terça-feira, 5 de outubro de 2010

Violência no Congo põe à prova capacidade da ONU de proteger população

Anna Mburano, de 80 anos, que diz ter sido estuprada por milicianos em Livungi
Quatro homens armados invadiram a choupana de Anna Mburano, bateram nas crianças e jogaram-nas ao chão. Eles obrigaram Mburano a deitar-se de costas e a estupraram repetidas vezes. O fato de haver dezenas de soldados da força de paz da Organização das Nações Unidas perto dali não fez nenhuma diferença. E tampouco o fato de ela ter 80 anos de idade. Veja imagens

“Meus netos!”, gritou ela. “Me larguem!”.

Após terminarem, eles foram de casa em casa, acompanhados de centenas de outros rebeldes saqueadores, estuprando em grupos pelo menos 200 mulheres.

Aquilo que ocorreu nesta vila remota de choupanas de telhados de palha em 30 de julho último, e que continuou acontecendo durante mais três dias, transformou-se em um embaraço enorme para a missão das Nações Unidas no Congo. Apesar de mais de dez anos de experiência e de bilhões de dólares empregados, a força de paz ainda parece estar fracassando no que diz respeito à sua tarefa mais elementar: proteger a população civil.

Os capacetes azuis da ONU são considerados a última linha de defesa no leste do Congo, já que o exército do país é conhecido pela prática de abusos, os policiais estão frequentemente ausentes ou bêbados e as montanhas estão cheias de rebeldes.

Mas muitos críticos afirmam que em nenhum outro lugar do mundo a ONU investiu tanto para realizar tão pouco. Aquilo que ocorreu em Luvungi, quando soldados da força de paz que se encontravam próximos não protegeram uma vila que estava sob ataque, é similar a um massacre ocorrido em Kiwanja, em 2008, quando os rebeldes mataram 150 pessoas bem perto da uma base da ONU.

“O Congo representa o maior fracasso da ONU”, afirma Eve Ensler, autora da peça teatral “ The Vagina Monologues” (“Os Monólogos da Vagina”), cujo grupo de defesa dos direitos humanos, o V-Day, trabalha há anos auxiliando mulheres congolesas.

Ela diz que o problema é provocado por má administração, comunicação precária e racismo. “Se as mulheres que estão sendo estupradas fossem filhas, mulheres ou mães pertencentes às elites poderosas, tenho certeza de que esta guerra teria acabado 12 anos atrás”, afirma a dramaturga.

Autoridades da ONU admitem que as forças de paz não responderam com rapidez suficiente aos fatos ocorridos em Luvungi, embora digam que a responsabilidade principal pela segurança da população é do exército congolês, que continua em um estado de grave anarquia.

“Eu me senti pessoalmente culpada em relação às pessoas que conheci lá”, diz Atul Khare, secretário geral assistente da força de paz, que visitou Luvungi recentemente. “Elas me disseram que foram estupradas e brutalizadas e pediram paz e segurança. Infelizmente eu tive que dizer-lhes que isso é algo que eu não posso prometer”.

Nos círculos das instituições dedicadas à promoção da paz, o Congo está ficando conhecido como “o equivalente africano do Afeganistão devido à violência interminável e à complexidade do conflito”, diz Annika Hilding-Norberg, diretora do Instituto de Treinamento para Operações de Paz, no Estado de Virgínia, nos Estados Unidos.

Luvungi, uma vila de cerca de 2.000 habitantes, é um ponto de convergência de diversos problemas difíceis de serem resolvidos no Congo: a busca frenética por minerais; a fragmentação de grupos rebeldes; os incentivos perversos entre grupos armados para a perpetração de atrocidades a fim de aumentar o seu poder nas negociações; a pobreza que mantém as vilas isoladas e incomunicáveis; e o fato perturbador de que, nas guerras do Congo, os campos de batalhas são muitas vezes os corpos das mulheres. Segundo autoridades da ONU, a violência sexual praticada no Congo é a pior do mundo.

Uma sensação de ameaça paira sobre toda esta área, até mesmo nos locais controlados pelo governo.

E agora os moradores da área de Luvungi não querem mais correr riscos. Após os estupros, as Nações Unidas montaram uma base aqui, e a simples presença de cerca de 20 soldados da força de paz em um cinema abandonado de paredes de barro atrai incontáveis refugiados das áreas vizinhas. Eles acampam em frente à base e passam a noite no local.

