A libertação do sargento israelense Gilad Shalit não se resume a uma troca de prisioneiros. O jovem, sua família e Israel mostraram durante mais de cinco anos o que os anglo-saxões chamam de “fortitude”, uma coragem mental diante da adversidade. Os prisioneiros palestinos, dentre os quais alguns que passaram várias décadas atrás das grades, suportaram severas condições de encarceramento, mas os antecedentes terroristas de muitos deles levantaram questões sobre o risco de segurança que eles representam, para Israel e para a manutenção da tranquilidade na Cisjordânia.
Para os serviços de inteligência israelenses, 60% dos “prisioneiros de segurança” [aqueles que, em resistência à ocupação, usaram de violência contra a segurança de cidadãos israelenses] libertados voltarão à luta armada. Talvez seja exagerado, mas uma coisa é certa: a libertação de Gilad Shalit só pode incitá-los nesse sentido. O Hamas, fortalecido por sua vitória – a ampliação para o número de 1.027 prisioneiros para um único soldado israelense - , tirou disso uma conclusão imediata: para esperar tirar das prisões israelenses os cerca de 5 mil detentos palestinos que ainda estão lá, serão necessários “outros Gilad Shalit”.
Nesse desenlace, as implicações de segurança são menos importantes que as consequências políticas para aquilo que resta do “processo de paz” israelense-palestino e das relações interpalestinas. É considerável que Binyamin Netanyahu tenha se autocongratulado por sua “missão cumprida” e obtido um aumento em sua popularidade. O fato de que o “Haaretz”, jornal que não poupa o primeiro-ministro, tenha publicado um editorial sobre “O nascimento de um estadista” diz muito sobre a dimensão a que chegou a “causa Shalit” em Israel.
Nada disso tornará Netanyahu mais conciliador com os palestinos, ainda mais pelo fato de que, depois de ter ultrajado os colonos ao libertar “centenas de terroristas”, ele estará inclinado a lhes fazer concessões. Se possível, acelerando a colonização, sobretudo em Jerusalém Oriental: sucessivamente, as autoridades israelenses deram o sinal verde para 1.100 moradias no assentamento de Gilo, e depois para 1.700 moradias para colonos judeus de Givat Hamatos, antes de anunciar a criação de um comitê encarregado de facilitar a legalização de “postos avançados” construídos em terras privadas palestinas...
Netanyahu sabe que não tem nada a temer de Washington, como provou o discurso de Barack Obama na ONU, em setembro. Obama tem outras preocupações eleitorais, que o levam a poupar os apoios a Israel no Congresso; o termo “lobby judeu” deve ser entendido no sentido amplo, uma vez que os republicanos são fortemente apoiados pelos protestantes da direita cristã, grandes amigos de Israel. Como sempre, os americanos e europeus denunciaram as “provocações” israelenses em matéria de colonização, que continua a tornar impraticável a solução de dois Estados.
Nessas condições, as conversas indiretas entre israelenses e palestinos, que devem acontecer sob a orientação do Quarteto para o Oriente Médio – Estados Unidos, União Europeia, ONU, Rússia - , só podem ser mais uma enganação. A libertação de Gilad Shalit, no entanto mudou a configuração das coisas. Ao fazer muito tardiamente as concessões necessárias para se chegar a um acordo com o Hamas, Netanyahu optou por um reforço político do movimento da libertação islâmica.
O Hamas estava enfraquecido, marginalizado pela estratégia de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, que visava obter o reconhecimento de um Estado palestino nas Nações Unidas. E eis que ele se encontra revigorado, coroado por uma vitória política incontestável, à custa de um enfraquecimento do Fatah, o partido de Abbas. Para o povo palestino, a demonstração, enfatizada diversas vezes pelo Hamas, é clara: entre a estratégia de negociação do presidente da Autoridade Palestina e a da luta armada do Hamas, deve-se constatar que é a segunda que tem mais resultados.
Netanyahu evidentemente não ignorava as consequências palestinas da libertação do soldado Shalit. Israel explicou que estava fora de cogitação libertar prisioneiros palestinos que são símbolo da resistência à ocupação, como Marwan Barghouti, figura emblemática da segunda Intifada em 2000. Este cumpre um total de cinco penas de prisão perpétua, mas detentos tão perigosos quanto ele foram libertados no dia 28 de outubro. Ora, Barghouti tem duas características: defensor declarado do processo de paz, ele é o único líder palestino que reúne carisma, legitimidade e capacidade de juntar uma Autoridade Palestina reunificada com o Hamas. Mantê-lo preso tem, portanto, efeito de enfraquecer um Fatah que está buscando um sucessor para Abbas, e de ajudar o Hamas. Trate-se de danos colaterais do acordo Shalit ou de uma intenção deliberada, a resposta é como a verdade: vaga.
Mas a história do conflito entre Israel e Palestina apresenta fortes tendências: uma delas é que os governos israelenses sempre privilegiaram o Hamas em detrimento do Fatah, pela estratégia do dividir para conquistar, e como antídoto para uma solução de paz que sacrifique o sonho messiânico do “Grande Israel”. Essa falta de perspectiva só incita Mahmoud Abbas a continuar sua cruzada solitária para obter da ONU o Estado independente da Palestina que Israel lhe recusa.
Aqueles Palestinos que lutam por suas terras são considerados terroristas. Enquanto isso, Israel continua destruindo casas Palestinos e construindo assentamentos em seu lugar, em rítimo acelerado.
ResponderExcluirA imprensa quer que nos acreditamos que os Palestinos são burros e terroristas apenas.