quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Diplomatas alemães abrem canal de diálogo com o Taleban
Após meses de negociações secretas, o Taleban está abrindo um escritório político em Catar, em um primeiro passo rumo a negociações de paz entre os Estados Unidos e o grupo. Esse acontecimento inédito deve-se em grande parte à meticulosa diplomacia alemã. Mas é possível que decorram anos até que a iniciativa gere frutos.
O homem que desembarcou no aeroporto coberto de neve de Munique no último fim de semana de novembro de 2010 deveria ter a menor interação possível com as operações aeroportuárias normais. Ele chegou em um Falcon 900EX, um avião a jato trireator oficial do Bundesnachrichtendienst (BND, Serviço Federal de Informações), a agência de inteligência externa da Alemanha, após ter embarcado no Golfo Pérsico. A seguir, autoridades alemãs o conduziram às acomodações preparadas pelo BND.
Em uma situação normal, esse homem, Tayyab Agha, teria sido preso na Alemanha como terrorista. Agha faz parte de uma lista de lideranças do Taleban. Mas não havia nada de normal quanto àquele fim de semana. A reunião ultrassecreta, organizada pelo BND e pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, foi um acontecimento político inédito. Ela marcou o início das conversações entre o Taleban e o governo dos Estados Unidos, que enviou a sua própria delegação a Munique.
Agora, mais de 13 meses depois, é evidente que as negociações foram um sucesso. Na última terça-feira, o Taleban anunciou planos para inaugurar um escritório no emirado de Catar, no Golfo Pérsico. Conforme explicou o porta-voz Zabiullah Mujahid em uma declaração publicada na Internet, o local será “um escritório político para negociações”.
Um escritório em Catar? Isso não parece ser algo exatamente drástico. Entretanto, a iniciativa transmite a mensagem de que todas as partes concordaram com o início de negociações de paz envolvendo o Taleban, o governo em Cabul e as forças militares internacionais estacionadas no Afeganistão. Ela também indica que o Taleban está agora ingressando em um cenário global, mesmo que o escritório do grupo não tenha o status de missão diplomática.
Conversando com os inimigos
Agora, em janeiro de 2012, uma mudança significativa está ocorrendo em relação a um conflito que no passado parecia ser impossível de ser resolvido: os norte-americanos conversarão com os seus inimigos mortais. Esses são os homens responsáveis pelas mortes de 1.783 soldados norte-americanos e de quase 990 militares de outras nacionalidades no decorrer da missão internacional no Afeganistão, e eles ainda apoiam a rede terrorista Al Qaeda.
O objetivo das negociações é proporcionar ao Afeganistão uma alternativa política para o período que se seguirá à retirada das tropas ocidentais em 2014. Tudo parece possível, até mesmo a inclusão do Taleban em um governo de unidade nacional.
A liderança do Taleban, comandada pelo mulá Mohammed Omar, chegou até a indicar que concordaria com uma das principais condições estabelecidas pelo Ocidente: a ruptura com a Al Qaeda e a renúncia ao terrorismo internacional. Isso seria um sinal capaz de permitir que os governos ocidentais clamassem que, apesar de tudo, a missão militar no Afeganistão foi um sucesso.
Quando era candidato, o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu que conversaria com os “inimigos” dos Estados Unidos. E agora o vice-presidente Joe Biden chegou até mesmo a afirmar: “O Taleban em si não é nosso inimigo”. A afirmação seria uma atitude inicial no sentido de gerar confiança.
Procura difícil por parceiros confiáveis
Mas o que fez com que o Taleban acolhesse a ideia de conversar com os norte-americanos, algo que vai de encontro às promessas do grupo de não negociar com o Ocidente até a retirada das tropas estrangeiras? Segundo um afegão que tem vínculos com a Quetta Shura, o conjunto de líderes do Taleban afegão ligados ao mulá Omar, a liderança do Taleban acreditava que os norte-americanos poderiam ser convencidos a se retirar completamente do país, e que a melhor forma de fazer com que isso se concretizasse seria por meio de negociações. “No entanto, se no final do processo não houver a retirada, também não haverá acordo algum”, alerta o afegão.
Aparentemente, o Taleban sente também que até mesmo uma vitória na sua campanha contra o atual regime do Afeganistão poderia ser desastrosa para o grupo. Eles seriam capazes de assumir o poder em Cabul, mas se o Afeganistão estivesse falido, isolado do resto do mundo e se fosse novamente tratado como um pária global, as vantagens seriam ínfimas. Isso já havia ocorrido anteriormente à derrubada do Taleban em 2001, quando os únicos países a reconhecerem o “Emirado Islâmico do Afeganistão” eram a Arábia Saudita, o Paquistão e os Emirados Árabes Unidos. Até mesmo o Taleban percebeu que, sem receber bilhões de dólares e euros em ajuda externa, o Afeganistão chegaria à beira do colapso após 2014.
