terça-feira, 5 de outubro de 2010

Retratos conflitantes do sargento acusado de matar civis no Afeganistão

Jeremy Morlock
O sargento Calvin Gibbs telefonou para dizer que não matou civis afegãos apenas pelo prazer de matar. Nem jogou vários dedos aos pés de seus companheiros para intimidá-los a ficarem em silêncio.

“Tudo o que ele disse foi: ‘Eu não sei de onde esse pessoal está tirando essas coisas’”, disse Eric Thomas, um amigo de infância daqui, logo após falar recentemente com Gibbs por telefone. “Ele disse que nada disso aconteceu. Ele disse que os outros ficaram assustados por algum motivo. Ele não sabe de onde saiu isso.”

“Calvin Gibbs não é um assassino”, disse Thomas. “Eu não quero que pessoas fiquem ouvindo sobre ossos de dedos e pensando que conhecem Calvin, porque não conhecem.”

Os membros de sua unidade no Afeganistão pintam um quadro devastador de Gibbs, 26 anos. Ele é um dos cinco soldados que enfrentam potencial corte marcial pelas acusações de terem matado civis afegãos por esporte, plantado armas perto deles para simular situações de combate, colecionado partes de seus corpos e tirado fotos posando com seus cadáveres.

Documentos sobre o caso obtidos pelo “New York Times”, incluindo declarações de soldados e investigadores, retratam Gibbs como líder em três incidentes separados envolvendo a morte de civis perto de Kandahar, Afeganistão, e como a força por trás da intimidação de outros soldados em sua unidade para que ficassem calados. Os soldados disseram que Gibbs ameaçou pelo menos um subordinado de morte caso revelasse os assassinatos. Outros soldados não acusados pelas mortes disseram que ele zombava deles por não atenderem seu padrão para os homens em patrulha.

“Ele me disse que o tipo de soldado que estava procurando era o tipo que podia matar qualquer um, sem qualquer tipo de arrependimento”, disse o soldado Ashton Moore para o investigador do Exército, em maio.

Quando Moore, que enfrenta outras acusações, disse para Gibbs que não mataria alguém sem motivo, ele disse que o sargento respondeu: “E é por isso que você não sairá do caminhão. O sujeito que estou procurando é o sujeito que atiraria em um sujeito apenas porque pode”.
O caso levou os militares a revisarem todas as mortes em combate nas quais Gibbs esteve envolvido, incluindo aquelas durante envios ao Iraque desde 2004.

O especialista Jeremy N. Morlock, também acusado de mortes no Afeganistão, disse que Gibbs discutiu abertamente como poderia matar o especialista Adam C. Winfield, outro dos acusados, que ele temia que pudesse denunciar os assassinatos.

“Existiam dois cenários elaborados pelo sargento Gibbs para tirar a vida dele”, disse Morlock aos investigadores do Exército, como parte da investigação dos cinco soldados. “O primeiro cenário era levá-lo ao ginásio e derrubar um peso sobre o pescoço dele. O segundo era levá-lo até a oficina e derrubar uma barra de rebocar sobre ele.”

Geoffrey Nathan, um advogado de Morlock, criticou o Exército por permitir que Gibbs liderasse soldados em combate. Ele disse que seu cliente “pode passar o resto de sua vida na prisão por ter estado nas mãos de Gibbs”.

Vários soldados se recordam de Gibbs e Morlock jogando vários dedos cortados diante de um soldado que denunciou o uso de haxixe dentro de sua unidade. Esse soldado, Justin A. Stoner, posteriormente disse aos investigadores que temia ser morto da mesma forma que os civis afegãos, como se sua morte tivesse ocorrido em combate.

“Não seria difícil para eles me levaram lá para fora e fazerem o mesmo comigo, colocando a culpa no Taleban”, disse Stoner aos investigadores.
Aqui em Billings, os amigos de Gibbs dizem que ele estava apenas cumprindo seu dever.

“Como poderiam colocá-lo na prisão por fazer seu trabalho lá?” perguntou Thomas. “Tenho certeza de que algumas pessoas estavam atirando contra ele, então ele respondeu ao fogo.”

Não muito antes de ser enviado para zonas de guerra no exterior, Gibbs era um adolescente em dificuldades em Billings.
“Sem ambição”, disse um vizinho.

Seu pai trabalhava na manutenção de uma igreja mórmon e sua família era ativa na fé. Ele faltava muito na escola, obtendo apenas um dos 20 créditos necessários para se formar. Em seu livro do ano colegial durante o segundo ano, ele vestia uma camiseta estampada com duas cruzes de ferro e a marca de empresa de moda de skatista, “Independent”

Thomas, seu irmão Paul, Gibbs e outro rapaz eram amigos na adolescência, frequentemente acampando nas noites de verão em Red Lodge, Montana, pescando, atirando com armas de chumbinho e bebendo cerveja.

