sábado, 4 de setembro de 2010

Construções em assentamentos israelenses crescem apesar de proibição

 Benjamin Netanyahu e Mahmoud Abbas tentam negociar a paz com a ajuda norte-americana
Em Washington, israelenses e palestinos estão discutindo a paz, mas nos assentamentos judeus na Cisjordânia, a construção continua a toda velocidade. Uma proibição legal está sendo ignorada, e o governo está fazendo vista grossa. Milhares de novas casas podem prejudicar a reconciliação.

Oficialmente, ao menos, esta é hora da diplomacia. Pela primeira vez em dois anos, israelenses e palestinos estão se encontrando para negociações diretas de paz. O presidente Barack Obama dos EUA convidou o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o presidente palestino Mahmoud Abbas para conversas em Washington. A construção de assentamentos é uma das questões mais delicadas nas negociações.

É também uma questão na qual as frentes estão ficando cada vez mais tensas. “No que nos diz respeito, vamos continuar construindo depois de ter enterrado nossos mortos”, disse Naftali Bennett, diretor geral da associação de colonos Yesha, horas antes do início das conversas pela paz. Pouco tempo após seu anúncio, os colonos começaram a erguer vários assentamentos simbólicos na Cisjordânia. Em uma entrevista com o Spiegel Online, Bennett usou palavras ameaçadoras. “Não é bom o suficiente o fim da moratória no dia 26 de setembro”, disse ele. “Ehud Barak precisa agir para aprovar 3.000 moradias -1.500 agora mesmo.”

A mensagem é clara: depois que terroristas do Hamas mataram quatro israelenses perto de Hebron, os colonos desistiram de aderir à suspensão de 10 meses nas construções que expira no final de setembro. Um comandante do exército disse ao jornal Maariv que os colonos ameaçaram “encher” a Cisjordânia “com milhares de casas”. Ele disse que estava preocupado que dezenas de caminhões de concreto entrassem à noite para erguer paredes e que não havia nada que os militares pudessem fazer para detê-los.

E por que deveriam, se têm a impressão que o próprio governo não apóia a moratória?

O trabalho de construção talvez recomece em 57 assentamentos. As negociações de paz que começaram na quinta-feira com uma recepção oficial da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton não mudarão isso. Afinal, nas rodadas anteriores de negociações, a construção de assentamentos também continuou. Desde o início do processo de paz de Oslo, nos anos 90, o número de colonos israelenses morando na Cisjordânia triplicou – passando de 110.000 para mais de 300.000 pessoas morando em 121 assentamentos e 100 postos avançados. Além disso, há 200.000 colonos em Jerusalém Oriental.

A terra é praticamente de graça


A construção pode ser retomada em ritmo mais rápido do que antes. Na Cisjordânia, há poucos sinais que a moratória foi aplicada. Em dezenas de assentamentos, escavadoras e betoneiras são comuns e palestinos trabalham sob 40 graus Celsius. Cerca de 2.000 casas atualmente estão sendo construídas – na maior parte, o trabalho começou pouco antes ou depois do início da moratória.

Um desses lugares é Anatot, um assentamento próximo a Jerusalém que é salpicado de canteiros de flores, árvores, sinais de rua simpáticos em cada entrada e um poste de luz a cada poucos metros. Anatot é o perfeito idílio suburbano. E é apenas um de muitos assentamentos nos quais os moradores podem rapidamente se esquecer que são colonos.

Agora, há planos de expandir Anatot. Um bairro próximo está sendo erguido com 70 apartamentos, como afirma orgulhosamente o gerente de construção. O assentamento está sendo expandido em um terço de sua atual população de cerca de 200 famílias.

Algumas das novas casas já estão prontas. São cubos atraentes construídos em arenito de cor creme de Jerusalém. Um cartaz colorido na entrada de Anatot anuncia “chalés com qualidade de vida”. É um sonho que custa entre 1,02 a 1,4 milhões de shekels (em torno de R$ 700.000) – mais barato do que um pequeno apartamento em Jerusalém Oriental. A construção na Cisjordânia é fortemente subsidiada por Israel. A terra é praticamente de graça. Afinal, é terra do “governo”. Os custos de desenvolvimento são pagos pelo Estado e os moradores recebem empréstimos a preços razoáveis.

Ainda assim, a construção de fato não é permitida aqui. O projeto de construção não está incluído na lista de 490 “exceções legais” que o governo conseguiu inserir na moratória dos assentamentos.

A moratória foi “uma ficção desde o início”

“O aumento na construção aqui começou pouco antes do congelamento das construções”, diz Dror Etkes, talvez o israelense que mais sabe sobre assentamentos. Por anos, ele vem documentando a construção de assentamentos e submetendo reclamações contra projetos ilegais.

Etkes tem certeza que está ocorrendo construção ativa em ao menos 46 de 120 assentamentos. Os projetos de construção só foram de fato congelados em cinco assentamentos, diz ele. Mesmo os inspetores do governo encontraram violações da moratória em 29 assentamentos. Até agora, porém, nenhuma firma de construção foi responsabilizada por essas violações. Isso apesar do fato do congelamento da construção, pela primeira vez na história israelense, não ser apenas uma exigência “política”, mas uma lei de fato – significando que qualquer violação deve ser punida legalmente.

