segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mistério dos 53 mortos do Hotel Mahari em Sirte lança nova suspeita sobre CNT

Corpos contendo indícios de execuções sumárias foram encontrados após a vitória dos rebeldes

Sirte, cidade onde Muammar Kadhafi fora capturado totalmente destruída
 
O que aconteceu durante os dias que precederam a queda de Sirte e a morte do coronel Gaddafi, na quinta-feira (20), no Hotel Mahari? Quando voltou para casa, no sábado (22) de manhã, Faraj Mohammed, vizinho do estabelecimento de luxo, encontrou 53 corpos estendidos no próprio jardim: todos homens, todos mortos a bala. Eles jaziam sobre o gramado que desce em uma inclinação suave até o mar. Manchas escuras ainda indicam os lugares onde se encontravam os corpos.

Metade dos cadáveres tinham as mãos amarradas para trás ou traziam gesso e bandagens, indicando sua condição de prisioneiros ou de feridos. Todos pareciam ter sido executados sumariamente, a julgar pelas feridas nas têmporas ou na nunca. Quem são eles? Faraj Mohammed garante ter reconhecido quatro pessoas, moradores de Sirte, entre eles Ezzeddine Al-Hencheri, ex-ministro de Gaddafi, e Moftah Dabroun, um oficial.

É impossível saber com certeza a data de suas mortes sem uma devida autópsia. Elas teriam sido entre os dias 14 e 19 de outubro, segundo Peter Bouckaert, chefe da divisão de urgências da ONG de defesa de direitos humanos Human Rights Watch. O Hotel Mahari fica perto do bairro Número 2, onde o coronel Gaddafi e o último grupo de seus partidários estavam escondidos, opondo uma resistência implacável, e de onde quase todos os civis haviam fugido. A sequência todos já conhecem. Gaddafi tentou fugir, na manhã de quinta-feira (20), a bordo de um comboio parado pela Otan. Capturado pelos revolucionários, ele morreu enquanto era transportado por uma ambulância para Misrata, em consequência de seus ferimentos, garante o Conselho Nacional de Transição (CNT), e de uma execução sumária, de acordo com sua família.

Seu filho Moatassim, preso no mesmo dia, foi visto em um vídeo amador enquanto falava calmamente com os rebeldes que o detinham. Algumas horas mais tarde, em Misrata, seu cadáver foi apresentado à multidão, com uma ferida escancarada na garganta e a mão direita cortada.

Teria sido o Mahari, transformado em lugar de detenção pelas forças anti-Gaddafi, palco de uma execução em massa de prisioneiros pró-Gaddafi? O estabelecimento vinha sendo controlado por forças de Misrata desde o fim da primeira semana de outubro, entre os dias 7 e 10.

Diversos grupos de thowar, os combatentes revolucionários, haviam feito de lá sua base, como mostram as paredes do hotel cobertas de grafites de diferentes brigadas de Misrata. A katiba Al-Nimar (o tigre, em árabe) é a mais presente, e uma das mais poderosas de Misrata, que possui 230 delas. Estavam presentes também as katibas Al-Fahad (o jaguar), Al-Assad (o leão) e Al-Qasba (a citadela).

Teriam os combatentes de Misrata, embriagados de raiva após as atrocidades cometidas durante os cinco meses de cerco e de bombardeios de sua cidade, tentado se vingar? O comandante da katiba Al-Nimr nega qualquer envolvimento. “O hotel nunca foi um lugar de detenção. Na manhã de 20 de outubro, fomos atacados por Gaddafi e suas forças. Tivemos de deixar o lugar. Quando voltamos no dia seguinte, os corpos estavam lá.” Para ele, eles provavelmente foram mortos por Gaddafi, “que queria impedi-los de falar”. Uma explicação pouco convincente, na medida em que o Guia líbio parecia preocupado sobretudo com sua fuga naquela manhã.

Já o chefe do conselho militar de Misrata, Ramadan Zarmouh, explica que Sirte está repleta de valas comuns de revolucionários presos ou desaparecidos há meses e coloca em dúvida a identidade das vítimas do Hotel Mahari. “São prisioneiros que os gaddafistas eliminaram antes de ir embora”, ele garante.

Um detalhe agravante é que a equipe do hospital Ibn Sina (Avicena) de Sirte garante que, uma semana antes da queda da cidade, os revolucionários entraram no estabelecimento, trancaram os médicos em uma sala e passaram por todos os quartos para pegar feridos suspeitos de terem participado dos combates, levando-os para um lugar desconhecido. Por medo de represálias, ninguém aceita testemunhar abertamente ou fornecer um número, nem a pediatra ucraniana que permaneceu ali durante todo o cerco. Nos andares de cima, os feridos se mostram igualmente evasivos, alguns chegando a se recusar a revelar a natureza de seus ferimentos, temendo ser identificados como combatentes.

Se esse massacre se revelar, ele não será o primeiro atribuído aos rebeldes. Já o regime Gaddafi recorreu a isso de maneira nitidamente mais sistemática e intensa. Para Peter Bouckaert, da Human Rights Watch, os assassinatos do Hotel Mahari “requerem a atenção imediata das autoridades líbias, que devem conduzir uma investigação sobre a morte de Muammar e Moatassim Gaddafi. O vice-presidente do CNT, Abdelhafiz Ghoga, prometeu na quinta-feira que o assassino do coronel Gaddafi seria julgado, quem quer que fosse. Resposta de Ramadan Zarmouh, o chefe militar de Misrata: “Ghoga está falando a partir de um hotel em Benghazi. Ele não sabe nada do que se passa num campo de batalha”. Novos corpos foram descobertos, enterrados na praia de Sirte, na quarta-feira.

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