segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Estados Unidos partem à caça do "profeta" de Uganda

Militar americano instrui forças ugandenses
Não é nem de longe a primeira vez que os EUA enviam tropas à África, mas a recente mobilização de cem membros de suas forças especiais em Uganda causou surpresa e alguma desconfiança nesse país africano. A intenção não poderia ser mais louvável: apoiar as forças ugandenses na luta contra o Exército da Resistência do Senhor (LRA na sigla em inglês). Embora estejam equipadas para o combate, as tropas americanas "só proporcionarão informação, conselho e assistência" às forças ugandenses ou de outros países envolvidos, segundo a carta que o presidente Barack Obama enviou em outubro à Câmara de Deputados para que autorizasse o envio.

O LRA é uma milícia fundamentalista cristã comandada por Joseph Kony, que se considera um profeta e lançou sua rebelião em 1987 do norte de Uganda. Embora tenha nascido para defender os direitos da minoria étnica acholi e seu objetivo inicial fosse implantar um governo baseado nos Dez Mandamentos, suas táticas são brutais: a milícia sequestra crianças para transformá-las em soldados, serventes e escravas sexuais. Os meninos são obrigados a matar amigos ou parentes para que fiquem alienados e não possam voltar a seus povoados. E membros do LRA também cortam os lábios, o nariz e as orelhas de suas vítimas quando atacam povoados.

Desde sua criação, o LRA é responsável pelo sequestro de cerca de 30 mil crianças, segundo números da ONU, e em Uganda chegou a haver 1,7 milhão de pessoas desalojadas pela violência. Atualmente o LRA existe na forma de pequenas unidades mais ou menos autônomas e distribuídas pela selva em uma área entre o Sudão do Sul, a República Centro Africana e a República Democrática do Congo (RDC).

Em 2005 o Tribunal Penal Internacional emitiu ordens de prisão contra Kony e quatro de seus oficiais por crimes de guerra e contra a humanidade. Os EUA creem que atualmente o núcleo do LRA são apenas 200 militantes acompanhados por cerca de 600 reféns.

As autoridades ugandenses estão encantadas com a iniciativa. "Trata-se de algo positivo porque é um apoio encaminhado para tornar esta região mais estável", diz o tenente-coronel Felix Kulayigye, porta-voz do exército ugandense. "Temos a experiência [na luta contra o LRA], mas eles têm a tecnologia." No entanto, os EUA já estiveram envolvidos na última grande operação contra essa milícia: a Operação Lightning Thunder, realizada em dezembro de 2008 e cujo fracasso teve consequências nefastas.

Na época, os exércitos de Uganda, RDC e Sudão do Sul, com o apoio de tropas americanas, planejaram bombardear e assaltar as bases do LRA na região nordeste da RDC. Mas devido a vazamentos dos planos e à descoordenação entre os diferentes exércitos, as tropas do LRA escaparam do ataque e nas semanas seguintes massacraram cerca de 900 civis nessa mesma região, em represália.

Desde então, "o LRA matou mais de 2.400 pessoas, sequestrou mais de 3.400 e desalojou cerca de 440 mil, que fugiram de seus lares por medo", segundo números do último relatório sobre o assunto do Grupo de Crise Internacional.

Dúvidas sobre o papel dos EUA

"Não sei quais são as verdadeiras intenções dos EUA, mas eu gostaria que uma intervenção assim tivesse ocorrido antes, quando a atividade do LRA se encontrava no auge", indica Mohamed Ndifuna, presidente da Human Rights Network Uganda.

Comentaristas ugandenses fazem eco na imprensa local às suspeitas sobre os verdadeiros motivos da operação. Os mais citados são o interesse pelo petróleo descoberto em Uganda e na RDC e a intenção de conter a crescente influência da China na região.

"Os americanos estão na Somália, no Sudão do Sul, vieram aqui... O que parece claro é que os EUA querem ter uma presença visível, forte e sólida na região, e pode ser que queiram contrabalançar a presença da China", salienta Ndifuna.

Entre as vítimas do LRA e aqueles que trabalham com sequestrados que conseguiram escapar, as suspeitas são mais acentuadas. "Não creio que esta iniciativa dê certo, a experiência nos ensina que a opção militar não é a solução para um conflito com essas características", afirma Macleord Baker Ochola, um antigo bispo anglicano em Kitgum, no norte de Uganda.

O "bispo Ochola", como continua sendo chamado, trabalha na reintegração de ex-meninos soldados e lidera uma coalizão de personalidades religiosas que defendem a reconciliação entre o LRA, as vítimas e o governo.

"O Ocidente tem muito gosto pelo petróleo, apesar de eu não saber se é esse o motivo. Mas a pergunta é por que agora [enviam tropas], depois de vários anos em que as pessoas morreram nesta região sem que os EUA fizessem nada", interroga-se Ochola, cuja mulher morreu em um ataque do LRA. Uma de suas filhas se suicidou depois de ser violentada em grupo por membros da milícia.

Daniel Travis, porta-voz da embaixada dos EUA em Uganda, responde a essas alegações: "Por que agora? É simplesmente o resultado de um processo que começou em 2009, quando o Congresso aprovou uma lei sobre a intervenção, o presidente a assinou em 2010 e, para ser sincero, agora nossos compromissos em outras partes do mundo estão sendo reduzidos e temos o pessoal e os recursos para esta missão".

"Negamos categoricamente essas alegações, que estão muito equivocadas, o envio de tropas não tem nada a ver com o petróleo em Uganda, mas faz parte de nossa colaboração com as tropas ugandenses e de outros países na região no combate contra o LRA."

Mas essas respostas não convencem os que, como Ochola, vivem o conflito por dentro desde o início. "Por que não vieram imediatamente depois do fracasso em 2008? Porque quando há uma emergência não se deve esperar. Se a casa está queimando, é preciso apagar o fogo imediatamente ou, se esperar demais, a casa será destruída."

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