Além disso, projetos de infra-estrutura não estão incluídos na moratória. Como resultado, uma série de estações de tratamento de esgoto e reservatórios de água está sendo construída nos assentamentos – inclusive em terras palestinas. Em Beitar Illit, está sendo construída uma estrada.

Os incentivos financeiros associados tampouco foram afetados pela moratória e são a única razão pela qual muitos israelenses escolhem morar na Cisjordânia. Esses benefícios incluem empréstimos baratos, aluguéis subsidiados, alívios fiscais e inúmeros outros benefícios que facilmente poderiam ter sido cancelados.

“A diferença entre o nível de construção antes e durante a moratória é muito, muito menor que os colonos dizem”, diz Etkes. “Não estou dizendo apenas que o congelamento de construções foi minado, mas sim que foi uma ficção desde o início”. Uma das consequências, diz ele, foi que as atividades de construção se concentraram ainda mais nos assentamentos orientais - em outras palavras, aqueles assentamentos isolados, muitas vezes radicais, que precisariam ser evacuados caso um acordo de paz fosse alcançado. Os moradores desses assentamentos devem se defender com força contra tal medida.

Parte 2: “O congelamento das construções é mais danoso do que útil”


O trabalho de construção também está avançando em Kfar Adumim. O assentamento é significativamente maior do que a norma –2.700 pessoas moram aqui, nas montanhas entre Jerusalém e Jericó. Entre elas, há dois membros do Knesset, os radicais Aryeh Eldad e Uri Ariel. Trinta casas estão sendo construídas aqui e 50 trabalhadores palestinos estão trabalhando no local. Um homem, ocupado assentando ladrilhos, diz que começou a trabalhar um mês antes do congelamento das construções. No início, havia cerca de 300 homens trabalhando a pleno vapor para assentar o maior número de fundações possível em pouco tempo.

Etkes vê o desrespeito com a moratória nas construções aqui como “o exemplo clássico de cooperação entre colonos o governo”: algumas das fundações foram estabelecidas rapidamente antes do congelamento entrar em vigor, algumas depois -mas ninguém se incomoda em fiscalizar. “O congelamento de construções foi discutido por meio ano, tempo suficiente para todas as partes se prepararem”.

Isso não é diferente de outros assentamentos. Quando a moratória termina, os colonos imediatamente começam a construir. Ou, se não precisarem de moradia imediatamente, podem guardar as fundações de “reserva” em caso de congelamentos futuros. Além disso, dezenas de organizações de colonos submeteram pedidos de licença para construção nos próximos meses.

O homem que trabalhava assentando ladrilhos não quis dar seu nome porque tem medo de perder o emprego, que paga no mínimo 30 euros por dia. Contudo, ele disse que muitos de seus colegas começaram a trabalhar no local dois dias antes da moratória. Ele também disse que o trabalho de construção está acontecendo em Har Homa em Belém, apesar do congelamento. Carpinteiros trabalham à noite para não atrair a atenção.

A cada novo projeto, a eliminação dos assentamentos se torna mais difícil

E o trabalhador palestino se incomoda com isso? “O que devemos fazer? Enquanto tiverem permissão de continuar construindo, estaremos aqui também”, diz ele dando de ombros. É o pragmatismo daqueles que não acreditam que os israelenses vão deixar a Cisjordânia tão cedo. O mesmo acontece em quase toda parte perto de Jerusalém. Mas e nos assentamentos isolados, perto de Nablus, Vale do Jordão e Hebron. “A situação é similar”, diz Etkes.

Dez apartamentos aqui, 40 ali. Em nenhum outro lugar os projetos são tão grandes quanto em Ramat Shlomo, assentamento judeu em Jerusalém Oriental onde, no início do ano, a construção de 1.600 novos apartamentos foi aprovada - justamente quando o vice-presidente norte-americano Joe Biden estava indo para Israel. Os americanos ficaram irritados e insistiram que os israelenses cumprissem a moratória de construção. Contudo, mesmo pequenos projetos trazem com eles milhares de novos colonos - e a cada um, a eliminação futura dos assentamentos se torna ainda mais difícil. E sem a eliminação dos assentamentos, não pode haver um Estado palestino viável.

Com alguns números do escritório de estatísticas do governo já se pode determinar que não ocorreu nenhuma redução significativa de atividade de construção. O Canal 10 de televisão de Israel, por exemplo, informou que 8.000 israelenses mudaram-se para Cisjordânia ou ali nasceram nos últimos seis meses. Esse número projetado para os próximos meses de 2010 pode chegar a 16.000 pessoas. Nos últimos anos -sem a moratória de construção- o índice de crescimento médio foi de 5,5%. Como a Cisjordânia tem 300.000 colonos, essa porcentagem significaria um aumento anual de 16.500 pessoas. “Em outras palavras, a tão discutida moratória na construção nos trouxe 500 colonos a menos”, diz Etkes.

“No final, haverá mais 1.000 casas”


Para os palestinos, o tempo da moratória nas construções não foi bom. De acordo com o Human Rights Watch, a administração civil israelense na Cisjordânia derrubou um total de 267 casas palestinas nos últimos meses, mais do que nunca. As casas tinham sido construídas sem permissão, mas esse é o caso da maior parte das novas casas palestinas porque raramente são aprovadas.

Por outro lado, Etkes tem certeza que muitas casas dos assentamentos construídas ilegalmente durante a moratória serão legalizadas mais tarde. “No final, ainda haverá mais 1.000 casas na Cisjordânia.”

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