Durante os trajetos escoltados até os mercados, milhares de moradores seguem caminhando atrás de um punhado de soldados indianos em um caminhão, suplicando aos membros da força de paz que dirijam “pole, pole” - ou “mais devagar, mais devagar” - para que não haja o menor espaço entre o veículo e eles, de forma que os rebeldes não possam contar com uma oportunidade para sair da selva e os atacar.

Esta área é incrivelmente rica em ouro, estanho e terras férteis, e é em parte por causa disso que a região é disputada de forma tão feroz por grupos rebeldes e divisões renegadas do exército congolês. Rios amarronzados correm pela selva, que é decorada com flores rosas de hibisco e aves do paraíso. Passar por uma estrada daqui é uma experiência semelhante a dirigir dentro de uma estufa.

Em meados de julho, o contingente do exército estacionado em Luvungi retirou-se subitamente da área, deixando a população daqui desprotegida. Mas tarde a ONU descobriu que os soldados congoleses marcharam para Bisie, onde há uma enorme mina de estanho – e dinheiro para ser extorquido.

“Este lugar é um vazio total”, afirma o major Radha Krishnan, membro indiano das forças de paz da ONU.

Pouco após os estupros ocorridos naquele mês, o governo ordenou que as minas do leste do Congo fossem temporariamente fechadas, a fim de impedir que grupos armados obtivessem dinheiro. Mas o governo não tem controle sobre várias minas. Aliás, ele não controla grande parte da área.

“O governo só é capaz de dominar a estrada”, explica o tenente-coronel R.D. Sharma. “O resto pertence às forças negativas”, diz ele, fazendo um gesto com a mão sobre o topo das árvores.

As “forças negativas” invadiram Luvungi a aproximadamente 20 horas da sexta-feira, 30 de julho. Segundo relatórios da ONU, havia 300 homens, uma mistura de rebeldes ruandeses que aterroriza o leste do Congo há anos e de combatentes de um novo grupo rebelde congolês, o Mai Mai Cheka, que vem lutando para obter atenção em um momento em que o governo tenta integrar mais rebeldes ao exército.

Paradoxalmente, a tentativa de integrar certos grupos rebeldes ao exército congolês – para ajudar a estabilizar a região – pode ter proporcionado um motivo para os estupros, dizem os analistas. Quanto mais temível e poderoso um grupo armado aparentar ser, mais concessões ele é capaz de extrair nas negociações.

“Esses sujeitos estão tentando obter uma espécie de promoção, de coronel a general”, afirma o tenente Hamisi Delfonte, um policial de Walikale.

Os membros indianos da força de paz que estão na base mais próxima, em Kibua, a 18 quilômetros daqui, dizem ter começado a ouvir relatos sobre o ataque no domingo seguinte, mas afirmam que foram enganados com histórias parecidas em várias ocasiões anteriores. Eles dizem que, frequentemente, motoristas de caminhão alegam que uma determinada área está sob ataque, quando na verdade eles desejam apenas uma escolta da ONU até a próxima vila para que ninguém roube as suas cargas de minérios.

Como não existe rede de telefonia celular nem energia elétrica na região, nem sempre é possível saber que um ataque ocorreu. A ONU, que conta com cerca de 18 mil soldados da força de paz no Congo, está procurando agora instalar rádios de alta frequência, alimentados por eletricidade gerada a partir de energia solar, em algumas vilas.

Em 2 de agosto, uma segunda-feira, os soldados da força de paz concordaram em escoltar motoristas de caminhão por Luvungi. Militares indianos dizem ter visto colchões e roupas rasgados espalhados pela estrada – um sinal de saques –, mas observam que os moradores nada lhes disseram sobre estupros em massa.

“Às vezes as mulheres daqui sentem vergonha de contar a um soldado que foram estupradas, especialmente em se tratando de soldados do sexo masculino. E nós não temos soldados do sexo feminino”, diz Sharma.

Várias mulheres de Luvungi disseram que, após as terem estuprado, os rebeldes saíram gritando na noite, como se estivessem comemorando. Mburano escutou os gritos dos rebeldes quando estava caída no chão, sangrando.

