Durante semanas, o movimento Occupy Wall Street tem protestado contra a ganância dos banqueiros e a disparidade crescente de riqueza. No passado os indivíduos que criticavam o sistema capitalista poderiam ter sido considerados antiamericanos, mas os problemas sociais crônicos e as frustrações profundamente enraizadas podem estar modificando esse quadro.
Na semana passada, multidões com 300 a 400 manifestantes reuniram-se para acampar no Parque Zuccotti, em Nova York, entre Wall Street e o Ground Zero (local em que ficava o World Trade Center). Até mesmo à noite eles ficaram cercados pela polícia e pelas vans das redes de televisão. Durante o dia, eles tocavam tambores e enviavam tweets. Escritórios móveis se espalharam, laptops brilharam sobre caixas e mesas dobráveis. Cozinhas móveis alimentavam os ativistas cansados, que organizaram sessões de discussões e praticaram meditação tibetana. Os manifestantes usavam máscaras engraçadas e portavam cartazes com mensagens contundentes: “Cadeia para os criminosos financeiros”, “Nacionalizem os bancos já!”, “O sonho americano está morto” e “O muro tem que cair”). Algo está acontecendo na extremidade sul de Manhattan.
Os manifestantes têm se reunido desde 17 de setembro nas ruas em formato de desfiladeiro do distrito financeiro, que fica escurecido pelos arranha-céus mesmo durante o dia. Esses indivíduos são estudantes e donos de imóveis e empresários insolventes, bem como sindicalistas, além de alguns poucos indivíduos de turbante colorido e um punhado de malucos. No início, apenas umas poucas pessoas atenderam ao chamado de vários websites, principalmente do adbusters.org. Depois o grupo fez sensação ao ocupar a Ponte do Brooklyn, e na semana passada não paravam de chegar pessoas para juntarem-se ao grupo do Parque Zuccotti.
O slogan delas é “Occupy Wall Street” (“Ocupar Wall Street”) e o movimento é heterogêneo, mas enérgico. Ele tem como alvo a ganância dos mercados financeiros, o poder dos bancos e os “fat cats” (literalmente, “gatos gordos”, termo usado para designar indivíduos que enriqueceram muito, especialmente graças à especulação e à corrupção) que ocupam as salas de diretorias e que enchem os bolsos de dinheiro enquanto a maioria dos norte-americanos fica cada vez mais pobre.
A menos de três quarteirões da bolsa de valores e da sede de bancos que controlam as operações financeiras globais, essas mensagens são consideradas venenosas, e também incomuns para os Estados Unidos. Aqui, ao contrário da Europa, críticas fundamentais ao sistema continuam sendo raras. Aqueles que ousam fazer críticas são há muito tempo classificados de “ingênuos” ou até mesmo de “antiamericanos”, mas esse ponto de vista está mudando.
Vivendo com medo
Nesta época de crise, e após as experiências intensas da Primavera Árabe, não se sabe se cenas como esta representam parte de uma comédia curta ou de um drama longo, um trecho de um filme familiar antigo ou talvez o início de uma revolução norte-americana.
Agora que o movimento direitista Tea Party esqueceu a sua fúria original contra os banqueiros dos Estados Unidos, e está lutando apenas contra as quimeras de uma suposta ameaça socialista, parece que um movimento populista de esquerda encontra-se em formação.
“Transformar Wall Street na Praça Tahrir”, dizia um cartaz na quinta-feira da semana passada, e o slogan não era totalmente uma piada. Esse pequeno grupo de ativistas de Nova York pode agora considerar-se a vanguarda de uma massa de norte-americanos descontentes, pessoas que estão ficando cada vez mais furiosas desde de pelo menos o colapso financeiro de 2008 e os pacotes de resgate econômico de bilhões de dólares concedidos a bancos e companhias de seguro.