Para os norte-americanos, o mais difícil foi encontrar interlocutores reputáveis no grupo do mulá Omar. Os afegãos já haviam oferecido os seus serviços como emissários. Mas alguns deles já tinham sido retirados de circulação no Paquistão, como ocorreu com o segundo homem na cadeia de comando do grupo, o mulá Baradar, no início de 2010, que assumiu a tarefa de negociar com o governo do presidente afegão Hamid Karzai, tendo sido prontamente encarcerado. Outros acabaram revelando-se fraudes, como o suposto lojista da cidade paquistanesa de Quetta, que passou vários meses em Cabul em 2010, alegando ser representante do mulá Omar, apenas para desaparecer com uma fortuna de seis dígitos que lhe foi dada como demonstração de boa vontade.
Outros “emissários” mataram os seus parceiros de negociação em ataques suicidas a bomba, como fizeram os dois homens que assassinaram o ex-presidente afegão Burhanuddin Rabbani, o diretor do Alto Conselho de Paz, na casa dele, em Cabul, em setembro de 2011.
Sondando a situação
Tayyab Agha, por outro lado, foi facilmente reconhecido como sendo uma pessoa confiável. Para o governo alemão, a descoberta dele foi um dos raros momentos de sucesso de diplomacia internacional. Pela segunda vez em um período de poucos meses, após a troca de prisioneiros entre Israel e o Hamas, a Alemanha está atuando como um intermediário internacional.
Ao final de 2009, um exilado afegão que morava na Europa entrou em contato com o BND, afirmando que poderia colocar a agência em contato com a liderança do Taleban. Ele desejava saber se os alemães estariam interessados.
No verão de 2005, o BND já havia sondado a situação para verificar se existia uma base para conversações com os insurgentes. Os alemães hospedaram dois representantes do Taleban em um hotel de Zurique, mas as negociações fracassaram porque o mulá Omar recusou-se a distanciar-se da Al Qaeda.
Desta vez o BND lidou apenas com a questão logística, e deixou que o Ministério das Relações Exteriores liderasse as iniciativas diplomáticas. Na primavera de 2010, Bernd Mützelburg, que à época era o enviado especial da Alemanha para o Afeganistão, reuniu-se pela primeira vez com o homem que representava o Taleban e o mulá Omar: Tayyab Agha.
Reputação de cumprir a palavra
Agha é um parceiro de negociações calmo e equilibrado; um indivíduo de etnia pashtun que tem a reputação de cumprir a palavra. A reunião com Mützelburg ocorreu em um território neutro no Golfo Pérsico, que podia ser facilmente acessado a partir do Paquistão e do Afeganistão.
Em abril de 2010, Mützelburg foi substituído como enviado especial da Alemanha para o Afeganistão por Michael Steiner. A chanceler alemã Angela Merkel autorizou as conversações com o Taleban, assim como fez o presidente Obama. A Casa Branca concordou em garantir a segurança de Agha, uma condição sem a qual ele dificilmente teria concordado com as reuniões, devido ao alto risco de ser preso durante a viagem e acabar sendo enviado para Guantánamo.
Em Washington, Richard Holbrooke, à época o enviado especial de Obama para o Afeganistão, coordenou as negociações. Entretanto, com a sua determinação de liderar as possíveis negociações com o Taleban, ele acabou desagradando vários assessores do governo que, por este motivo, se opuseram a diálogos de qualquer tipo. Shamila Chaudhary, a ex-diretora para o Paquistão e o Afeganistão do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, argumenta que, por não ter conseguido se tornar o secretário de Estado, Holbrooke desejava ser o negociador de paz na região, conforme fez nos Bálcãs.
Clima tenso
A comunicação entre Agha e os negociadores de Berlim foram feitas por meio de intermediários, sem o uso de telefones celulares nem e-mails, de forma que ninguém fosse capaz de determinar o paradeiro dos representantes dos insurgentes. Agha provou que estava realmente em contato com a liderança do grupo islamita ao publicar uma mensagem pré-combinada, atribuída ao Taleban, em um website.
O clima estava extremamente tenso quando ele e os norte-americanos reuniram-se pela primeira vez em novembro de 2010. Os norte-americanos estavam bem conscientes do incidente ocorrido em 2009 na cidade de Khost, no leste do Afeganistão, quando um suposto informante da Agência Central de Inteligência (CIA) detonou um cinturão de explosivos, matando a si próprio e sete agentes da CIA. Mas o BND assegurou que nada correria errado em Munique.