“Eu sei que ainda pareço estar doente”, diz Mburano, embora os seus olhos embaçados tentem sorrir enquanto ela fala. “Desde que fui destruída tudo o que comi foram alguns legumes e verduras”.
 Quatro homens armados invadiram a choupana de Anna Mburano, bateram nas crianças e jogaram-nas ao chão. Eles obrigaram Mburano a deitar-se de costas e a estupraram repetidas vezes. O fato de haver dezenas de soldados da força de paz da Organização das Nações Unidas perto dali não fez nenhuma diferença. E tampouco o fato de ela ter 80 anos de idade. Veja imagens

“Meus netos!”, gritou ela. “Me larguem!”.

Após terminarem, eles foram de casa em casa, acompanhados de centenas de outros rebeldes saqueadores, estuprando em grupos pelo menos 200 mulheres.

Aquilo que ocorreu nesta vila remota de choupanas de telhados de palha em 30 de julho último, e que continuou acontecendo durante mais três dias, transformou-se em um embaraço enorme para a missão das Nações Unidas no Congo. Apesar de mais de dez anos de experiência e de bilhões de dólares empregados, a força de paz ainda parece estar fracassando no que diz respeito à sua tarefa mais elementar: proteger a população civil.

Os capacetes azuis da ONU são considerados a última linha de defesa no leste do Congo, já que o exército do país é conhecido pela prática de abusos, os policiais estão frequentemente ausentes ou bêbados e as montanhas estão cheias de rebeldes.

Mas muitos críticos afirmam que em nenhum outro lugar do mundo a ONU investiu tanto para realizar tão pouco. Aquilo que ocorreu em Luvungi, quando soldados da força de paz que se encontravam próximos não protegeram uma vila que estava sob ataque, é similar a um massacre ocorrido em Kiwanja, em 2008, quando os rebeldes mataram 150 pessoas bem perto da uma base da ONU.

“O Congo representa o maior fracasso da ONU”, afirma Eve Ensler, autora da peça teatral “ The Vagina Monologues” (“Os Monólogos da Vagina”), cujo grupo de defesa dos direitos humanos, o V-Day, trabalha há anos auxiliando mulheres congolesas.

Ela diz que o problema é provocado por má administração, comunicação precária e racismo. “Se as mulheres que estão sendo estupradas fossem filhas, mulheres ou mães pertencentes às elites poderosas, tenho certeza de que esta guerra teria acabado 12 anos atrás”, afirma a dramaturga.

Autoridades da ONU admitem que as forças de paz não responderam com rapidez suficiente aos fatos ocorridos em Luvungi, embora digam que a responsabilidade principal pela segurança da população é do exército congolês, que continua em um estado de grave anarquia.

“Eu me senti pessoalmente culpada em relação às pessoas que conheci lá”, diz Atul Khare, secretário geral assistente da força de paz, que visitou Luvungi recentemente. “Elas me disseram que foram estupradas e brutalizadas e pediram paz e segurança. Infelizmente eu tive que dizer-lhes que isso é algo que eu não posso prometer”.

Nos círculos das instituições dedicadas à promoção da paz, o Congo está ficando conhecido como “o equivalente africano do Afeganistão devido à violência interminável e à complexidade do conflito”, diz Annika Hilding-Norberg, diretora do Instituto de Treinamento para Operações de Paz, no Estado de Virgínia, nos Estados Unidos.

Luvungi, uma vila de cerca de 2.000 habitantes, é um ponto de convergência de diversos problemas difíceis de serem resolvidos no Congo: a busca frenética por minerais; a fragmentação de grupos rebeldes; os incentivos perversos entre grupos armados para a perpetração de atrocidades a fim de aumentar o seu poder nas negociações; a pobreza que mantém as vilas isoladas e incomunicáveis; e o fato perturbador de que, nas guerras do Congo, os campos de batalhas são muitas vezes os corpos das mulheres. Segundo autoridades da ONU, a violência sexual praticada no Congo é a pior do mundo.

Uma sensação de ameaça paira sobre toda esta área, até mesmo nos locais controlados pelo governo.

E agora os moradores da área de Luvungi não querem mais correr riscos. Após os estupros, as Nações Unidas montaram uma base aqui, e a simples presença de cerca de 20 soldados da força de paz em um cinema abandonado de paredes de barro atrai incontáveis refugiados das áreas vizinhas. Eles acampam em frente à base e passam a noite no local.

