sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Parte dos russos concorda com eventual volta da URSS, 20 anos após sua queda

O ex-líder soviético Mikhail Gorbachev
Sergei Veretelny foi ferido a bala há 20 anos, quando deu um passo à frente desarmado para deter uma coluna de veículos blindados no centro de Moscou, uma das poucas vítimas da última tentativa fracassada de preservar a União Soviética.

Foi um momento em que os russos, em grande parte submissos e atemorizados após 74 anos de governo soviético, se reuniram nas ruas para apoiar o futuro presidente, Boris Yeltsin, exigindo mudança democrática.

O escritor Vasily Aksyonov registrou o entusiasmo de muitos na época, quando ele chamou o impasse de 60 horas como “provavelmente as noites mais gloriosas na história da civilização russa”.

Mas o homem que governa a Rússia, o primeiro-ministro Vladimir V. Putin, chamou a queda da União Soviética de “a maior catástrofe geopolítica do século”.

Pesquisas recentes, à medida que o aniversário se aproxima neste sábado, mostram que a visão das pessoas está mais próxima da de Putin do que de Aksyonov. Poucas pessoas disseram considerar os eventos de 1991 como uma vitória da democracia.

“Naquela época na Rússia, atrás da cortina de ferro, nós só ouvíamos falar de democracia”, disse Veretelny, 54 anos, que na época ganhava seu pão como motorista. “Nós realmente acreditávamos na palavra mágica e bela, a democracia. Mas muitas coisas não saíram exatamente como esperávamos. Nós começamos a nos perguntar pelo que derramamos nosso sangue.”

Na década que se seguiu, mudanças sociais e econômicas caóticas e tentativas fracassadas de reforma deram má fama à democracia. Muitas pessoas apreciaram a estabilidade que Putin trouxe, mesmo ao custo de parte das liberdades democráticas.

Veretelny é apenas uma voz entre 140 milhões de russos e apesar de sua desilusão ser amplamente compartilhada, muitas pessoas parecem aceitar os limites impostos por Putin à disputa política, sociedade civil e imprensa. Uma eleição marcada para o ano que vem dificilmente mudará o país de curso.

Veretelny falou uma semana antes do aniversário na casa de Lyubov Komar, a mãe de um jovem veterano da guerra russa no Afeganistão, Dmitry Komar, que foi um dos três homens mortos durante a noite final.

Veretelny se feriu quando tentava recuperar o corpo de Komar, que ele disse ter ficado preso em um blindado enquanto se movia para frente e para trás, na tentativa de deslocar um trólebus que bloqueava seu caminho.

“Eu vi o sujeito pendurado no veículo blindado”, ele disse. “Eu estendi as mãos para ajudar, e fui baleado no ombro. Eu achei que alguém viria para retirar o corpo, mas ele ficou se movendo para frente e para trás, até que o corpo caiu no asfalto.”

Os blindados e tanques recuaram pouco depois, marcando o fim de um golpe que tentava conter a maré de mudança. Em 25 de dezembro, o então presidente Mikhail Gorbachev renunciou, colocando um fim formal à União Soviética.

Desde então, Veretelny trabalhou como eletricista, policial e agora como pequeno empresário às margens da economia russa. Até recentemente, sua esposa, Svetlana, tinha um emprego muito bem remunerado como gerente de uma empresa, e ela disse que o casal vivia confortavelmente.

Komar, que trabalha como assistente de uma academia de ginástica, ainda constrói sua vida em torno da memória de seu filho, e repete a posição de Veretelny, dizendo: “Se meu filho pudesse ter visto para onde o país caminharia, ele não estaria nas barricadas”.

Sentada em seu apartamento, cercada por fotos que traçam o crescimento dele de menino a soldado, ela disse que desistiu do processo político.

“Eu não saio para votar há 10 anos”, ela disse. “Eles estarão bem sem mim. Eles escolhem quem querem, então por que votar?”

Como muitos russos, ela passou a desprezar Yeltsin pelo que considerava sua liderança fraca e agora faz parte da grande maioria de russos que apoia Putin. Mas o que ela realmente gostaria, ela disse, é fazer o relógio voltar para trás.

“Eu me sentia mais à vontade na União Soviética”, ela disse. “Você sempre tinha pão. Você sempre tinha trabalho. Sim, é possível viajar para o exterior agora, mas é preciso dinheiro para isso e você precisa se endividar. Mas se você não tem dinheiro, você não consegue fazer nada.”

Uma recente pesquisa realizada pelo Levada Center, uma respeitada agência de pesquisas de opinião, apontou que 20% dos russos compartilham do desejo dela de um retorno da União Soviética, um número que tem oscilado entre 16% e 27% ao longo dos últimos oito anos.

Entre eles, sem causar surpresa, estava Gorbachev, que tentou reformar e preservar a União Soviética, mas foi impedido pelo golpe e depois por Yeltsin e pelo desdobrar dos eventos.

“Alguns costumam repetir que o colapso da União Soviética era inevitável”, ele disse em uma coletiva de imprensa na quarta-feira. “Mas eu continuo dizendo que a União Soviética podia ter sido preservada.”

Falando aos jornalistas, ele disse: “Vocês criticam Gorbachev: fraco, molenga, mais ou menos nestes termos. Mas e se o molenga não estivesse naquele cargo na época, quem sabe o que poderia ter acontecido conosco”.

Segundo a agência de pesquisa, aqueles que gostariam de um retorno ao passado soviético eram em grande parte membros de vestígios do Partido Comunista, pessoas idosas e pessoas que moravam em cidades pequenas e vilarejos.

A pesquisa foi realizada pessoalmente com 1.600 pessoas durante cinco dias em julho e apresenta margem de erro de 3,4 pontos percentuais.

Outras respostas sugerem que os russos querem democracia, mas democracia de um tipo particular, com um governo central poderoso, algo mais próximo do que o país tem hoje do que alguns, como Veretelny, imaginavam. Mais da metade dos entrevistados, 53%, disse dar mais valor à “ordem” do que aos direitos humanos.

“Nós tínhamos tanta esperança, tanta fé, tanta inspiração no futuro”, disse a esposa de Veretelny, Svetlana. “Havia uma sensação de liberdade e esperança. Nós estávamos felizes demais vendo as mudanças à frente.”

Mas agora, segundo a agência de pesquisa, apenas 10% dos entrevistados veem aqueles dias como uma vitória da democracia. Ela disse que o número de pessoas que considera os eventos uma tragédia cresceu para 39%, de 25% no último aniversário, há 10 anos.

“É o que é”, disse Veretelny, que passou da esperança para a passividade. “Nós apenas temos que entender que é com isto que ficamos.”

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