A delegação norte-americana era composta de diplomatas do Departamento de Estado e de oficiais de inteligência. Agha estava acompanhado por dois dos seus colegas mais próximos. Segundo fontes em Washington, a reunião foi um “sucesso notável e inédito”. Em maio de 2011, o governo alemão sediou outra reunião em Munique.
O governo alemão havia obtido agora a experiência para conduzir negociações entre inimigos mortais, um processo que consiste de vários pequenos passos. Agha deu um desses passos no verão passado, quando ajudou os norte-americanos no caso envolvendo Bowe Bergdahl.
Possível acordo
Bergdahl, 25, é um soldado norte-americano que desapareceu, sob circunstâncias ainda nebulosas, do seu posto na província afegã de Paktika, em junho de 2009. Ele deixou para trás a sua arma, a sua roupa especial de proteção contra tiros e os seus rádios transceptores. Em um vídeo divulgado mais tarde pelo Taleban, Bergdahl diz que foi sequestrado.
No verão passado, Agha forneceu aos norte-americanos uma prova de que Bergdahl ainda estava vivo, e ao mesmo tempo demonstrou que tinha acesso aos líderes do Taleban que estariam mantendo Bergdahl prisioneiro. Segundo um acordo que atualmente está sendo negociado, o soldado poderia ser trocado por cinco autoridades graduadas do Taleban que estão sendo mantidas em Guantánamo.
Entre esses prisioneiros estão dois ex-governadores provinciais, o ex-agente de inteligência Abdul Haq Wasiq, e Mohammed Fazl, que foi vice-ministro da Defesa durante o regime do Taleban.
Agha forneceu a lista com os nomes. Segundo o acordo proposto, os prisioneiros seriam colocados sob prisão domiciliar em Doha, a capital de Qatar, onde receberiam assistência da Cruz Vermelha. Ainda não se sabe se essa troca de prisioneiros realmente ocorrerá. Essa seria uma iniciativa potencialmente arriscada para o governo Obama, já que ela forneceria aos republicanos munição para atacar os democratas durante um ano eleitoral. Obama está hesitando, mas sem a troca não haverá negociações políticas, apesar da criação do escritório do Taleban em Qatar.
O problema do presidente reside no fato de a população dos Estados Unidos ainda enxergar o Taleban como um grupo terrorista. Os republicanos estão se rebelando ostensivamente contra qualquer iniciativa de negociação. O senador Saxby Chambliss, representante republicano na Comissão de Inteligência do Senado dos Estados Unidos, faz um alerta contra negociações com “terroristas”, enquanto que o candidato presidencial Mitt Romney acusa Obama de fazer uma “política externa de apaziguamento”.
Vali Nasr, ex-assessor do já falecido Richard Holbrooke, e que atualmente é professor de ciência política da Universidade Tufts, pensa de forma diferente. “Nós vamos sair do Afeganistão, de forma que é melhor negociar um acordo com o Taleban afegão que torne a nossa retirada mais fácil e ajude a estabilizar o país após a nossa partida”, afirmou Nasr em uma entrevista à agência de notícias “Bloomberg”.
Iniciativa para promoção de equilíbrio político
Mas ainda há obstáculos pela frente. Que papel será desempenhado pelo presidente Karzai, pelos iranianos e, o mais importante, pelos paquistaneses? Os norte-americanos tiveram que praticamente obrigar Karzai a concordar com a abertura do escritório do Taleban, devido à intenção óbvia do mulá Omar de boicotar o atual presidente afegão. Mas Karzai está exigindo que o que quer que ocorra agora seja controlado pelo seu governo. Isso é uma ilusão.
A liderança iraniana, que firmou recentemente um pacto de defesa com Cabul, também deseja desempenhar um papel mais importante no Afeganistão e está procurando fazer contatos com o Taleban, apesar de Teerã quase ter ido à guerra contra o Paquistão em 1998, quando este país era controlado pelo grupo. Lideranças militares graduadas no Paquistão também farão tudo o que estiver ao seu alcance para manter o Taleban sob controle.
Muito tempo se passará até que as negociações deem resultados. “Essa é uma iniciativa para a promoção do equilíbrio político, e é mais provável que os resultados sejam percebidos em anos, e não em meses”, dizem autoridades em Washington e Berlim.
Por ora, no entanto, os combates continuam no Afeganistão. Washington insiste em dar continuidade às suas operações do tipo “matar ou capturar”, que resultaram na morte de milhares de guerreiros talibãs nos últimos anos.
E é improvável que o mulá Omar venha a agir de forma diferente.
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