O plano do presidente Hamid Karzai de desmontar as empresas de segurança privadas que protegem bilhões de dólares em projetos de assistência e substituí-las com forças do governo está cheio de problemas. É improvável, portanto, que o prazo estabelecido pelo presidente para a transição, ou seja, até março, seja cumprido, de acordo com uma avaliação do programa desenvolvida durante seis meses.
A avaliação, conduzida pela Otan e pelo Ministério do Interior afegão, descreve dezenas de questões que retardaram o desenvolvimento da nova força de segurança e levanta questões sobre a capacidade do governo de executar e sustentar este e outros programas, na medida em que o dinheiro da assistência internacional e o apoio militar minguarem nos próximos anos.
O relatório, obtido pelo “New York Times”, chegou em um momento em que as empresas de desenvolvimento internacional estão cada vez mais preocupadas com a segurança de seus trabalhadores, muitos dos quais são afegãos.
Karzai disse que a substituição das empresas de segurança privada pelas forças de seu país é um passo importante para a soberania afegã. O general John R. Allen, alto comandante das forças da Otan no Afeganistão, também fez disso um tema central, de acordo com uma autoridade ocidental.
"Tornou-se uma alta prioridade porque, se não funcionar, tudo para", disse a autoridade, que falou sob condição de anonimato para manter o protocolo diplomático. "Se isso não for resolvido, todos vão se retirar, porque ninguém quer uma segurança improvisada".
A Otan, o Departamento de Estado e a Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional estão montando uma força-tarefa que pode chegar a mais de 170 pessoas para assessorar e ajudar a treinar a nova força, de acordo com uma alta autoridade norte-americana e da Otan, ambas falando em condição de anonimato. O Pentágono também vai pedir ao Congresso que sejam apropriados entre US$ 35 e US$ 40 milhões para custear a força-tarefa, disse uma alta autoridade da Otan.
A avaliação deixa claro que muito trabalho precisa ser feito. Dos 166 critérios “essenciais” para determinar que o governo conseguiu recrutar, treinar e sustentar a guarda, menos de um terço será cumprido, disse o relatório. Sessenta e três das medidas talvez nunca sejam cumpridas.
Estão entre as falhas: o programa, que é fiscalizado pelo Ministério do Interior “não tem dinheiro disponível para comprar os equipamentos e suprimentos necessários”; seu centro de treinamento não está ensinando capacidade de liderança e não conseguirá gerar suficientes guardas para cumprir a demanda prevista; e o ministério não conseguiu fornecer o dinheiro inicial –cerca de US$ 10 milhões- para financiar a empresa estatal que dirige o programa.
O programa já fracassou em fornecer pessoal e equipamentos para alguns de seus contratos, segundo a avaliação. Os autores concluíram que a força de proteção da polícia “não está em vias” de assumir as responsabilidades das empresas de segurança privada até março.
O Pentágono referiu-se à avaliação em seu último relatório ao Congresso sobre o Afeganistão, dizendo que além de outros problemas, o Ministério do Interior foi “inadequado e inativo” em relação ao apoio ao centro de treinamento da guarda.
"Exemplos disso incluem a falta de equipamentos, suprimentos médicos, combustível e munição", disse o relatório.
O Ministério do Interior, em resposta a perguntas escritas, insistiu que o programa não foi lento em se desenvolver, acrescentando que os esforços do ministério até agora se concentraram em desmantelar as empresas de segurança privada ligadas a autoridades do governo.
"Todos os preparativos estão sendo feitos para que a Fppa esteja pronta em março", disse o Ministério, usando as iniciais da Força de Proteção Pública Afegã.
Apear dos muitos problemas citados na avaliação, Karzai não hesitou em sua determinação de completar a transição até a primavera, de acordo com várias autoridades. A alta autoridade da Otan disse que a coalizão estava absolutamente comprometida em ajudá-lo. Mas muitos na indústria de desenvolvimento estão cépticos.
"Há que haver uma discussão muito séria, que leve esse relatório em conta, para determinar se a data de transição ainda é viável", disse Stan Soloway, presidente do Conselho de Serviços Profissionais, grupo comercial em Arlington, Virgínia, que representa empresas contratadas pelo governo. "Por esse relatório, parece que não, então não temos muito tempo para lidar com as implicações desse relatório".
A Otan e missões diplomáticas, junto com seus parceiros de desenvolvimento, emprega cerca de 34.000 seguranças de empresas privadas, disse o relatório do Pentágono ao Congresso. Cerca de 93% de todos os guardas de segurança privada são afegãos, mais da metade dos quais são empregados pela Otan, disse o relatório. O plano do presidente inclui exceções para embaixadas e missões diplomáticas e exceções limitadas para algumas bases da Otan.
Empresas de segurança privada há muito são uma fonte de tensão no país. Algumas empresas afegãs se tornaram verdadeiras milícias privadas para senhores de guerra e muitas, inclusive algumas empresas norte-americanas, foram acusadas de corrupção, uso ilegal de armas e uso irresponsável de força, resultando em civis mortos e feridos.
Para conter as empresas, Karzai emitiu um decreto no ano passado exigindo que a maior parte dos guardas fornecidos pelas empresas de segurança privadas fossem substituídos por forças do governo até dezembro de 2010, uma meta pouco viável que ele prorrogou em março, estabelecendo um período de 12 meses de transição.
Mas as preocupações em relação ao cumprimento do prazo e o padrão de qualidade estão causando incertezas entre as organizações. Alguns profissionais das empresas de desenvolvimento dizem que talvez sejam forçados a cancelar seus contratos, se não tiverem clareza sobre a questão de segurança até o final do ano. O momento é importante porque são necessários dois meses ou mais para se encerrar um contrato de desenvolvimento, disseram vários profissionais da área. Eles também estão preocupados com a qualidade e lealdade dos guardas, muitos dos quais perceberão metade do que as organizações de desenvolvimento pagam aos seus guardas afegãos hoje.
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