revolucionário pelo preço de uma imunidade concedida ao presidente.

Agora, Khaled e Mansour evitam falar demais sobre política durante o almoço de sexta-feira, pois senão “o tom muda”. Eles perguntam aos pais, camponeses de Hajja, por notícias do país e das colheitas. E continuam a se despedir com um “tchau, mercenário.”

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