“Lute até a morte contra a base naval anti-China dos imperialistas norte-americanos!”
É o que dizem dezenas de faixas que agora adornam este vilarejo na costa da principal ilha do sul da Coreia do Sul, aumentando as ansiedades que invadiram esta comunidade idílica e dividindo-a tão profundamente que alguns pais e filhos pararam de se falar.
Esta declaração – e o tema por trás do problema que está dividindo este vilarejo de mil pescadores e agricultores na Ilha Jeju – reflete o dilema que a Coreia do Sul enfrenta, presa entre os Estados Unidos, seu aliado militar há tempos, e a China, seu antigo inimigo de batalhas, mas hoje seu principal parceiro comercial.
Em janeiro, a Marinha sul-coreana começou a construção de uma base de US$ 970 milhões em Gangjeong. Depois de concluída em 2014, ela abrigará 20 navios de guerra, incluindo submarinos, que a marinha diz que protegerão as rotas para a economia exportadora e dependente de petróleo da Coreia do Sul. Ela também permitirá que a Coreia do Sul responda rapidamente a uma disputa territorial que está se formando com a China pela Rocha Socotra, um recife submerso ao sul de Jeju que os coreanos chamam de Ieodo e acreditam esteja cercada por petróleo e depósitos minerais.
Navios norte-americanos que cruzam os mares do leste da Ásia poderão visitar o porto, diz o Ministério de Defesa.
Muitos moradores e ativistas contrários à base suspeitam que ela serviria menos como um escudo contra o principal inimigo da Coreia do Sul, a Coreia do Norte, do que como um posto para a Marinha norte-americana projetar seu poder contra a China. O medo de se transformar “no camarão cujas costas se quebram numa briga de baleias” - um cenário sombrio num país cujo território foi o campo de batalha de grandes potências – é palpável neste vilarejo onde as palmeiras balançam ao vento e casas compridas se espalham atrás de paredes de rochas vulcânicas.
“Não entendo por que estamos nos esforçando tanto para acomodar algo que o povo de Okinawa se esforçou tanto para resistir”, disse Kim Jong-kwan, 55, dono de uma plantação de tangerinas, referindo-se à luta dos japoneses contra uma base militar norte-americana. “Quando penso como os norte-americanos vão pelo mundo todo começando guerras, só posso esperar o pior.”
Outros moradores têm memórias angustiantes da guerra. Pouco tempo antes e durante a Guerra da Coreia, de 1950 a 1953, tropas do governo que tomavam medidas severas contra pessoas que suspeitavam de ser comunistas que poderiam simpatizar com a Coreia do Norte devastaram Jeju, queimando vilarejos e matando cerca de 30 mil pessoas, ou um décimo da população. Em 2005, o governo designou Jeju como uma “ilha pacífica”.
Durante meses, Kim e outros moradores se juntaram aos ativistas antibase, sentando-se no centro da área de construção. Quando a polícia tentou retirá-los recentemente, eles se acorrentaram às árvores.
A Marinha sul-coreana colocou um outdoor no vilarejo mostrando a concepção artística de um porto “ecológico”, “de estado da arte”, cobrindo 50 hectares, ou cerca de 125 acres, e recebendo navios de luxo e embarcações militares.
“Uma nova atração para a bela Jeju!”, ele proclama.
Perto dali, outdoors de manifestantes acusam a Marinha de destruir o meio ambiente e o meio de vida dos moradores.
“Não tragam a guerra para cá!”, diz um deles.
Tanto os militares sul-coreanos quanto os norte-americanos insistem que o poder militar dos EUA não está envolvido na construção da base. E que a base não é dirigida contra nenhum país, diz o Ministério da Defesa. Mas a controvérsia se alimenta da inquietação que muitos sul-coreanos sentem à medida que lutam para reconciliar a influência da China em ascensão com seus antigos laços de segurança com os Estados Unidos.
Desde que os Estados Unidos lutaram ao seu lado na Guerra da Coreia, a Coreia do Sul considerou sua aliança com Washington de mais alta prioridade, uma posição que foi enfatizada depois do desenvolvimento de armas nucleares pela Coreia do Norte e suas provocações militares recentes, incluindo o bombardeio de uma ilha sul-coreana em novembro passado. Mas muitos sul-coreanos, especialmente jovens, suspeitam que Washington esteja explorando essa vulnerabilidade para compelir o país a avançar sua política externa.
Enquanto isso, a China emergiu como o mais importante parceiro comercial da Coreia do Sul; o comércio bilateral entre os países excede o comércio da Coreia do Sul com os Estados Unidos e o Japão juntos. Pequim também tem poder sobre Seul por conta de seus laços estreitos com a Coreia do Norte. Como responder a uma possível intervenção chinesa caso a Coreia do Norte entrasse em colapso continua sendo um tópico altamente sensível em Seul.