Muitos norte-americanos passaram a suspeitar de que a política de Washington seja cúmplice dos mercados, um problema que a chegada de Barack Obama à Casa Branca foi incapaz de resolver. O presidente chegou até a expressar simpatia pelos manifestantes na última quinta-feira, descrevendo os participantes como “indivíduos frustrados”. O fato de o presidente ter mencionado esse movimento pequeno e novo se constitui no maior sucesso dos manifestantes até o momento.
Mas os problemas sociais crônicos do país agravaram-se ainda mais durante o mandato de Obama. A revista de esquerda “The Nation” sumariza os fatos e números na sua última edição: o salário médio dos norte-americanos em certas áreas caiu consideravelmente nos últimos 40 anos; mais de 46 milhões de cidadãos são classificados oficialmente como pobres, o maior número desde que a coleta desses dados teve início 52 anos atrás; um em cada quatro proprietário de residência não consegue mais pagar as prestações da casa própria; o custo da saúde subiu drasticamente, um problema que só é exacerbado pelo fato de 50 milhões de norte-americanos ainda não contarem com nenhuma cobertura de saúde; e a metade dos norte-americanos não possui nenhum tipo de plano de aposentadoria. Além disso, há ainda 25 milhões de aposentados – em um país que convive a cada mês com o medo de entrar em uma nova recessão.
Atacando o capitalismo
Nas suas entrevistas televisivas ao vivo, os ocupantes de Wall Street afirmam com frequência que chegou a hora de “os 99% de nós se levantarem contra o 1%”.
“Nós somos 99%” é também o nome de um blog no qual milhares de norte-americanos descrevem a sua situação financeira desesperadora. “Eu não consegui pagar o meu empréstimo estudantil”, diz um indivíduo. Um outro afirma: “Não estou recebendo mais seguro desemprego”. E um outro explica: “Tive que escolher entre a faculdade e uma cirurgia de joelho”. O blog tem contribuído significativamente para a disseminação do movimento de protesto para além de Nova York, porque as suas mensagens são facilmente entendidas em todo este país no qual a parcela mais rica dos habitantes, que corresponde a apenas 1% da população, controla 40% da riqueza do país.
Tais números não são mais estatísticas que circulam apenas entre a esquerda. Até mesmo o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, afirmou: “Esse não é o tipo de coisa que uma sociedade democrática – uma sociedade democrática capitalista – pode de fato aceitar sem fazer nada a respeito”. A desigualdade social também foi o tópico da matéria de capa da “Time Magazine” da semana passada. Os autores da matéria afirmaram que os Estados Unidos transformaram-se em uma sociedade “dividida entre ricos e pobres”, na qual “os pobres e as classes trabalhadoras são esmagados”.
A ideia de que essas classes trabalhadoras insatisfeitas se rebelem e derrubem todo o sistema é o sonho de muita gente no Parque Zuccotti. Um placar de informações no meio do parque anuncia que até o momento 291 cidades já aderiram ao movimento.
Isso pode parecer impressionante, mas provavelmente a maioria dessas 291 cidades mal percebeu as manifestações. Mesmo assim, fotografias de protestos ocorridos em várias grandes cidades norte-americanas surgiram na semana passada, de Miami a Anchorage e de Los Angeles a Chicago.
Uma característica particularmente marcante da indignação manifestada por essa nova geração de manifestantes é o alvo por ela escolhido. No passado não muito distante, os protestos norte-americanos dirigiam-se frequentemente contra Washington, na esperança de que o presidente e o congresso atendessem aos desejos dos manifestantes. Desta vez os manifestantes também reuniram-se em frente à Casa Branca, mas uma quantidade muito maior se aglomerou no Parque Zuccotti, em Manhattan, no parque em frente à prefeitura de Los Angeles, no Rose Kennedy Greenway, em Boston, e em barracas montadas em frente aos escritórios do Federal Reserve em Chicago.
Em todos esses locais, os políticos não são os principais alvos das manifestações furiosas. Nas sombras dos arranha-céus de todo o país, desta vez o alvo é o próprio capitalismo.
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