Gibbs jogou na defesa de um time de futebol americano quando era calouro no colégio. Com 1,95 metro e 100 quilos, ele era “o garoto mais forte contra o qual joguei”, disse Thomas.

Os amigos jogavam videogame e andavam de skate, frequentemente passando o tempo na casa da família Gibbs, porque os amigos diziam que os pais dele eram legais.

Os amigos dizem que tudo o que ele queria era ser soldado.

Seus pais o enviaram para uma escola alternativa em Montana, que frequentemente encaminhava seus estudantes para as forças armadas. Gibbs se formou no final de 2002, já estando alistado nas forças armadas. Ele sonhava em ser fuzileiro, mas sem o diploma do colegial, ele acabou entrando para o Exército.

Um advogado de Gibbs se recusou a comentar, assim como os pais deste. Uma irmã começou a chorar quando foi perguntada a respeito dele, dizendo que seu irmão pediu para que ela não falasse com os repórteres. Amigos disseram não acreditar nas acusações.
“As pessoas podem perder a cabeça” durante missões de combate, disse Paul Thomas, o irmão mais velho de Eric Thomas. “Mas não o Calvin. Ele sempre foi uma rocha.”

Paul Thomas é um ex-fuzileiro. Ele disse que não vê Gibbs desde 2006. De lá para cá, Gibbs já serviu duas vezes no Afeganistão, após servir uma vez no Iraque. Agora, mais de um soldado que serviu com ele o descreve e suas ações como sendo “selvagem”.
Stoner disse que Gibbs “se associa aos skinheads online”. Morlock disse que Gibbs nutre “ódio puro por todos os afegãos”. Os dedos que ele é acusado de colecionar agora fazem parte das evidências no caso, assim como os dentes que ele teria arrancado de um afegão morto, assim como os ossos que outros soldados dizem que ele desenterrou.

Gibbs se recusou a falar com os investigadores militares. Mas durante a coleta das digitais e fotos em maio, foi pedido a ele que mostrasse suas tatuagens. Em sua perna esquerda estava uma imagem de pistolas cruzadas e seis caveiras. Ele disse ao investigador, segundo uma transcrição, que as caveiras eram “sua forma de manter a contagem daqueles que ele matou. As caveiras em vermelho eram as do Iraque, e as outras três eram as mortes ocorridas no Afeganistão”.

Os soldados entrevistados pelos investigadores disseram que Gibbs mencionou os crimes anteriores que ele cometeu no Iraque, incluindo um no qual atirou contra um carro que levava uma família iraquiana com crianças. Em maio, enquanto Gibbs e outros estavam sendo investigados, os investigadores militares ampliaram sua investigação, perguntando especificamente a respeito de possíveis mortes a tiros no Iraque em 2004.
“Quantas vezes o sargento Gibbs foi enviado?” perguntaram os investigadores. “É preciso determinar se ocorreram incidentes suspeitos ou investigações durante todos os serviços.”

Pelo menos um soldado disse que Gibbs tinha fotos dos corpos de seu serviço no Iraque. Um porta-voz da Divisão de Investigações Criminais do Exército, na Virgínia, disse que não podia discutir se Gibbs tinha enfrentado outras acusações ou investigações criminais anteriores.

Antes de Gibbs invocar seu direito a um advogado durante entrevista com os investigadores em maio, estes disseram que ele disse que “todos os incidentes no qual ele esteve envolvido ocorreram exatamente como relatados, o que significa que ele foi atacado e então respondeu com seu M-4, matando um cidadão local. Quando questionado se alguns dos incidentes foram encenados, o sargento Gibbs considerou aquilo ofensivo”.

O soldado Adam W. Kelly, que é acusado de atacar Stoner juntamente com vários outros soldados, assim como pela posse de haxixe, disse aos investigadores que admirava Gibbs, assim como outros em seu pelotão, de oficiais graduados até subordinados, e ele “exibia táticas sólidas”.
“Eu acredito que devido à sua experiência, mais pessoas voltaram vivas e ilesas do que teria acontecido caso ele não fizesse parte do pelotão”, disse Kelly.

Gibbs é casado com uma soldado baseada nos Estados Unidos, Chelsy Gibbs. Eles se casaram em uma igreja mórmon em Billings. Em 2008, eles tiveram um filho, Calvin Richard Gibbs Jr. Na página dela no MySpace, Chelsy Gibbs listou seu marido como sendo um de seus heróis, “por me aturar, mas principalmente pelos sacrifícios que ele faz por nosso país”.

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