Durante os trajetos escoltados até os mercados, milhares de moradores seguem caminhando atrás de um punhado de soldados indianos em um caminhão, suplicando aos membros da força de paz que dirijam “pole, pole” - ou “mais devagar, mais devagar” - para que não haja o menor espaço entre o veículo e eles, de forma que os rebeldes não possam contar com uma oportunidade para sair da selva e os atacar.

Esta área é incrivelmente rica em ouro, estanho e terras férteis, e é em parte por causa disso que a região é disputada de forma tão feroz por grupos rebeldes e divisões renegadas do exército congolês. Rios amarronzados correm pela selva, que é decorada com flores rosas de hibisco e aves do paraíso. Passar por uma estrada daqui é uma experiência semelhante a dirigir dentro de uma estufa.

Em meados de julho, o contingente do exército estacionado em Luvungi retirou-se subitamente da área, deixando a população daqui desprotegida. Mas tarde a ONU descobriu que os soldados congoleses marcharam para Bisie, onde há uma enorme mina de estanho – e dinheiro para ser extorquido.

“Este lugar é um vazio total”, afirma o major Radha Krishnan, membro indiano das forças de paz da ONU.

Pouco após os estupros ocorridos naquele mês, o governo ordenou que as minas do leste do Congo fossem temporariamente fechadas, a fim de impedir que grupos armados obtivessem dinheiro. Mas o governo não tem controle sobre várias minas. Aliás, ele não controla grande parte da área.

“O governo só é capaz de dominar a estrada”, explica o tenente-coronel R.D. Sharma. “O resto pertence às forças negativas”, diz ele, fazendo um gesto com a mão sobre o topo das árvores.

As “forças negativas” invadiram Luvungi a aproximadamente 20 horas da sexta-feira, 30 de julho. Segundo relatórios da ONU, havia 300 homens, uma mistura de rebeldes ruandeses que aterroriza o leste do Congo há anos e de combatentes de um novo grupo rebelde congolês, o Mai Mai Cheka, que vem lutando para obter atenção em um momento em que o governo tenta integrar mais rebeldes ao exército.

Paradoxalmente, a tentativa de integrar certos grupos rebeldes ao exército congolês – para ajudar a estabilizar a região – pode ter proporcionado um motivo para os estupros, dizem os analistas. Quanto mais temível e poderoso um grupo armado aparentar ser, mais concessões ele é capaz de extrair nas negociações.

“Esses sujeitos estão tentando obter uma espécie de promoção, de coronel a general”, afirma o tenente Hamisi Delfonte, um policial de Walikale.

Os membros indianos da força de paz que estão na base mais próxima, em Kibua, a 18 quilômetros daqui, dizem ter começado a ouvir relatos sobre o ataque no domingo seguinte, mas afirmam que foram enganados com histórias parecidas em várias ocasiões anteriores. Eles dizem que, frequentemente, motoristas de caminhão alegam que uma determinada área está sob ataque, quando na verdade eles desejam apenas uma escolta da ONU até a próxima vila para que ninguém roube as suas cargas de minérios.

Como não existe rede de telefonia celular nem energia elétrica na região, nem sempre é possível saber que um ataque ocorreu. A ONU, que conta com cerca de 18 mil soldados da força de paz no Congo, está procurando agora instalar rádios de alta frequência, alimentados por eletricidade gerada a partir de energia solar, em algumas vilas.

Em 2 de agosto, uma segunda-feira, os soldados da força de paz concordaram em escoltar motoristas de caminhão por Luvungi. Militares indianos dizem ter visto colchões e roupas rasgados espalhados pela estrada – um sinal de saques –, mas observam que os moradores nada lhes disseram sobre estupros em massa.

“Às vezes as mulheres daqui sentem vergonha de contar a um soldado que foram estupradas, especialmente em se tratando de soldados do sexo masculino. E nós não temos soldados do sexo feminino”, diz Sharma.

Várias mulheres de Luvungi disseram que, após as terem estuprado, os rebeldes saíram gritando na noite, como se estivessem comemorando. Mburano escutou os gritos dos rebeldes quando estava caída no chão, sangrando.

“Eu sei que ainda pareço estar doente”, diz Mburano, embora os seus olhos embaçados tentem sorrir enquanto ela fala. “Desde que fui destruída tudo o que comi foram alguns legumes e verduras”.

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