Após a chacina em Tucson, Arizona, as perguntas familiares inevitavelmente ressurgiram: as comunidades onde mais pessoas portam armas são mais ou menos seguras? A disponibilidade de pentes de alta capacidade aumenta as mortes? Uma checagem mais rigorosa de antecedentes faz diferença?
A realidade é que mesmo essas e outras perguntas básicas não podem ser plenamente respondidas, porque não há pesquisa suficiente a respeito. E há um motivo para isso: os cientistas do campo e ex-autoridades da agência do governo que costumava financiar grande parte dessa pesquisa concordam ao dizer que a influência da Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) praticamente estrangulou as verbas para esse trabalho.
“Nós fomos impedidos de responder as perguntas básicas”, disse Mark Rosenberg, ex-diretor do Centro Nacional para Prevenção e Controle de Lesões, parte dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão federal que por uma década é a principal fonte de financiamento para pesquisa de armas de fogo.
Chris Cox, o lobista chefe da NRA, disse que seu grupo não tentou impedir pesquisas científicas genuínas, apenas as politicamente inclinadas.
“Nossa preocupação não é com ciência médica legítima”, disse Cox. “Nossa preocupação é estarem promovendo a ideia de que o porte de armas é uma doença que precisa ser erradicada.”
A quantia de dinheiro disponível atualmente para o estudo do impacto das armas de fogo é uma fração da quantia disponível em meados dos anos 90, e em consequência o número de cientistas atuando no campo encolheu para um punhado, segundo os pesquisadores.
A seca de dinheiro também pode ser rastreada em grande parte ao choque entre cientistas de saúde pública e a NRA em meados dos anos 90. Na época, Rosenberg e outros dos CDC passaram a ser mais assertivos a respeito da importância do estudo das lesões e mortes causadas por armas de fogo como um fenômeno de saúde pública, financiando estudos que apontaram, por exemplo, que ter uma arma em casa, em vez de fornecer proteção, aumentava significativamente o risco de homicídio por parte de um membro da família ou conhecido íntimo.
Alarmados, a NRA e seus aliados no Capitólio contra-atacaram. O centro de lesões foi acusado de “apresentar estudos que na verdade são opiniões políticas mascaradas como ciência médica”, disse Cox, que também trabalhou neste assunto para a NRA há mais de uma década.
Inicialmente, os legisladores pró-armas buscaram fechar o centro de lesões, argumentando que seu trabalho era “redundante” e refletia uma agenda política. Quando isso fracassou, eles se voltaram para o processo de apropriações. Em 1996, o deputado Jay Dickey, republicano do Arkansas, conseguiu a aprovação de uma emenda que retirou US$ 2,6 milhões da verba dos CDC, a quantia que gastaram em pesquisa relacionada a armas de fogo no ano anterior.
“É muito simples para mim”, disse Dickey, 71 anos, atualmente aposentado, em uma entrevista por telefone. “Nós temos o direito de portar armas por causa da ameaça do governo tomar as liberdades que temos.”
O Senado posteriormente devolveu o dinheiro, mas o destinou para pesquisa de lesões traumáticas no cérebro. Também foi inserida uma linguagem no projeto de lei orçamentária que permanece em vigor até hoje: “Nenhum dos recursos disponibilizados para prevenção e controle de lesões dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças pode ser usado para defesa ou promoção do controle de armas”.
A proibição é notável, dizem pesquisadores de armas de fogo, porque já existem regulamentações que proíbem o uso de dinheiro dos CDC para lobby contra ou a favor de alguma legislação. Nenhum outro campo de pesquisa é distinguido desta forma.
No final, disseram os pesquisadores, apesar de ser nebuloso o que exatamente é permitido segundo a lei e o que não é, a conclusão é clara dentro dos centros: a agência deve caminhar nesta área sob risco próprio.
“Eles tiveram uma experiência de quase morte”, disse o dr. Arthur Kellerman, cujo estudo dos ricos em comparação aos benefícios de ter armas em casa se tornou o alvo do ataque da NRA.