“A questão por trás de Jeju é, será que a Coreia do Sul pode se permitir confrontar a China? Ou, será que ela pode não confrontar a China?”, disse Andrei Lankov, professor da Universidade Kookmin em Seul.
Yun Yon, um vice-marechal aposentado da Marinha, disse: “precisamos fazer negócios com os chineses, mas ainda devemos fazer a segurança com os norte-americanos.”
Song Kang-ho, um ativista contra a base, discorda: “com a bagunça na economia dos EUA, é apenas uma questão de tempo para que a China domine o nordeste da Ásia. Devemos nos manter neutros entre as potências em ascensão e queda.”
Em 2005, o medo da Coreia do Sul de confrontar a China se manifestou numa disputa pública entre Seul e Washington quanto à “flexibilidade estratégica”, um plano que redefiniria a missão das tropas norte-americanas estacionadas na Coreia do Sul para a defesa do país, permitindo que elas fossem despachadas para conflitos em outros lugares. A disputa foi resolvida em 2006, quando Washington concordou em respeitar o desejo da Coreia do Sul de não “se envolver num conflito regional no nordeste da Ásia contra a vontade do povo coreano.”
Mas a pressão, tanto da China quanto dos Estados Unidos, continua à medida que a Coreia do Sul expande sua marinha, construindo destróieres KDX-III equipados com sistemas Aegis de interceptação de mísseis, projetados pelos EUA.
Em março, Elln Tauscher, subsecretária norte-americana para controle de armas e segurança internacional, queria que a Coreia do Sul expandisse os laços aliados de defesa contra mísseis para criar um sistema de defesa que, segundo alguns especialistas, tinha intenção de ser um escudo contra a China.
“A localização de Jeju é, a princípio, ideal para fornecer defesa para o Japão (assumindo que o sistema de fato funcionasse)”, disse num e-mail Theodore Postol, especialista em defesa contra mísseis no Massachusetts Institute of Technology.
Jeffrey Lewis, especialista em controle de armas no Instituto Monterey de Estudos Internacionais na Califórnia, disse que os novos destróieres Aegis que ficaram baseados em Jeju ajudariam a defender a Coreia do Sul e o Japão contra mísseis de balística chineses e ajudariam o defender o Japão contra mísseis tanto da China quanto da Coreia do Norte.
Mas eles “não fornecerão muita defesa para a Coreia do Sul contra os mísseis norte-coreanos”, disse. “Pouquíssimos mísseis norte-coreanos subiriam alto o suficiente no caminho para a Coreia do Sul para dar uma chance aos destróieres sul-coreanos.”
A China já reclamou, em 2004, da cooperação de defesa contra mísseis da Coreia do Sul com os Estados Unidos, disse Kim Jong-dae, editor-chefe da revista de defesa mensal "D&D Focus", que trabalhou no escritório de Roh Moo-hyun, presidente de 2003 a 2008. Depois, ela denunciou os planos da base naval em Jeju, disse o almirante Yun, que foi alto oficial de operações da Marinha sul-coreana até 2005.
Em parte em deferência a Pequim, Seul ainda precisa se comprometer totalmente com o programa de defesa antimísseis dos EUA. Embora a Coreia do Sul tenha se beneficiado enormemente de seus laços econômicos com a China, sua dependência crescente do comércio com os chineses gera preocupações de que Pequim possa usar sua influência econômica, talvez através de restrições comerciais, como poder de barganha política e militar contra Seul. John F. Fei da Rand Corp., uma organização de pesquisa com sede na Califórnia, disse num artigo publicado em fevereiro que a construção da base de Jeju indicava que, depois que a Coreia do Sul viu a ascensão econômica da China como uma possível ameaça, “ela não mais reprimiu as vozes da elite pedindo uma postura política e de segurança mais forte para se defender da China.”
Matthew Hoey, analista de controle de armas de Cambridge, Massachusetts, que visitou recentemente Gangjeong para apoiar manifestantes contra a base, alertou que ela pode desencadear uma corrida de armas regional, estimulando a China a aumentar sua própria defesa estratégica.
Mas Woo Jung-yeop, do Instituto Asiático para Estudos Políticos em Seul, disse que o medo da China era uma “retórica política” desproporcional, espalhado por ativistas “antiamericanos”. John E. Pike, diretor da GlobalSecurity.org, um site de informação militar, disse que é “muito exagero” dizer que os navios norte-americanos com interceptores antimísseis passando ocasionalmente pelo porto de Jeju farão “parte do sistema de defesa antimísseis norte-americano”, como argumentam os oponentes da base.
A divisão neste vilarejo mexeu com as emoções das pessoas, e costuma acabar em gritaria. Aqueles que são a favor da base e os que são contra evitam-se nas ruas e até compram em lojas diferentes.
“Eles se preocupam muito”, disse Koh Jong-pyo, 47, um pescador de moluscos, sobre os opositores da base. “Pense no que ela pode fazer pela economia local sempre que chegar um porta-aviões norte-americano com milhares de marinheiros com dinheiro.”
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