quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Adeus às grandes guerras: EUA têm exército secreto e de elite formado por 25 mil soldados

Mergulhadores de combate americanos emergem das águas em demonstração
A década do "11 de setembro" começou com uma exibição de força avassaladora das forças armadas mais poderosas da história. E termina com um país em que a distância entre a sociedade e os militares se aprofunda, e que não tem apetite para mais conflitos. Os EUA, refratários a enviar novamente dezenas de milhares de tropas a lugares remotos e incompreensíveis, optam com o governo Obama por um novo tipo de guerra secreta, com bombardeios por aviões sem piloto e operações com forças especiais que escapam ao escrutínio público.

Em conversas com historiadores e especialistas em segurança nos EUA, surge um diagnóstico: para a imensa maioria dos americanos, mais de 90% da população que não é militar nem tem parentesco com militares, as guerras desta década foram guerras invisíveis, distantes. Há uma desconexão. Não houve depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, dos quais no domingo se completam dez anos, um discurso de sangue, suor e lágrimas. Ao contrário: o então presidente George W. Bush animou seus compatriotas a consumir.

"Exceto para as famílias dos soldados que serviram várias vezes no exterior e que realizaram sacrifícios enormes, para o resto dos americanos não foi uma ocasião para sacrifício. Não há uma sensação de participação universal", constata Brian Michael Jenkins, que há 40 anos estuda a ameaça terrorista na Rand Corporation, o laboratório de ideias de referência em termos de segurança, cujo maior cliente é o Pentágono. Essa ausência de sacrifício, na opinião de Jenkins, se disfarçou de exibições hiperbólicas de patriotismo.

Um motivo desse distanciamento é que para os EUA, Afeganistão e Iraque foram muito menos letais que guerras anteriores como a do Vietnã. No Vietnã morreram cerca de 60 mil americanos. No Afeganistão, uma guerra mais longa que a do Vietnã, morreram cerca de 1.600. No Iraque, mais de 4 mil. No Vietnã, além disso, o recrutamento era obrigatório, o que socializou a dor. Todas as famílias conheciam alguém que estava na guerra ou que tinha morrido. Hoje não. A superpotência exteriorizou a guerra para os voluntários, um segmento que não chega a 1% da população.

"Nunca diria que o país não se preocupa. Mas as pessoas continuam com suas vidas", diz John McManus, historiador militar na Universidade de Ciência e Tecnologia do Missouri. "Às vezes me pergunto se esse é o motivo pelo qual essas guerras duraram tanto. Só afetam uma parte muito pequena da população, muito respeitada, mas a maioria dos americanos não tem nenhum vínculo com as forças armadas e talvez não conheça ninguém que esteja nelas." O escasso envolvimento social nas guerras reduz a pressão política para terminá-las.

Mas a ausência de vitória no Iraque e no Afeganistão e o custo deixaram marcas. As duas guerras custaram US$ 1,3 trilhão, segundo cálculos recentes. Nesses dez anos o orçamento militar quase dobrou. Há fadiga bélica, entre os cidadãos e os governantes. "Isto pode fazer que o governo e a população sejam muito reticentes em ir à guerra e usar a força militar em grandes proporções. Mas não creio que seja porque estas guerras não tiveram êxito, e sim porque elas duraram tanto e não foram decididas", diz Richard Kohn, professor emérito de história militar na Universidade da Carolina do Norte.

Em fevereiro, o então secretário da Defesa, Robert Gates, disse que "qualquer secretário de Defesa que aconselhe um presidente a enviar novamente um grande exército terrestre à Ásia, ao Oriente Médio ou à África deveria fazê-lo olhar". Há alguns dias, seu sucessor, Leon Panetta, apresentou a intervenção na Líbia, na qual os EUA foram fundamentais mas estiveram em plano secundário, como um modelo para futuras intervenções. Gates e Panetta resumiram o arco que vai de 2001 a 2011, das intervenções terrestres no Afeganistão, e sobretudo no Iraque, a Líbia e a morte de Osama bin Laden em maio.

O número de forças especiais passou de 1.800 antes do 11-S para 25 mil hoje, segundo revelou "The Washington Post", que as define como "o exército secreto dos EUA". Sob a direção do Comando Conjunto de Operações Especiais, esse exército, que incluiu os Navy Seals, o grupo de elite que matou Bin Laden, atua não só no Iraque e no Afeganistão, como em países com os quais os EUA não estão em guerra, como Iêmen, Paquistão, Somália, Filipinas, Nigéria e Síria. Paralelamente, a CIA desenvolveu um braço militar que, entre outros afazeres, controla os bombardeios com aviões teleguiados - ou "drones" em inglês - que liquidaram mais de 2 mil supostos terroristas desde 2001.

A guerra secreta apresenta problemas legais e éticos. As mortes de civis em operações noturnas ou em bombardeios também são contraproducentes para os interesses americanos. E alguns duvidam de sua eficácia.

"A tecnologia é importante, mas os drones só o levam até certo ponto. Afinal, é preciso ter gente em campo que alcance seu alvo final, seja qual for. É muito difícil fazê-lo usando só teleguiados", diz McManus, autor de um livro sobre os soldados rasos desde a Segunda Guerra Mundial até o Iraque.

O professor Kohn prevê que a fadiga bélica provocará mudanças nas forças armadas semelhantes às que aconteceram depois da desmobilização posterior a guerras passadas. Um precedente, ele acrescenta, são os anos 1920 e 30. O tamanho das forças armadas se reduziu, mas adotaram novas tecnologias como tanques, caminhões, aviões e submarinos. Kohn lembra que também foi a época das pequenas guerras em países como Nicarágua ou Haiti. "E de certo modo", conclui, "se lutava do mesmo modo que hoje lutamos contra os terroristas em diferentes partes do mundo, como o Chifre da África e o Sudeste Asiático." Nas guerras futuras ressoam ecos arcaicos.

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