quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Em meio à Primavera Árabe, Catar torna-se mediador onipresente no mundo muçulmano


O emirado supre o vazio diplomático do Egito e da Arábia Saudita no Oriente Médio

O anúncio na semana passada de que os taleban afegãos vão abrir um escritório político em Catar diz tanto ou mais sobre o crescente peso político desse pequeno emirado como sobre as intenções da milícia. A diplomacia catariana há vários anos media os problemas mais intratáveis da região (Sudão, Iêmen, Líbano). Desde a eclosão da Primavera Árabe seu alinhamento com as revoltas deu ênfase a esse esforço. Como o empenho para abrigar grandes eventos desportivos, sua política externa busca prestígio internacional, mas é sobretudo a estratégia de sobrevivência em um entorno regional difícil de um país limitado por sua demografia, embora dotado de importantes recursos naturais.

Com 11.500 quilômetros quadrados e uma população autóctone de apenas 250 mil, Catar adquiriu um peso internacional muito acima do esperado. O entusiasmo que demonstrou pelas revoltas na Tunísia, Egito, Iêmen, Líbia ou Síria contrasta com a prevenção que as mudanças despertaram na Arábia Saudita e as aparentes simpatias que despertaram no Irã. O apoio operacional do Catar à zona de exclusão aérea líbia foi decisivo para legitimar a resolução da ONU que assinou a sentença de morte do regime de Gaddafi. Além disso, o emirado mostrou-se mais rápido que o Ocidente para aceitar a realidade da ascensão islâmica trazida pela derrubada dos ditadores.

"Catar se destaca porque ninguém mais tem uma política ativa na região", interpreta Tarik Yousef, principal pesquisador do Instituto Brookings e diretor da Silatech, uma iniciativa para criar emprego juvenil baseada em Catar. Na sua opinião, Egito e Arábia Saudita, os poderes tradicionais, estão ficando à margem, o primeiro absorto em seus próprios problemas e o segundo sem reflexos.

Yousef admite que também pesa o fato de o emirado "ter boas relações com as potências que contam, ser visto como um interlocutor justo e ter os recursos financeiros necessários". De fato, alguns observadores tacharam seus esforços de "diplomacia de talão de cheques". Dispor das terceiras reservas mundiais de gás ajuda, mas não basta. Os analistas consultados destacam o envolvimento pessoal do emir e do primeiro-ministro, tanto para evitar que o Líbano se precipitasse em uma nova guerra civil em 2008 como para arrecadar apoios para a oposição líbia na primavera.

No entanto, nem todos compartilham a ideia de que existe um vazio. E a insistência de Catar em participar de algumas crises incomodou seus vizinhos. Foi o caso do Egito, ao saber de seu envolvimento no Sudão, país que considera dentro de sua esfera de influência, e da Arábia Saudita pouco depois, devido a sua tentativa de ajudar o governo iemenita a encerrar a crise com os rebeldes huthi. Agora, a anunciada abertura de um escritório taleban em Doha volta a deixar de lado esse reino, que foi o principal financiador da milícia afegã.

Mehran Kamrava, que dirige o Centro de Estudos Internacionais e Regionais da Universidade Georgetown em Catar, considera que a principal motivação do emirado "é uma estratégia de sobrevivência de um Estado pequeno em um entorno difícil, o que exige a participação ativa com o restante do mundo".

A sobrevivência buscaria em última instância a segurança da família governante, os Al Thani, uma monarquia absoluta que, como o resto das da região, aprendeu a lição da invasão iraquiana do Kuwait em agosto de 1990. Esse objetivo também explicaria algumas das contradições que os críticos atribuem à diplomacia catariana, como que não tenha demonstrado no caso de Bahrein a mesma simpatia que com o resto das revoltas.

"A política externa de Catar se move pelo interesse nacional", explica Kamrava em um e-mail. Na Síria, como antes na Líbia, os governantes catarianos teriam chegado à conclusão de que seu líder está acabado e que o derramamento de sangue não convém para a estabilidade regional. Em Bahrein, pelo contrário, estimaram "que os Al Khalifa não vão fazer concessões às reformas porque a Arábia Saudita não o permitiria e em consequência qualquer esforço em apoio dos opositores do regime seria inútil".

Alguns observadores quiseram ver um fator religioso nessa atitude. Os Al Thani de Catar são sunitas como os Al Khalifa de Bahrein, enquanto o grosso dos que pedem reformas nessa ilha-Estado são xiitas. No entanto, essa consideração sectária não impediu que o emirado mantenha boas relações com o regime xiita do Irã e tenha se chocado com a monarquia sunita dos Al Saud, de quem até duas décadas atrás se considerava vassalo.

Do mesmo modo, seus governantes mantiveram em seu território o comando central e uma base aérea dos EUA sem ser tachados de lacaios. Oportunistas para alguns e realistas para outros, conseguiram cultivar uma imagem de neutralidade que constitui o melhor trunfo de sua política externa. No entanto, à medida que sua atividade diplomática situe o Catar no centro do palco, a necessidade de tomar posições tornará mais difícil conservá-la.

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