Desde então, os CDC têm sido extremamente cautelosos no financiamento de pesquisa relacionada à armas de fogo. Em seus pedidos anuais de propostas, por exemplo, pesquisas ligadas a armas de fogo estão notadamente ausentes. Gail Hayes, porta-voz dos centros, confirmou que desde 1996, apesar da agência ter apresentado propostas que incluem o estudo da violência, que pode incluir violência de armas, ela não fez nenhum pedido específico sobre armas de fogo.
“Para que as políticas sejam eficazes, é preciso que sejam baseadas em evidência”, disse o dr. Garen Wintemute, diretor do Programa de Pesquisa para Prevenção de Violência, da Universidade da Califórnia, em Davis, que teve seu financiamento nos CDC cortado em 1996. “A Associação Nacional do Rifle e seus aliados no Congresso tiveram sucesso em estrangular a obtenção de evidências sobre as quais essas políticas poderiam se basear.”
Fundações privadas inicialmente preencheram a lacuna, mas a atenção delas tende a aumentar e diminuir, disseram os pesquisadores. Elas também tendem a ter mais interesse em trabalhos que levem a resultados imediatos e estão menos dispostas a financiar pesquisa epidemiológica básica, que os cientistas dizem ser necessária para o estabelecimento de uma base de conhecimento sobre a ligação entre armas e violência, ou a falta de.
O Instituto Nacional de Justiça, parte do Departamento de Justiça, também costumava financiar pesquisas sobre armas de fogo, disseram os pesquisadores, mas esse dinheiro também secou nos últimos anos. (Representantes do Instituto disseram que esperam revigorar o financiamento nesta área.)
Stephen Teret, diretor fundador do Centro Johns Hopkins para Pesquisa e Políticas de Armas, estimou que quantidade de dinheiro disponível para pesquisa de armas de fogo atualmente é um quarto do que costumava ser. Com tanta incerteza a respeito do financiamento, disse Teret, o círculo de acadêmicos que estuda o fenômeno diminuiu significativamente.
“Há muito, muito menos pesquisadores trabalhando no problema”, ele disse. “E, portanto, nosso conhecimento sobre todos os aspectos da relação entre armas e saúde pública não expandiu no ritmo esperado.”
Após o choque entre os centros e a NRA, Teret disse que representantes dos CDC pediram a ele que “evitasse algumas das coisas que eu estava dizendo sobre armas e políticas para armas”.
Teret fez objeção, dizendo que seus comentários públicos sobre políticas para armas não foram feitos enquanto estava na esfera dos CDC. Após ter ameaçado processar a agência, disse Teret, a agência lhe deu um “pouco mais de liberdade de ação”.
O financiamento pelos CDC de pesquisa sobre violência de armas não parou completamente, mas agora se limita ao trabalho em que as armas de fogo são apenas um componente.
A agência também pede aos pesquisadores que financia que a informe com antecedência sempre que publicarem estudos que tenham alguma ligação com armas de fogo. Os CDC, por sua vez, encaminham essa informação à NRA por cortesia, disse Thomas Skinner, um porta-voz dos centros.
Invariavelmente, disseram os pesquisadores, sempre que o trabalho deles trata de armas de fogo, os CDC ficam sensíveis. No final, eles disseram, frequentemente é mais fácil evitar o assunto caso queiram permanecer nas boas graças da agência.
O dr. Stephen Hargaten, professor e presidente de medicina de emergência da Faculdade de Medicina de Wisconsin, costumava dirigir um centro de pesquisa, financiado pelos CDC, que se concentrava na violência das armas, mas ele agora desviou sua atenção para outros assuntos.
“Não é possível buscar legitimamente uma agenda de pesquisa de longo prazo para realmente entender um problema em particular, a menos que você conte com apoio constante, estável, de dólares para pesquisa”, ele disse. “Assim, com as perguntas que estão sendo levantadas por esta tragédia mais recente, não há financiamento claro de pesquisa que ajudaria a responder essas perguntas incômodas que foram levantadas.”
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